Portos nacionais “carregam” menos mercadorias, mas ganham quota aos rivais espanhóis
Movimentação de carga nos portos portugueses cada vez mais distante do nível anterior à pandemia, embora a perda seja menor que em Espanha. Transitários veem oportunidades na agitação logística.
Apesar da ligeira recuperação na reta final de 2023, os portos portugueses terminaram o ano passado com uma nova quebra de 2,2% na movimentação de cargas. Só Lisboa e Setúbal fecharem em terreno positivo na comparação homóloga. Com um registo total de 83,4 milhões de toneladas no país, cada vez mais longe da performance pré-pandemia (87,1 milhões) e do máximo histórico registado em 2017 (96 milhões), 60,4% do tráfego correspondeu a desembarques (-0,6%) e o tropeção maior veio do volume de mercadorias embarcadas nas infraestruturas nacionais (-4,5%).
De acordo com os dados estatísticos incluídos no relatório anual da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (ATM), consultado pelo ECO, houve 9.880 navios a fazer escala em Portugal durante o ano passado. Um crescimento homólogo de 3,5% neste indicador para o qual os portos de Lisboa, de Aveiro e de Setúbal deram os “contributos mais relevantes”. Pelo contrário, os registos das escalas foram negativos em Viana do Castelo, Leixões, Figueira da Foz ou Sines.
Por tipologia de carga movimentada, o organismo liderado pela ex-ministra Ana Paula Vitorino destaca a “redução significativa” de todos os mercados de granéis líquidos em Sines, encabeçada pelo gás liquefeito (-21,7%) e, em sentido contrário, o acréscimo dos produtos agrícolas (+566%) e petrolíferos (+538%) no porto de Aveiro, a par do incremento de 13,5% da carga contentorizada na infraestrutura da capital portuguesa.
Ainda assim, no comparativo com o sistema portuário espanhol e salvaguardando as diferenças e dimensões entre ambos, a AMT constata que os portos portugueses registaram um “desempenho global melhor” e inverteram a perda de relevância verificada no ano anterior. É que a carga movimentada em 2023 no conjunto dos portos em Espanha quebrou ainda mais (-3,3%), para 528,2 milhões de toneladas. Este ganho de quota nas operações nacionais assentou sobretudo no movimento de contentores: subiu 0,7% e caiu 4,5% do outro lado da fronteira.
O presidente executivo da Associação dos Transitários de Portugal (APAT) descreve uma “quebra que se pode considerar normal devido essencialmente à volatilidade dos mercados”. Enquanto a performance em Espanha foi mais afetada pelo “desvio de algumas cargas para outras áreas geográficas” devido à alteração de rotas provocada pelos ataques no Mar Vermelho, e pelas alianças que se desfizeram após a Comissão Europeia anunciar o fim da CBER (Consortia Block Exemption Regulation), ao não renovar a isenção do cumprimento das regras antitrust pelas companhias de navegação.
Lembrando que os portos portugueses competem com os espanhóis e estes, por sua vez, com os do Norte de África, António Nabo Martins acrescenta, em declarações ao ECO, que as administrações portuárias nacionais “têm apresentado significativas melhorias no seu desempenho, ou por via de mais investimentos, de mais tecnologia e inovação, ou por via da assunção de políticas comerciais mais atrativas e de maior agilização de procedimentos que lhes permite maior capacidade, flexibilidade e eficácia por via dessa otimização”.
Estão a acontecer permanentemente disrupções na cadeia – por acidente, por incidente, por conflitualidade armada ou por guerras comerciais – que podem colocar Portugal no centro estratégico de novas maneiras de ver e pensar a forma como o mundo se organiza para fazer comércio internacional.
Já a avaliar pelo arranque do novo ano, os operadores transitários estão mais “otimistas” quanto à evolução da movimentação de cargas nos portos portugueses em 2024. É que, argumenta o porta-voz do setor, “estão a acontecer permanentemente disrupções na cadeia — por acidente, por incidente, por conflitualidade armada ou por guerras comerciais — que podem colocar Portugal no centro estratégico de novas maneiras de ver e pensar a forma como o mundo se organiza para fazer comércio internacional”.
“Se, por um lado, a questão [do desvio] das rotas para o Cabo da Boa Esperança pode trazer para Portugal novos navios, também é verdade que, a confirmar-se, a aplicação de uma taxa sobre os armadores [EU ETS], que deverá entrar em vigor em 2025, poderá originar novos caminhos para a carga. O nosso trabalho é estar atento, encontrar estes equilíbrios e conseguir ser mais eficiente e eficaz. Nós sabemos que a carga encontra sempre o caminho. Os transitários têm de conseguir que a carga encontre o melhor caminho”, resume Nabo Martins.
Em declarações ao ECO, também Carlos Correia, presidente das Administrações dos Portos de Lisboa e de Setúbal, diz confiar num crescimento em 2024, em particular na carga contentorizada. Mas ressalva que estas previsões “poderem vir a ser afetadas por fatores externos”. Quais? “As constantes alterações que se continuam a verificar no comércio mundial – veja-se as questões ligadas à instabilidade de atravessamento do canal do Suez, bem como o recente acidente em Baltimore – e nos custos energéticos, podendo estes afetar particularmente as indústrias transformadoras que importam as commodities”, exemplifica.
Como cresceram Lisboa e Setúbal?
Excluindo Faro, que é a infraestrutura portuária com menor nível de movimentação de carga em Portugal, no ano passado, o Porto de Lisboa observou o acréscimo mais expressivo (6,5%) a nível nacional. Uma recuperação que foi alavancada não só pela recuperação da procura interna e externa, principalmente nos segmentos de carga contentorizada (em que o pendor exportador é superior a 60%) e granéis líquidos, como também pelo aumento da oferta de novos serviços de linhas regulares de contentores.
Neste segmento, as linhas de short-sea (mercado europeu) consolidaram os seus mercados, com maior volume de carga, enquanto aumentaram as linhas de deep-sea, para o mercado americano, cuja recuperação está a ser impulsionada pelo maior terminal de contentores (Yilport Liscont) em articulação com a Administração do Porto de Lisboa (APL). Em curso está um projeto de modernização desta infraestrutura num investimento superior a 122 milhões de euros.
No caso de Setúbal, que se manteve em 2023 um porto maioritariamente exportador, com mais de 50% de carga exportada, o valor positivo assentou maioritariamente na movimentação de granéis sólidos, carga fracionada e na consolidação da carga ro-ro, “marcando uma posição de destaque no apoio à produção industrial na região da península de Setúbal”. Para futuro, a administração liderada por Carlos Correia quer aproveitar a “complementaridade e articulação logística com o porto de Lisboa e da nova ligação ferroviária a Espanha, gerando mais valor para os serviços logísticos oferecidos por este cluster portuário alargado”, e reforçar a chamada estratégia Hub2Green.
Queremos tirar partido da complementaridade e articulação logística com o porto de Lisboa e da nova ligação ferroviária a Espanha, gerando mais valor para os serviços logísticos oferecidos por este cluster portuário alargado.
“Uma estratégia que visa transformar o Porto de Setúbal num hub económico de desenvolvimento sustentável diferenciador a nível regional, nacional e europeu, integrante de cadeias logísticas sustentáveis, determinante para a atração dos novos clusters da reindustrialização, nomeadamente para a estratégia das energias renováveis offshore, bem como outras energias verdes, da economia circular, inovação e bioeconomia, sem descurar o reforço do apoio às empresas e ao consumo da vasta região que serve”, relata o líder da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS).
Um pouco mais a Sul, em Sines, o decréscimo de 4% no volume total de carga movimentada ficou a dever-se à perda de 9% no segmento dos granéis líquidos, já que nos restantes segmentos até registou uma variação positiva em termos homólogos, com uma subida de 34% nos granéis sólidos e de 2% na carga contentorizada. Manteve a 14ª posição na lista dos maiores portos de contentores da União Europeia, que é liderada por Roterdão, Antuérpia-Bruges e Hamburgo, de acordo com a PortEconomics.
José Luís Cacho, presidente da Administração dos Portos de Sines e Algarve estima ao ECO que “para 2024, as previsões apontam para um crescimento da ordem dos 15% no que diz respeito ao volume total movimentado, rondando os 49 milhões de toneladas, enquanto na carga contentorizada se prevê que Sines se aproxime dos dois milhões de TEU’s”, o que compara com os 1,67 milhões em 2023. A concessionária da PSA Sines tem em curso um projeto de expansão do terminal de contentores que prevê a quase duplicação da capacidade de movimentação anual, de 2,7 milhões para 4,2 milhões de TEU até 2030.
Para 2024, as previsões apontam para um crescimento da ordem dos 15% no que diz respeito ao volume total movimentado, rondando os 49 milhões de toneladas, enquanto na carga contentorizada se prevê que Sines se aproxime dos dois milhões de TEU’s.
O ECO contactou igualmente a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), que não se mostrou disponível para responder às questões ou prestar outros esclarecimentos.
Já na perspetiva da APAT, dramatiza António Nabo Martins, se a digitalização, descarbonização e integração vertical das atividades conexas ao comércio internacional continuam os maiores temas globais, há desafios de cariz nacional que preocupam os transitários.
“Precisamos de rapidamente definir a questão do novo aeroporto, a questão do investimento estrutural na ferrovia, das acessibilidades rodoferroviárias aos portos e da forma como integramos todos os players numa plataforma digital que permita aumentar a competitividade pelo lado processual, inspetivo, regulatório e fiscalizador, e agilizar estes procedimentos com todo o ecossistema logístico nacional”, aponta o responsável.
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