Altri recusa “bomba ambiental” na Galiza. Fábrica de 850 milhões ainda sem garantia de apoios públicos
Impacto ambiental coloca projeto do grupo português no olho do furacão, enquanto negoceia dinheiro do PRR espanhol para construir fábrica de pasta e fibras têxteis no valor de 850 milhões na Galiza.
Está em “maus lençóis” o megacomplexo industrial projetado pela Altri para a Galiza, que prevê um investimento superior a 850 milhões de euros para a construção de raiz de uma unidade com capacidade para produzir anualmente 200 mil toneladas de pasta solúvel e 60 mil toneladas de fibras têxteis sustentáveis (lyocell). A empresa portuguesa está a ser fortemente criticada por várias forças políticas e organizações da sociedade civil na região espanhola, que contestam os impactos ambientais do projeto e estão a pressionar o governo central para recusar a atribuição do financiamento público necessário para a viabilização da fábrica.
O Projeto Gama, como foi batizado, foi impulsionado pelo consórcio público-privado Impulsa Galicia, controlado pelo governo regional (Xunta) e pelo Abanca, que desafiou a empresa portuguesa a executá-lo na localidade de Palas de Rei (Lugo). Apresentado desde o início como um projeto “sustentável”, em janeiro de 2023 recebeu da comunidade autónoma a classificação de Projeto Industrial Estratégico e foi aclamado por unanimidade no parlamento galego, com todos os partidos seduzidos pela promessa de criação de 500 postos de trabalho diretos e 2.000 indiretos em setores como a logística, serviços industriais ou hotelaria — além dos 4.000 totais que a Altri prevê na fase de construção.
No entanto, os “ventos de Espanha” começaram a soprar em direção contrária a partir da publicação oficial do estudo de impacto ambiental, cujo período de consulta pública ainda está a decorrer, relativo ao complexo industrial com uma chaminé de 75 metros que pretende ocupar uma área de 366 hectares. Na proximidade com o traçado dos Caminhos de Santiago e na fronteira com uma área protegida (Red Natura) e que, contabiliza a recém-formada plataforma Ulloa Viva, vai exigir a captação de até 46 milhões de litros de água por dia, equivalente ao consumo em toda a província, com 350 mil habitantes. Segundo o El Pais, depois da “profunda inquietação” mostrada na primeira reunião, terão sido suspensos os encontros com a população para explicar o projeto.
São reações baseadas em desconhecimento do projeto ou mesmo em argumentos falsos. (…) Todo o complexo industrial está desenhado com níveis de exigência ambiental substancialmente superiores aos exigidos pela legislação em vigor.
Confrontada com estas críticas, a Altri alega ao ECO que “são reações baseadas em desconhecimento do projeto ou mesmo em argumentos falsos”. “O Projeto Gama, promovido pela Greenfiber, uma empresa participada pela Altri e pela holding da empresa galega Greenalia, prevê a construção de raiz de uma unidade industrial de última geração, tanto em termos de inovação como, obviamente, em termos de sustentabilidade. Neste último aspeto, é possivelmente o projeto mais exigente a nível mundial. Todo o complexo industrial está desenhado com níveis de exigência ambiental substancialmente superiores aos exigidos pela legislação em vigor”, garante a empresa.
“Além de prever a utilização de matéria-prima de proximidade, excedentária, a unidade idealizada para Palas de Rei será autossuficiente em termos energéticos, não utilizando qualquer combustível fóssil e valorizando os seus resíduos numa perspetiva de economia circular. No que diz respeito à utilização de água, não só será feita a sua reutilização no processo produtivo, como esta unidade contará com unidades de tratamento para devolução da água ao meio com uma qualidade muito elevada, cumprindo – ou na maioria dos casos excedendo – os parâmetros exigidos por lei”, acrescenta a empresa liderada por José Soares de Pina.
Batalha pelos milhões do PRR espanhol
Do ponto de vista político, o projeto apadrinhado por Alberto Núñez Feijóo antes de rumar a Madrid continua a contar com o apoio total do Partido Popular (PP). A contestação tem sido liderada pelo Bloco Nacionalista Galego (BNG), que classifica o projeto industrial da Altri como uma “bomba ambiental” e critica o executivo regional liderado por Alfonso Rueda por “pretender instalar na Galiza uma fábrica poluente que não querem em Portugal”. Mas também por vários autarcas do Partido Socialista Galego e até por Yolanda Díaz (Sumar), ministra do Trabalho e segunda vice-presidente do Governo, que advertiu recentemente para um projeto “põe em risco o desenvolvimento sustentável” da região.
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O BNG já apresentou no Congresso dos Deputados uma iniciativa para tentar forçar o Executivo liderado por Pedro Sánchez a posicionar-se. Argumentando que esta unidade industrial “incumpre todos os critérios fixados” no PRR de Espanha e é um “projeto fraudulento e pernicioso para o futuro do país”. Em causa está a atribuição de um apoio, por parte do Governo central, à volta de 215 milhões de euros, através dos fundos europeus da bazuca espanhola. A Altri calcula que “deverá rondar os 25% do total” do investimento na fábrica, notando que estão ainda a “decorrer as negociações” com as autoridades do país vizinho.
“O Grupo Altri continua a trabalhar nas várias frentes para a tomada de decisão sobre o Projeto Gama. Atualmente, está a decorrer o período de consulta pública relativo ao estudo de impacto ambiental, ao mesmo tempo que estamos a trabalhar ativamente com as autoridades (tanto autonómicas como com o executivo central) com vista à obtenção dos apoios públicos necessários para a viabilização do projeto”, sublinha a empresa, que em 2023 viu os lucros caírem 72% para 42,8 milhões de euros, arrastados pela descida de preços.
Considerando a complexidade e a magnitude deste investimento, pensamos que a decisão final de investimento deve ser tomada apenas quando todas as condições necessárias estiverem reunidas, considerando a tramitação ambiental e o financiamento, mas dentro da razoabilidade temporal.
E quando perspetiva a decisão final sobre este investimento que chegou a estar previsto para o primeiro semestre de 2023? “Considerando a complexidade e a magnitude deste investimento, pensamos que a decisão final de investimento deve ser tomada apenas quando todas as condições necessárias estiverem reunidas, considerando a tramitação ambiental e o financiamento, mas dentro da razoabilidade temporal”, responde fonte oficial da papeleira, que é controlada pelo núcleo duro de acionistas formado por Paulo Fernandes, João Borges de Oliveira, Ana Mendonça e Domingos Vieira de Matos.
Já questionada sobre se pondera avançar com este projeto noutra localização, atendendo à demora e às dificuldades que tem encontrado neste dossiê, a Altri sublinhou estar “focada” neste que diz ser o primeiro projeto mundial integrado de lyocell e que “pelas suas características é unicamente desenhado para esta localização”. Paralelamente, salienta que continua a “investir significativamente em vários projetos de crescimento e diversificação” nas unidades produtivas que tem em Portugal: a Biotek, a Caima e a Celbi.
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