Num contexto de crescimento fraco em toda a região da Zona Euro, apostar na procura interna e no investimento público pode ser uma solução. Mas Portugal não pode esquecer a consolidação orçamental.
Fergus McCormick, economista-chefe da DBRS para Portugal, falou com o ECO a 6 de outubro, a oito dias de o Governo apresentar a sua proposta para o Orçamento do Estado para 2017. O analista da única agência de notação financeira que não coloca Portugal na categoria de lixo, reconhece que a principal preocupação é com o crescimento. Contudo, frisa que não quer ver falta de compromisso político para com as metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento. A agência revê o rating da República a 21 de outubro.
O que não gostaria de ver no OE/2017 português?Até ao momento, parece que o compromisso com as metas orçamentais se mantém em linha com o previsto. E isto são muito boas notícias. Quanto ao Orçamento que será apresentado a 15 de outubro, esperamos que as autoridades portuguesas mantenham este compromisso forte com as metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Isto é, reduzir o défice orçamental ao longo do tempo. Isto são boas notícias. O que não queremos ver é falta de manutenção do compromisso político para com estes objetivos. É extremamente importante, num ambiente de baixo crescimento, continuar o rumo de ajustamento orçamental.
Esperam medidas de âmbito fiscal?Sim, para reduzir o défice as autoridades estão a usar tanto o ajustamento do lado da receita, como da despesa. O défice no primeiro semestre caiu devido a uma redução de 0,4% da despesa e um aumento de 0,2% nas receitas. Parte disto acontece sem carga fiscal adicional, parte acontece por causa da melhoria nos salários a que estamos a assistir o que, por consequência, conduz a um aumento de receita fiscal. Quanto ao que esperamos no novo Orçamento, é ainda desconhecido.
Espera ver reformas estruturais? Em que setores o Governo deveria apostar mais?Até agora, o comportamento das autoridades, das diferentes administrações, desde a crise do euro tem sido muito meritório. As autoridades portuguesas fizeram uma quantidade significativa de ajustamentos, não só orçamentais — refiro-me a ajustamentos através dos salários e outras correções rápidas — mas também alterações estruturais significativas na economia. Penso que esta é uma das razões pelas quais o défice está mais baixo e a economia estabilizou. Sobre o que esperamos para o futuro, não sabemos, mas provavelmente haverá componentes estruturais no programa para o próximo ano. Mas não sabemos.
Está preocupado que o Governo recue em algumas das reformas estruturais? Por exemplo, que aumente novamente o salário mínimo?A fraqueza está mais do lado da atividade económica, é maior a nível de crescimento do que a nível orçamental.
Francamente, aprecio certamente toda preocupação com as finanças públicas. Manter finanças públicas disciplinadas, no médio prazo, é importante para a estabilização da dívida e também para continuar a construir a confiança dos investidores. Penso que sob estes dois pontos de vista, a questão é muito importante. Mas argumentaria que a fraqueza está mais do lado da atividade económica, é maior a nível de crescimento do que a nível orçamental, a esta altura do campeonato.
O que pode o Governo fazer para promover o crescimento?No OE/2016, o crescimento do PIB previsto é de 1,8%. Contudo, na primeira metade do ano, o PIB cresceu apenas 0,9% — exatamente metade do que foi projetado para o ano completo. Um bom ponto de partida para todos os Orçamentos do Estado é ter objetivos realistas para o crescimento e para o saldo primário, para o rácio da dívida sobre o PIB e outras variáveis. Seria um bom ponto de partida, mas não estou em posição de poder dar qualquer conselho. Parte do problema em Portugal é o crescimento ser um resultado não apenas da procura interna, mas também das exportações. A desaceleração da atividade económica em Angola — também no Brasil, Itália ou França, que estão a ter resultados abaixo das expectativas, e outros países na Zona Euro — faz com que uma taxa de crescimento mais elevada seja, neste momento, menos provável. Contudo, apostar na procura interna e aumentar o investimento público tende a ser bastante eficaz para impulsionar a procura doméstica.
Francamente, o contexto externo e a procura externa estão bastante fracos e a perder força. Sabemos que o comércio mundial está a abrandar, que Angola está a atravessar um forte ajustamento e a intenção do Governo, nesta altura, parece ser promover o investimento. Dito isto, há uma desaceleração significativa da atividade económica, por isso não é justo que nos concentremos apenas em Portugal. Estamos a olhar para a região inteira, estamos preocupados com o fraco crescimento em toda a Zona Euro.
Então, tendo em conta que o problema é regional, é uma boa estratégia para o Governo português apostar na procura doméstica?Um bom ponto partida para todos os Orçamentos do Estado é ter objetivos realistas
Respondo a essa questão em dois patamares. Primeiro, trata-se de saber que medidas podem ser introduzidas no curto prazo para promover a procura interna e o investimento. Segundo, saber que medidas estruturais podem aumentar o PIB potencial ou o crescimento total da economia. No que toca ao primeiro ponto de vista, sabemos que os salários aumentaram muito ligeiramente neste ano, em 0,3%, até ao segundo trimestre de 2016. E o mesmo para a taxa de produtividade, que aumentou 0,3%. Mas os custos unitários totais do trabalho cresceram zero. Houve um aumento muito limitado de custos laborais e isto está a ajudar a promover a competitividade da economia portuguesa.
E o consumo das famílias?Também é muito encorajador que até ao segundo trimestre tenha crescido 7%, enquanto o rendimento disponível aumentou 7,3%, tendo como referência a média dos últimos quatro trimestres. Em termos globais, o consumo parece bastante saudável, mas a produtividade global da economia está a estagnar. A questão é saber o que pode o Governo fazer, em linha com a Comissão Europeia e os seus parceiros europeus, para impulsionar o crescimento da produtividade. É uma questão muito complicada, mas há duas formas simples de o fazer: uma é trabalhar mais tempo, outra é aumentar a dimensão da força de trabalho. Atrair mais imigrantes para Portugal seria uma medida muito inteligente.
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DBRS: “Aumentar o investimento público tende a ser bastante eficaz”
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