“Há uma campanha orquestrada” contra a PGR, diz Lucília Gago
A PGR assume ser da sua "inteira responsabilidade" o parágrafo que levou à demissão de António Costa. E diz que as declarações recentes da ministra da Justiça são "indecifráveis" e "graves".
“Sempre considerei que a discrição é bem melhor do que o espalhafato. Não preciso de popularidade, de estrelato, não tenho o culto da imagem. A minha prioridade é dar o contributo sério e honesto”. As palavras são da titular da investigação criminal que, na sua primeira entrevista desde o início do mandato, em 2018, disse que não se trata de arrogância nem de achar que a Procuradoria-Geral da República (PGR) está acima do escrutínio público.
E justificou, na entrevista à RTP, que não deixou de comunicar, tanto que houve uma duplicação de funcionários da PGR na área da comunicação. Ainda assim admitiu que podia ter dado uma entrevista mais cedo.
Referindo-se ao parágrafo do comunicado relativo à Operação Influencer – que resultou na demissão de António Costa – admite que o parágrafo foi escrito por si e pelo gabinete de imprensa. “Em todas as situações em que os temas são sensíveis, há um acompanhamento muito próximo da minha parte. E esse parágrafo é da minha inteira responsabilidade”, disse Lucília Gago. Sobre a intervenção do Presidente da República no comunicado da PGR, emitido em novembro de 2023, negou qualquer influência de Marcelo Rebelo de Sousa. “Nem uma vírgula”, disse.
"O parágrafo [que levou à demissão de António Costa] é da minha inteira responsabilidade.”
Lucília Gago admitiu que escreveu o polémico parágrafo “por razões de transparência”, por que não achou “bem omitir essa referência”. A avaliação de António Costa foi “pessoal” e “política”, diz, e acrescenta que não cabe ao Ministério Público (MP) fazer essa avaliação. “O MP fez o seu trabalho e não tem mais que se preocupar sobre as consequências” para o próprio e para o país. E sublinhou ainda outros exemplos de políticos europeus a “braços” com a justiça – como a própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen – ou dos familiares próximos – como é o caso da mulher do presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez – e “não se demitem”.
Ninguém disse que o senhor primeiro-ministro, à data, “fosse suspeito de crimes de tráfico de influências e prevaricação”, frisa. O expediente que chegou à PGR foi encaminhado para o Supremo Tribunal de Justiça e foi uma opção do Supremo, mas com a sua “chancela”, disse. E esse inquérito “não significa que haja indícios fortes de crime e que haja uma acusação”.
Mas dizendo ainda que “poderia haver a prática de indícios como se está a apurar, porque ainda está pendente”. A PGR explicou ainda que “não sabe” nem quer “antecipar se vai haver encerramento do inquérito, a breve trecho, nem qual será o resultado final dessa investigação”.
E alerta: “Não tem de haver um cuidado especial” por o suspeito em causa ser o ex-líder do Executivo. “Não se pode ter dois pesos e duas medidas e dar um tratamento especial a certas pessoas”. E explica que não se “considera responsável pela demissão do ex-primeiro-ministro”.
"[As declarações da ministra da Justiça] foram uma mola impulsionadora.”
E esclarece que o estatuto de António Costa “é de testemunha”. Questionada sobre se o processo a Costa pode ser arquivado, responde: Não posso dizer isso”. Diz ainda que, caso este processo não tenha consequências, se recusa a pedir desculpa ao ex-líder socialista. “Não compreendo com toda a sinceridade qual foi a razão de todo o alarido contra a pessoa da PGR e contra a magistratura do MP”. Porque se “deu a entender que existe uma vontade de perseguir políticos e isso é um absurdo”.
Lucília Gago adiantou que não gostaria de comentar as palavras de Marcelo devido ao timing de instauração do inquérito e de buscas e do caso Influencer, que chamou de “maquiavelismo”. Essas frases, disse, “foram ouvidas e causaram perplexidade e surpresa e desconforto. Não só a mim mas a um conjunto de pessoas. Ter de ouvir essas declarações teve um impacto, obviamente”. E admite que não as recebeu com agrado.
Falando de processos mediáticos, considera que faz um acompanhamento com proximidade mas não pode ser totalmente responsável porque são processos complexos, “que não consigo acompanhar com minúcia”.
Quanto à realização de buscas e de fuga de informação em momentos políticos cruciais, a PGR diz que não acredita “que os magistrados escolham datas, no terreno”, antes “pelo contrário”. A líder do MP disse ainda que a imagem da Justiça fica “muito fragilizada”, referindo-se às detenções do caso da Madeira terem estado 15 dias sem medidas de coação. Mas recusando que é o MP que fica mal visto.
Depois da ministra da Justiça ter defendido que era necessário pôr ordem à casa da PGR, Lucília Gago considerou que estas declarações “foram uma mola impulsionadora”. A PGR disse ainda que as palavras de Rita Alarcão Júdice, em entrevista dada ao Observador, eram “indecifráveis” e “graves” e que as ouviu com “incredulidade e perplexidade”.
Acusou ainda a ministra de não lhe ter dito isso na audiência que decorreu entre ambas em março. “Estar a dizer que o MP tem falta de liderança e de falta de capacidade de comunicação. Querendo dizer, nos últimos anos, houve quebra de confiança imputada ao MP e a mim”.
Estas declarações “imputam ao MP a culpa de tudo o que acontece de mau na Justiça”, criticou. “Nunca pensei em demitir-me porque estou perfeitamente consciente de que há uma campanha orquestrada contra mim, na qual também se inscrevem pessoas que tiveram responsabilidades políticas no passado”, referindo-se ao manifesto de 100 individualidades.
No início de julho, Lucília Gago transmitiu ao Parlamento “a disponibilidade para aceitar o convite para a audição que aquela lhe endereçou. Sendo certo que tal audição versará, entre outros temas, sobre o relatório anual de atividades do Ministério Público”. A garantia foi dada depois de o parlamento aprovar o pedido do Bloco de Esquerda (BE) para ouvir a PGR, com abstenção do Chega. O requerimento foi aprovado na primeira comissão por maioria, com os votos a favor do PS, PSD, CDS, IL, PAN e BE. O Livre e PCP não estavam presentes no momento da votação.
No entanto, nessa mesma votação, foi pedido que essa audição de realizasse com caráter “de urgência”, indiciando que a audição se deverá realizar nas próximas semanas, antes da interrupção dos trabalhos parlamentares para férias do verão. O debate do Estado da Nação realiza-se a 17 de julho, o último plenário está marcado para 18 deste mês, o que indica que os trabalhos parlamentares terminem daqui a duas semanas.
"Nunca pensei em demitir-me porque estou perfeitamente consciente de que há uma campanha orquestrada contra mim.”
O que dificilmente irá acontecer, já que “a Procuradora-Geral da República informou que o relatório reportado a 2023 se encontra em fase final de elaboração, devendo estar concluído dentro de escassas semanas. Assim, a Procuradora-Geral da República sugeriu que a audição pudesse ocorrer após tal conclusão”, disse em nota enviada ao ECO. O relatório esse que já deveria estar concluído a 31 de maio.
A 24 de junho, o BE entregou um requerimento para prestar “os esclarecimentos que se revelem necessários”. Na iniciativa, subscrita pelo líder Parlamentar do partido, Fabian Figueiredo, e dirigida à presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os bloquistas lembram que a procuradora-geral da República “termina o seu mandato em outubro deste ano, tendo já manifestado a sua indisponibilidade para continuar no cargo”.
Outra ideia, de acordo com entendimento maioritários dos deputados, é que a audição com Lucília Gago, em princípio, deverá decorrer à porta aberta. Já o requerimento apresentado pela deputada do PAN, Inês de Sousa Real, teve as abstenções do Chega e da Iniciativa Liberal. Inês de Sousa Real falou em sucessivas “violações do segredo de justiça com graves prejuízos para as pessoas envolvidas” e sobre a necessidade de reforço da transparência da ação do Ministério Público.
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