“Árvores bombeiras” também combatem os fogos
Um investigador defende o uso de "árvores bombeiras" para travar a propagação de incêndios. Estão novamente a surgir, mas precisam de mais ajuda e cuidado. Podiam ser opção para Pedrógão Grande.
Há mais de 48 horas que o fogo lavra no distrito de Leira. A rápida propagação das chamas tem sido explicada pela grande acumulação de combustível nas florestas. Mas o problema talvez fosse mitigado se existissem mais “árvores bombeiras” na região. A ideia foi explicada ao ECO pelo investigador Paulo Fernandes, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Entre as principais espécies estão algumas tipicamente portuguesas, como o carvalho, o castanheiro e a bétula.
“Estamos a falar tipos de vegetação que acabam por ser autossuficientes [em termos de prevenção de incêndios]”, começa por dizer Paulo Fernandes. São espécies propícias à formação de “zonas mais húmidas”, podendo servir para travar ou reduzir a intensidade de um incêndio ativo. “Os fogos entram nestas áreas e reduzem imenso a sua intensidade, por vezes para fogos que se apagam quase com os pés. Ou ficam lá a moer durante muito tempo”, conta.
São sobretudo espécies propícias ao desenvolvimento de condições menos favoráveis aos incêndios nos bosques nacionais. “Essencialmente, maior humidade do solo — a chamada manta morta vegetal, que também é tipicamente compacta. E arde com muito mais dificuldade, porque tem menos arejamento”, aponta. “São também espécies que perdem a folha no outono, que se acumula e fica ali uns meses. Decompõe-se rapidamente devido à composição química e, quando chega o verão, essa folhagem toda já está muito alterada, muito compacta e geralmente já não permite que o fogo se propague”, acrescenta Paulo Fernandes.
As “árvores bombeiras” criam “tipicamente” matas mais “densas, com pouca luz, menos vento e mais humidade, menos temperatura e menos vegetação arbustiva e herbácea por baixo das copas”. “Portanto, tudo isto em conjunto permite esses efeitos [de travagem dos incêndios]”, refere o investigador, numa altura em que o fogo que começou em Pedrógão Grande, considerado uma das maiores tragédias da História moderna portuguesa, já fez pelo menos 62 mortes.
Ainda assim, reconhece um “problema destas soluções”. “Dependem das condições locais do solo. São árvores mais exigentes, de humidade e de fertilidade do solo, do que um pinheiro, um eucalipto ou um sobreiro e uma azinheira. Há um pouco essa restrição. Também de clima são zonas de mais altitude, ou de clima mais Atlântico, porque são mais do noroeste do país. Mas também podemos obter efeitos similares com espécies mais mediterrânicas, como o pinheiro ou com a próprio sobreiro e a própria azinheira que, numa certa estrutura podem ter efeitos similares”, explica. Há por isso várias opções.
Arvoredo em crescimento, mas precisa de ajuda
O investigador avança ainda que estas espécies estão a surgir novamente na natureza em Portugal, nomeadamente em certas “zonas de vale” do norte e centro-norte do país. “Com o abandono rural, estamos a assistir a alguma expansão deste tipo de arvoredo que começa exatamente nessas zonas de vale, nas terras, e depois têm tendência para irem alargando. Vão-se expandido a partir dos sítios mais propícios, onde ficaram os resíduos de ocupações do passado mais extensas mas que agora vão recuperando”, refere.
No entanto, é importante ajudar estes arvoredos a expandirem-se ainda mais, explica Paulo Fernandes. “É preciso depois ajudá-los porque depois vêm fogos e voltamos à estaca zero: esse arvoredo volta a ficar confinado ao fundo do vale. Diria que, com intervenções de agricultura não muito forçosas ou muito intensas, poderíamos ir favorecendo e ajudando a expansão deste tipo de floresta e, com o tempo, em vez de termos uma fila de árvores ou meia dúzia de árvores no fundo do vale, iríamos ter ali uma barreira para os dois lados da encosta que pode depois ser importante num incêndio”, remata o investigador da UTAD.
Os fogos entram nestas áreas e reduzem imenso a sua intensidade, por vezes para fogos que se apagam quase com os pés. Ou ficam lá a moer durante muito tempo.
Podia ser solução para Pedrógão Grande
A expansão destes arvoredos, compostos pelas chamadas “árvores bombeiras”, poderia mitigar a rápida propagação do fogo que se iniciou em Pedrógão Grande neste sábado. A zona “não é das melhores”, mas é igualmente propícia, garante Paulo Fernandes.
Sobre o que considera estar mal nas florestas portuguesas, e numa altura em que se volta a falar da sua reestruturação, Paulo Fernandes identifica “vários problemas”. Desde logo, “um problema de continuidade”: A floresta não deve ser tão contínua. Deve haver interrupções, deve haver mosaicos. E quando digo interrupções podem ser simplesmente áreas agrícolas. Não são faixas de dez ou de 100 ou 200 metros. São interrupções com alguma extensão que fragmentem o espaço”, sugere.
E acrescenta: “Outra questão é que dentro da floresta tem de haver uma percentagem razoável de prevenção, de desramação, de desbaste e daquilo que as pessoas chamam de limpeza: tratamento do material acumulado nos estratos inferiores, usando as técnicas disponíveis, desde o fogo controlado, herbicidas, pastoreio. Há uma variedade de técnicas que podem ser utilizadas para assegurar essa combustibilidade mais reduzida das florestas.”
"Têm de se arranjar soluções (…). Uma bastante falada — mas ainda não aplicada — é a da sociedade pagar pelos serviços que os proprietários florestais e rurais prestam, os chamados serviços de ecossistema.”
O último problema é “a questão económica”. “Isto não se faz principalmente por causa da economia rural. Do risco percebido pelas pessoas, por um lado, e por outro da falta de recursos para investir. Têm de se arranjar soluções por esse lado. Uma bastante falada — mas ainda não aplicada — é a da sociedade pagar pelos serviços que os proprietários florestais e rurais prestam, os chamados serviços de ecossistema”, conclui Paulo Fernandes. Porque “exige-se que as pessoas limpem, que cuidem e que ordenem, mas geralmente elas têm é prejuízo se fizerem isso”.
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