Auditoria da IGF: “Não foi encontrada explicação” para ‘apagão’ seletivo das offshores

A IGF diz na auditoria que "não foi encontrada explicação para a singularidade estatística de este 'erro' afetar especialmente algumas instituições". Mão humana é "extremamente improvável".

A IGF fez uma auditoria que ficou em aberto, lançando vários conclusões. Por um lado, afirma que não conseguiu apurar uma explicação informática para o erro, ainda que escreva que tudo aponta para um problema no software. Por outro lado, o relatório da Inspeção-Geral das Finanças diz ser “extremamente improvável” que tenha existido mão humana no ‘apagão’ dos 10 mil milhões de euros denunciado no início deste ano. As conclusões constam de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, enviado esta terça-feira pelo Ministério das Finanças ao ECO, que aborda a auditoria da IFG que incidiu sobre as “anomalias ocorridas no tratamento informático das declarações Modelo 38“.

Para realizar esta auditoria, a IGF contou com a ajuda de peritos do Instituto Superior Técnico, o que terá justificado a demora do relatório previsto para ser entregue no final de março [data depois adiada para 23 de junho]. Esses peritos explicam nas conclusões que as entradas relativas às transferências para offshores entre 2010 e 2013 “terão sido sucessivamente ignorados” e foram apagadas, pelo que não estão disponíveis. Essa indisponibilidade, segundo os técnicos, “torna impossível” um esclarecimento “definitivo da razão para alteração de comportamento do software verificada a partir de 2013”.

Ainda assim, o relatório da Inspeção-Geral das Finanças conclui que “os elementos recolhidos apontam no sentido de as falhas terem sido provocadas por uma alteração da parametrização do software da AT em maio de 2013“, diz o Governo. Ou seja, uma falha informática, justificação que já tinha sido avançada anteriormente. Mais à frente, lê-se que a IGF não conseguiu apurar como é que o problema informático surgiu, que “não foi confirmado se e quem poderá ter alterado aquela parametrização por dolo ou negligência” e que “não foi encontrada explicação para a singularidade estatística de este ‘erro’ afetar especialmente algumas instituições e manifestar-se de forma diversa ao longo de vários períodos temporais”.

Já quanto à possível interferência humana — uma possibilidade avançada pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Fisco, Paulo Ralha –, os peritos do IST consideram “extremamente improvável que a alteração do comportamento da aplicação a partir de 2013 tenha resultado de uma intervenção humana deliberada”. Dado estas várias conclusões, “permanecem assim por esclarecer aspetos relevantes para a descoberta da verdade e para salvaguardar a não repetição de um cenário de não deteção de inconsistências no processamento de dados”, salienta o despacho.

Contudo, a auditoria revela que houve mais falhas para além do problema informático no tratamento das declarações. O documento diz que “não estava ativo qualquer mecanismo de verificação se o número de registos processados era igual ao número de registos de ficheiro original”. Além disso, o relatório aponta que “não estava ativa a geração de qualquer erro no caso de não processamento de registos por preenchimento prévio parcial da mesma declaração”. Ou seja, não havia nem continuam a existir mecanismos que chamem o fisco à atenção para este tipo de erros.

O relatório adianta ainda que os cerca de oito mil milhões de euros das transferências para offshores identificados pela auditoria no período entre 2011 e 2014 têm origem em dois grupos económicos. Com a identificação do erro, a Autoridade Tributária já está a “fiscalizar” as transferências omissas, segundo o relatório, estando a apurar se pode existir casos de branqueamento de capitais, impostos por pagar ou “a necessidade de aplicação de métodos indiretos em relação aos titulares de contas em ‘paraísos fiscais’ não declarados”.

Auditoria deixa questões para AT responder

Apesar de ter feito uma auditoria durante meses a este caso, a Inspeção-Geral das Finanças, entidade liderada por Vítor Braz, acaba por deixar mais questões para a Autoridade Tributária e Aduaneira responder, uma vez que a “a AT não teve ainda oportunidade de se pronunciar face à versão completa do relatório”, lê-se no documento enviado pelo Ministério das Finanças. São seis as questões elencadas, tendo como foco a recuperação das entradas alegadamente apagadas:

  1. A eliminação dos “logs” [entradas] em causa corresponde aos procedimento habitualmente seguido na AT relativamente a dados deste tipo?
  2. Podem os “logs” apagados ainda ser recuperados com recursos a técnicas de análises forense?
  3. Poderia a parametrização do sistema de processamento das declarações Modelo 38 (PowerCenter) ser manualmente alterada sem deixar registo? Em que circunstâncias?
  4. Poderia a alteração tecnológica efetuada em maio de 2013 produzir, sem intervenção humana direta, uma alteração da parametrização do sistema de processamento das declarações Modelo 38 (PowerCenter)? Poderia tal acontecer sem deixar um registo dessa alteração?
  5. A ausência de mecanismos de controlo no processamento das declarações Modelo 38 dever-se a uma deficiente formulação dos cadernos de encargos pela AT ou a uma deficiente implementação por parte da empresa contratada? Na segunda hipótese, podem ser civilmente responsabilizadas as empresas contratadas?
  6. Considerando que a tecnologia PowerCenter foi abandonada, segundo o IST, devido à dificuldade de processamento de alguns caracteres, poderá esse facto ter sido aproveitado através da marcação de transferências específicas com determinados caracteres?

Além de deixar estas questões ainda por apurar, a Inspeção-Geral das Finanças apresenta recomendações à AT para aperfeiçoar o controlo do tratamento informático do Modelo 38, mas em geral do fisco. E também para “averiguar as responsabilidades que existam, perante a AT, por parte dos prestadores de serviços”. Contudo, essa proposta não consta do relatório enviado pelo Ministério das Finanças ao ECO.

Ainda assim, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, que assina o despacho, determina que a Autoridade Tributária se pronuncie face a estas questões, “no sentido de apurar a existência de responsabilidade dos serviços e/ou das empresas informáticas contratadas”. Para que isso aconteça, o secretário de Estado autoriza o fisco, “se adequado”, a “proceder à aquisição dos serviços externos que se revelem necessários, designadamente de perícias informáticas das ferramentas de recuperação de dados e da engenharia de procedimentos”. Rocha Andrade deixa quatro tarefas à AT:

  • A avaliação das recomendações formuladas no presente relatório de auditoria;
  • O esclarecimento das questões referidas;
  • O estudo de alterações adicionais aos procedimentos que assegurem a não repetição de problemas do mesmo teor;
  • A realização de uma auditoria à receção, processamento, tratamento, análise e utilização para efeitos tributários da declaração Modelo 4 (a última declaração a ter deixado de utilizar a tecnologia PowerCenter);

(Notícia atualizada às 21h45 com mais informação sobre a auditoria)

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