O que significa o fim do acordo de capital do Novobanco?
Fim antecipado do mecanismo de capital contingente abre caminho aos dividendos e à venda do Novobanco no próximo ano. Mas percurso até aqui envolveu muitos milhões de euros e polémicas.
O fim antecipado do chamado acordo de capital contingente (CCA, na sigla em inglês) fecha um capítulo de trauma coletivo no Novobanco e abre uma nova fase de grande expectativa relacionada com venda do banco que até hoje (e desde a resolução do BES há dez anos) já consumiu mais de oito mil milhões dos cofres públicos. Mas como chegámos até aqui?
Estávamos em outubro de 2017 quando (na 25.ª hora) o Governo de António Costa, o Banco de Portugal (liderado por Carlos Costa) e o Fundo de Resolução fecharam a venda do Novobanco aos americanos da Lone Star, que investiram mil milhões de euros no banco a troco de uma participação de 75%.
Mas para ficar com o Novobanco o fundo americano exigiu uma garantia pública para os prejuízos que o banco viesse a ter com o pesado legado problemático herdado de Ricardo Salgado. Tal proteção ficou assegurada com a criação do mecanismo de capital contingente, através do qual o Fundo de Resolução injetaria dinheiro no banco sempre que as perdas com um conjunto de ativos tóxicos pressionassem os rácios para níveis abaixo dos 12%.
Com um plafond de 3,89 mil milhões de euros, foi este mecanismo que garantiu a sobrevivência do Novobanco, mas cedo se percebeu que ia comportar muitos, muitos custos, incluindo políticos.
Na altura da venda, António Costa assegurou: “Os contribuintes não pagarão nem direta, nem indiretamente. Necessidades eventuais têm de ser asseguradas pelo Fundo de Resolução e o Fundo de Resolução tem as suas dotações asseguradas pelos bancos”. Foi mesmo assim?
Quase levou à demissão de Centeno
Até hoje, o Fundo de Resolução teve de injetar mais de 3,4 mil milhões de euros no Novobanco por conta desta espécie de garantia pública (em vigor até fim do próximo ano) cujo funcionamento nunca foi de fácil perceção ao público. Quem financiou o mecanismo: os contribuintes ou os bancos? Que perdas ficaram cobertas? O banco tentou otimizar as chamadas de capital? E quem fez o controlo de tudo isso?
Na verdade o fundo vive com as contribuições dos bancos, mas teve de pedir empréstimos ao erário público para poder financiar as resoluções do BES (2014) e do Banif (2015) e o Novobanco (2017-2021).
FdR injetou 3,4 mil milhões através do mecanismo
Fonte: Novobanco
Também por isso cada pedido de compensação feito pelo banco ao longo dos anos foi-se tornando cada vez mais difícil de gerir politicamente. Do lado Governo havia sobretudo um rosto neste processo: o então ministro das Finanças Mário Centeno.
O CCA chegou a abrir uma mini-crise no Governo em 2020: Mário Centeno autorizou um empréstimo de 850 milhões de euros para o Fundo de Resolução injetar no banco, quando António Costa tinha prometido no Parlamento, a Catarina Martins, líder do Bloco e parceira da geringonça, que só iria transferir mais dinheiro após serem conhecidos os resultados de uma auditoria solicitada à Deloitte. O problema foi superado com o então ministro, atual governador do Banco de Portugal, a assumir uma “falha de comunicação” perante o primeiro-ministro e o país.
No final desse ano, Parlamento haveria colocar o Governo sob alta pressão, depois de ter chumbado novas injeções sem a autorização dos deputados. A situação acabaria por ser ultrapassada, mas a desconfiança em relação ao banco manteve-se.
Sobretudo em relação aos vários negócios de vendas de carteiras de crédito malparado e de imóveis com elevados descontos e a investidores cuja origem não estava totalmente identificada. Muitas destas operações estiveram na origem dos prejuízos milionários do banco e das injeções de capital. E deram lugar a dezenas e dezenas de auditorias ao banco e à comissão de inquérito que, em 2021, pôs os deputados a investigar as perdas imputadas ao Fundo de Resolução e deixou o país incrédulo com algumas das revelações dos principais intervenientes, incluindo os grandes devedores.
O que acontecerá a seguir?
Com o fim antecipado do CCA – que está agora nas mãos do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, como avançou o ECO em primeira mão esta quinta-feira — fecha-se assim um capítulo doloroso e traumático não só para o Novobanco, mas também para o país.
Por um lado, é o corolário de um processo que, no final do dia, acabou por ser bem-sucedido. Apesar das dúvidas (e dos milhões gastos), evitou-se o colapso de um dos maiores bancos do sistema, que se encontra agora em posição para apoiar a economia (famílias e empresas) sem depender de ajuda externa.
Por outro, significa o fechar da torneira do Fundo de Resolução, que jorrou milhões e milhões para assegurar a estabilidade financeira. O fundo liderado por Máximo dos Santos não fará mais nenhuma injeção, mas ainda tem pendente o pagamento de uma compensação ao banco por conta das disputas que perdeu recentemente no tribunal arbitral e cuja fatura ascende a mais de 180 milhões de euros. Adicionalmente, uma outra disputa no valor de 200 milhões (relativo ao pagamento não efetuado em 2021, relacionado com o agravamento do IMI para imóveis detidos por sociedades localizadas em offshore) e que ainda tramita no tribunal arbitral cairá por terra com o fim do acordo.
Mas há um outro fator (e talvez o mais importante de todos) que levou as duas partes a terminarem o CCA: os dividendos que vão abrir caminho para a venda do Novobanco.
A caminho do quarto ano positivo
Fonte: Banco; Resultados de 2024 relativos ao primeiro semestre
Desde 2021 o banco acumula resultados positivos de quase dois mil milhões de euros, mas sem poder distribuí-los pelos acionistas por conta do CCA – os outros 25% estão na posse do Fundo de Resolução (13,04%) e Direção-Geral do Tesouro e Finanças (11,96%). Está por isso numa posição de capital robusta ao ponto de poder pagar dividendos no dia a seguir ao fim do acordo sem colocar em perigo os rácios.
Quando isso acontecer, o banco estará finalmente pronto para dar o passo seguinte: a venda. O CEO Mark Bourke está a trabalhar com vista a uma operação em bolsa (IPO), que poderá acontecer já no próximo ano. Mas não é certo que isso acontecerá se o apetite de outro banco for maior.
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