A receita para o pitch perfeito: picar o medo, refogar os nãos, polvilhar com uma pitada de fé. Empratar com entusiasmo
Perder o medo, conhecer a ideia, acreditar nela, saber ouvir não, encontrar o investidor certo e dominar a arte da adaptação. São alguns dos pontos essenciais para se chegar ao pitch perfeito.
104. É esse o número de empresas que, só este ano, foram criadas a cada dia em Portugal. Quando o limite das ideias é o céu mas o do dinheiro é o chão, como é que se convence um investidor que tem à sua escolha centenas de startups que oferecem, todas elas, produtos ou serviços inovadores e disruptivos?
Foi isso que o ECO procurou saber junto de quem já fez isso — e bem. Uniplaces, Science4You, Hole19, Sword, eSolidar. Juntas, estas empresas já angariaram, desde que nasceram, mais de 37 milhões de euros. Quem lutou para conseguir esse dinheiro deixa os seus conselhos para um pitch perfeito, que garanta financiamento.
Perder o medo
“A sensação de desconforto quando se está a apresentar uma ideia de negócio a um investidor, pela primeira vez, pode ser desconcertante”, admite Miguel Santo Amaro, fundador da Uniplaces. “Mas vale tanto a pena quando conseguimos abstrair-nos do receio de cair no ridículo perante quem tem o poder de decidir se o nosso projeto anda para a frente ou fica só no papel”.
Se fosse Cristiano Ronaldo a aconselhar, diria que fazer pitches é como o ketchup. “Após o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto pitch, vamos ganhando a confiança necessária para deixar para trás todo e qualquer receio”. Miguel Santo Amaro sabe do que fala. No final do ano passado, a Uniplaces fechou uma ronda de financiamento no valor de 22 milhões de euros, tornando-se na startup portuguesa com a maior operação de Séries A (para empresas em fase de financiamento inicial). Um ano antes, tinha angariado 3,5 milhões de dólares.
Conhecer a ideia. E acreditar nela
Não há pitch que vença se o conceito do produto não for sabido de uma ponta à outra de olhos fechados. É uma garantia de todos os empreendedores com quem o ECO falou.
Um bom pitch requer a apresentação no mínimo tempo possível, utilizando o máximo de informação relevante.
Miguel Pina Martins, fundador da Science4You, resume: “Um bom pitch requer a apresentação de uma ideia no mínimo tempo possível, utilizando o máximo de informação relevante“. Anthony Douglas, da Hole19, reforça: “Quando apresento o projeto da Hole19 a possíveis investidores, o primeiro passo que dou é explicar-lhes quanto vale este nicho que é o golfe e como é que o negócio pode ser escalável para a indústria do turismo e a nível mundial”.
Conhecer a ideia passa por alguns pontos essenciais:
- Quem é a equipa, em que mercado se insere e qual é a ideia? “Casos como a Slack, o Twitter ou a Rovio são excelentes exemplos de como uma equipa forte pode repetir várias ideais e aprender com os erros até acertar no produto e no markefit“, lembra Marco Barbosa, da eSolidar.
- Como é que o produto ou serviço pode tornar-se num negócio escalável, rentável e com potencial de crescimento a médio prazo?
- É internacionalizável?
- Há números a comprovar o que está a ser apresentado? Qual é o volume de negócios? Quantos clientes tem o produto ou serviço? Em que mercados está já presente? Se a empresa ainda está numa fase inicial e não tem receitas, “a visão para a empresa (ou seja, não como começou nem como está, mas para onde vai) e a personalidade e entusiasmo dos fundadores tornam-se fundamentais”, salienta Marco Barbosa.
- Há concorrentes? Quem são?
- Que objetivos já foram cumpridos até à data do pitch?
- E quais são os próximos?
Um empreendedor ganha pontos se mostrar que tem maturidade, conhecimento de causa e paixão por aquilo que está a edificar.
Tão ou mais importante do que conhecer a ideia, é acreditar-se nela, “na capacidade que tem de resolver um problema que já foi nosso, e que agora pode melhorar a vida de todos nós ou de um determinado grupo”, sublinha Miguel Santo Amaro. “Um empreendedor ganha certamente pontos aos olhos de um investidor se mostrar que tem maturidade, conhecimento de causa e paixão por aquilo que está a edificar”.
Mas não exagerar. No fundo, é preciso “evitar ser demasiado otimista ou tentar vender uma imagem demasiado floreada do nosso negócio, que não corresponda à realidade”, avisa Miguel Pina Martins. Até porque, como diz Virgílio Bento, da Sword Health, “uma narrativa convincente está sempre dependente do valor que a startup conseguiu criar até esse momento”.
Saber ouvir não
Um não desmotiva. Mas faz parte do processo. “Não desistir ao primeiro não” é condição essencial para conseguir investimento, tal como “saber melhorar, saber crescer com os erros, com os conselhos e com as críticas de quem nos está a ouvir”, enumera Miguel Santo Amaro.
Tem de se falar com muitas pessoas, ouvir muitos nãos, não ter vergonha, não desistir.
E uma coisa é certa: “Para se encontrar o investidor certo, tem de se falar com muitas pessoas, ouvir muitos nãos, não ter vergonha, não desistir”, garante Anthony Douglas. No fim, quando alguém acreditar também na ideia e der uma oportunidade, “o resto desenrolar-se-á naturalmente”, até porque “o ecossistema de empreendedorismo está muito mais recetivo a novos conceitos de negócio que tenham potencial de crescimento.
O investidor certo. Não é só encontrar; é preciso segurar
Miguel Pina Martins conheceu John Harper, na altura presidente executivo da Hasbro Europe, pelo LinkedIn. Contactou-o através desta rede social e, assim que recebeu uma resposta, marcou viagem para Londres para o dia seguinte, para se apresentar pessoalmente e explicar o projeto da Science4You. A estratégia impressionou e, hoje, Harper já não é presidente da Hasbro, é chairman da Science4You.
Devemos obter uma introdução aos investidores. Quanto mais forte for essa introdução, melhores são as hipóteses para uma apresentação bem sucedida.
“Acredito muito que a era digital tenha vindo para ficar e, hoje, o LinkedIn é uma ferramenta essencial para estabelecer contactos com vários profissionais e investidores”, sublinha o fundador da marca de jogos e brinquedos educativos. Já Virgílio Bento sublinha a importância da referência. “Devemos sempre conseguir obter uma introdução aos investidores. Quanto mais forte for essa introdução, melhores são as nossas hipóteses para uma apresentação bem sucedida do nosso projeto”, diz, lembrando que os emails não solicitados a investidores têm uma taxa de sucesso muito baixa. “São como os milagres: acontecem, mas são raros”.
O investidor certo não é só o que quer investir no projeto; é também aquele traz “valor adicional, para além do financeiro, e know how que permita à empresa crescer com a experiência de parceiros externos”, acredita Miguel Pina Martins. Quando se encontra, é preciso segurá-lo. “Manter um contacto regular com os investidores mesmo que declinem o investimento numa primeira fase” e “ser presença assídua nos principais eventos da área” são duas das dicas que Miguel Pina Martins deixa.
O poder da adaptação
Nada vai correr como espera. E, por isso, há que estar aberto a alterar e adaptar o produto ou ideia que está a vender. “Muitas vezes, o conceito inicial de uma ideia de negócio sofre transformações abruptas”, também graças “aos pitches que vamos fazendo e aos inputs que recebemos por parte dos investidores e de pessoas com experiência e conhecimento do mercado onde atuamos”, reconhece Anthony Douglas.
“O que a nossa startup era, no seu conceito inicial, é algo totalmente diferente daquilo que representamos hoje para a indústria do golfe e do turismo. Pitch a pitch, investidor a investidor, vamos crescendo e melhorando a nossa estrutura”.
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