"Não vejo que exista politização [do mandato da Aicep], desde logo porque não faço parte de partido algum", diz Ricardo Arroja em resposta ao anterior presidente da Aicep, Filipe Santos Costa.
“Não há situações de imputação criminal nos nossos serviços”, garante o presidente da Aicep quando questionado sobre a Operação Maestro que investiga um alegado esquema fraudulento de obtenção, desde 2015, de quase 39 milhões de euros para 14 projetos cofinanciados por fundos europeus e que tem Manuel Serrão e Júlio Magalhães como principais arguidos.
O Ministério da Coesão pediu uma ação de controlo à Agência para o Desenvolvimento & Coesão (AD&C) que identificou situações de “apropriação indevida” de fundos europeus nos projetos investigados no âmbito da Operação Maestro. O Compete, o IAPMEI e a Aicep foram as entidades alvo deste inquérito interno, mas só ao nível desta última agência foram detetadas insuficiências de gestão que vão obrigar à devolução de 30 milhões de euros de fundos europeus já pagos.
O Ministério da Economia pediu à Aicep para preparar um plano de ação que “já foi comunicado à tutela”, diz Ricardo Arroja, em entrevista ao ECO. Além disso, foi criado um grupo de grupo de trabalho cujo objetivo foi “criar um conjunto de melhores práticas, ou seja, não apenas aquilo que já existia, e que tem existido nos últimos anos, melhorando, obviamente, mas procurando ir além, introduzindo maior exigência nos processos, nomeadamente de verificação dos incentivos e auditorias diversas”, acrescentou.
Ricardo Arroja reconhece que “há erros que resultam, em larga medida, de utilização incorreta de ferramentas. Frequentemente não há, ou não havia, ferramentas disponibilizadas pelas próprias autoridades de gestão. Há aqui um conjunto de situações que favorecem o erro. Há um conjunto de situações de interpretação dos chamados efeitos incentivo. Havia, em alguns casos, também amostras que eram utilizadas e que podiam ter sido melhor utilizadas” enumera o responsável. E deixa um recado para o futuro: “É preciso que os concursos que saem ao público venham dotados de todas as ferramentas para análise das respetivas candidaturas. E isso, infelizmente, nem sempre acontece. É importante que os políticos também tenham noção disto, nomeadamente não só a nossa tutela direta, mas também a tutela que tem a seu cargo a AD&C“.
Mas no campo político, Arroja recusa fazer leituras sobre a sua nomeação. Em resposta ao anterior presidente da Aicep, Filipe Santos Costa, que lamentou o facto de, pela primeira vez, ter havido uma politização do mandato da Aicep, disse: “Sendo independente, por inerência, não sinto que seja um veículo de politização”. “Não vejo que exista politização, desde logo porque não faço parte de partido algum”, acrescentou.
Na Operação Maestro cujo principal suspeito é Manuel Serrão, no apurar de responsabilidades a Aicep parece ser a única entidade à qual foi apontado o dedo. Foi-lhe pedido que fosse criado um plano de ação para implementar as recomendações que a AD&C tinha feito. Em que pé está esse plano de ação e o grupo de trabalho que foi criado, o que é que já produziu?
Já produziu resultados no relatório final e já foi comunicado à tutela. Já produziu um conjunto de recomendações devidamente calendarizadas, nas medidas que ainda não tivessem sido implementadas. Basicamente, o objetivo deste grupo de trabalho foi criar um conjunto de melhores práticas, ou seja, não apenas aquilo que já existia, e que tem existido nos últimos anos, melhorando, obviamente, mas procurando ir além, introduzindo maior exigência nos processos, nomeadamente de verificação dos incentivos e auditorias diversas. Aquilo que posso dizer é que este foi o primeiro tema que nos chegou à secretária. Iniciámos funções no dia 6 de junho e no dia 11 de junho estava a receber a versão preliminar da auditoria realizada pela AD&C. Tivemos ali um curto espaço de tempo a produzir comentários. Depois começando desde logo, em meados de junho, iniciámos um processo de reflexão interna que passou pela realização de um documento conceptual do que deverá ser ou deveria ser, a verificação de incentivos numa organização como a Aicep — um documento aspiracional. Depois fizemos a avaliação específica das críticas que nos eram apontadas e procurámos envolver um assessor do conselho de administração que pudesse também observar o relatório, o contraditório com algum distanciamento das respetivas direções funcionais envolvidas, para podermos fazer uma avaliação o mais neutra e o mais objetiva possível. A partir daí, constituímos um grupo de trabalho envolvendo várias direções funcionais para que, de forma transversal, pudéssemos sanar as questões que estavam em necessidade de ser melhoradas e ir ao encontro das recomendações da AD&C e, ao fim e ao cabo, também ter o tal plano de implementação de melhores práticas que reforce a nossa atuação e que nos permita olhar para o futuro com otimismo e com a convicção de que determinados erros que nos foram imputados não sejam reeditados.
Não houve consequências? Os erros saem impunes?
Há erros que resultam, em larga medida, de utilização incorreta de ferramentas. Frequentemente não há, ou não havia, ferramentas disponibilizadas pelas próprias autoridades de gestão. Há aqui um conjunto de situações que favorecem o erro. Aquilo que lhe posso dizer é que, até o momento, do que me chegou, não há situações de imputação criminal nos nossos serviços. O que há é um conjunto de situações de interpretação dos chamados efeitos incentivo que ao longo dos anos têm vindo a sofrer várias alterações e que, naturalmente, têm de ser balizados e devidamente circunscritos. Havia, em alguns casos, também amostras que eram utilizadas e que podiam ter sido melhor utilizadas, mas aí também um trabalho de articulação entre o organismo intermédio, a Aicep, e as respetivas autoridades de gestão. Enfim, há um conjunto de recomendações que devem ser percecionadas internamente, mas que também devem ser discutidas com as outras entidades. Porque, como disse em muitos casos — e agora no PT2030, temos situações desse género — é preciso que os concursos que saem ao público venham dotados de todas as ferramentas para análise das respetivas candidaturas. E isso, infelizmente, nem sempre acontece. E é importante que os políticos também tenham noção disto, nomeadamente não só a nossa tutela direta, mas também a tutela que tem a seu cargo a AD&C.
É preciso que os concursos que saem ao público venham dotados de todas as ferramentas para análise das respetivas candidaturas. E isso, infelizmente, nem sempre acontece. E é importante que os políticos também tenham noção disto.
Nesta alegada fraude em particular, não estamos a falar de um concurso, nem dois, nem três. Estamos a falar de dez anos de uma fraude consecutiva onde os holofotes recaíram sempre sobre a Aicep. Houve mesmo uma funcionária da agência que chamou a atenção para coisas que pareciam não estar a bater certo. Por isso insisto, não há consequências a retirar disto?
Houve alterações nas direções que estamos aqui a discutir, há como disse uma apreciação ao relatório que foi realizado, foi partilhado com a tutela e, agora devemos aguardar serenamente pela avaliação que a própria tutela fará da nossa avaliação. Aquilo que posso dizer, do ponto de vista da Aicep, que é o organismo intermédio que faz, na prática, a avaliação, a análise e a seleção dos projetos, é que há neste momento, a perceção e a implementação de um conjunto de melhores práticas. Foi feita uma avaliação interna pelos serviços. Foi reforçado esse processo com o tal conjunto de ações devidamente calendarizadas para reforçar a nossa capacidade institucional a esse nível.
Disse que “não há situações de imputação criminal na Aicep”. O Ministério Público tem o mesmo entendimento?
São coisas diferentes. Estou a falar do que me foi comunicado até ao momento. Não há suspeitas formais sobre os elementos da Aicep. Ao que julgo saber, não existe. Agora as autoridades de investigação farão obviamente o seu trabalho.
É reconhecido pelo ministro da Economia que a sua nomeação não teve que ver com a incompetência da anterior administração, mas sim com a vontade de nomear uma pessoa da confiança dele. Sente-se confortável com esta mudança sendo uma pessoa que valoriza o mérito?
Não posso responder pelo passado de outras pessoas. Respeito os meus antecessores, a Aicep, ao longo dos últimos anos, com algumas limitações evidentes na forma como tem sido dotado de meios em muitas situações, tem vindo a fazer um trabalho que me parece muito meritório para a economia portuguesa, o crescimento das exportações em percentagem do PIB e a própria capacidade de atração de IDE são resultado da sua ação. Aquilo que posso avaliar é a motivação que trago para a mesa, nomeadamente no mandato que me foi atribuído. E aí, para mim é muito claro que a Aicep têm um papel fundamental na promoção de novos setores. A nossa ação tem que ser muito objetiva. Devemos fazer uma pesca à linha utilizando uma expressão popular em vez de uma pesca de arrasto. Temos que ser muito focados na abordagem dos mercados que trabalhamos…
O anterior presidente, Filipe Santos Costa, em entrevista ao Expresso, lamentou o facto de, pela primeira vez, ter havido uma politização do mandato da Aicep. Sente-se confortável por ser a personificação dessa politização?
Não vejo que exista politização, desde logo porque não faço parte de partido algum.
Por isso pergunto se se sente confortável pelo facto de ser essa personificação?
Sendo independente, por inerência, não sinto que seja um veículo de politização. Agora, cada qual é livre de fazer o seu julgamento. Não me cabe a mim criticar ou apreciar criticamente as opiniões de quem acha diferente.
Se houver uma mudança de Governo antes de o seu mandato terminar, também será remodelado?
A minha perspetiva é fazer o mandato: são três anos para os quais fui nomeado. Procurarei fazer o melhor possível, dentro daquelas que são as minhas convicções. Há muitos anos que escrevo e que participo no debate público, as minhas opiniões são amplamente conhecidas em todos os domínios, no que diz respeito à política económica e, desse ponto de vista, não me sinto preocupado. Aliás, sinto-me até bastante livre porque vim para este cargo com a perspetiva de fazer os três anos. Mas se entenderem que os resultados não estão à medida daquilo que é pretendido, naturalmente o meu lugar está sempre à disposição. Aquilo que sei é que o meu objetivo será orientar-me por objetivos muito claros, desde logo na forma como executo o meu mandato, procurando ter métricas muito palpáveis e muito tangíveis que permitam essa avaliação. E depois, obviamente, quem estiver a avaliar tomará as decisões que entender.
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“Não há situações de imputação criminal” na Aicep no caso Serrão
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