As contestações do BE e PCP ao relatório da comissão da CGD
Partidos já apresentaram propostas de alteração ao relatório da comissão de inquérito à CGD. Falam em nomeações partidárias, pressões políticas, erros de gestão e favores a grandes grupos económicos.
O relatório da primeira comissão parlamentar de inquérito (CPI) à Caixa Geral de Depósitos (CGD) será discutido e votado no dia 18 de julho, no Parlamento, mas a versão preliminar já tem sido alvo de forte contestação. Da autoria do deputado socialista Carlos Pereira, o relatório não aponta para a existência de pressões da parte dos vários governos sobre a administração do banco público e quase não faz referência a eventuais erros de gestão que tenham levado às necessidades de recapitalização do banco público. Bloco de Esquerda e PCP retiraram conclusões bem diferentes da comissão parlamentar que analisou a gestão que foi feita no banco público desde 2000. Nas propostas de alteração a este relatório, os dois partidos que suportam a maioria parlamentar falam em nomeações partidárias, pressões do acionista Estado, erros de gestão no passado e favorecimento de grandes grupos económicos.
As pressões do acionista Estado
Ao longo do relatório, ainda preliminar, Carlos Pereira destaca, por várias vezes, a inexistência de factos que permitam concluir que houve pressões políticas para a concessão de créditos por parte do banco público. “Não existe qualquer indício sobre eventuais pressões praticadas por membros do Governo”; “não há factos que demonstrem a concessão de crédito por pressão ou por favor”; “a política de concessão de crédito, alegadamente, não registou pressões da tutela”; “não se detetou nenhum indício factual que tivesse existido pressão do acionista junto da CGD para aprovação de operações de crédito”; “as pressões para a aprovação de crédito de favor foram liminarmente afastadas por todos os responsáveis da empresa que marcaram presença na CPI” — a ideia é repetida exaustivamente ao longo do relatório.
Quanto muito, conclui o deputado com os depoimentos que foram prestados na comissão, houve “erros de análise de projeto e de previsão“, ou mesmo uma “inesperada dimensão da crise económica e financeira que teve início com o subprime em 2008″.
Moisés Ferreira, o deputado do Bloco de Esquerda que participa nesta comissão, refuta esta ideia. “Não obstante os ex-detentores da pasta das Finanças dos vários governos refutarem a ideia de intervenção política em operações concretas da CGD, é possível verificar que (…) ocorreram, ao longo do tempo, situações de intervenção e de pressão em vários assuntos, assim como o alinhamento entre o que eram as políticas económicas de cada governo e as políticas da própria CGD“, escreve nas propostas de alteração ao relatório. “Fica claro que a política de crédito era um tema e uma preocupação recorrente nas relações entre as administrações da CGD e o acionista Estado (…). Estas orientações estratégicas sobre a política de concessão de crédito seguida pela Caixa tinham em linha de conta aquilo que eram as próprias orientações políticas de cada Governo”, acrescenta.
Ocorreram, ao longo do tempo, situações de intervenção e de pressão em vários assuntos, assim como o alinhamento entre o que eram as políticas económicas de cada governo e as políticas da própria CGD.
O deputado bloquista dá como exemplo as declarações de Fernando Faria de Oliveira, antigo presidente da CGD e atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), que falou em “sensibilização” para determinados projetos. Por outro lado, “em alguns casos” chegam mesmo a tomar-se “decisões sobre a Caixa sem que esta seja consultada ou tomam-se decisões que merecem discordância por parte da administração do banco público”. No entender de Moisés Ferreira, “foram decisões centrais que levaram à alienação” de participações detidas pela CGD e do seu setor segurador (a Caixa Seguros foi vendida, em 2014, ao grupo chinês Fosun), e foram também decisões do Governo que, aquando do plano de recapitalização de 2012, “levaram a graves constrangimentos comportamentais e à venda de ativos” do banco público. “Estas decisões foram tomadas no plano político e impostas à Caixa pelo Governo”, escreve.
Relativamente à concessão de crédito, o deputado admite que “não foi possível retirar qualquer conclusão efetiva sobre uma eventual fragilidade no processo de concessão de crédito, sendo que foi refutada pelos inquiridos qualquer ingerência dos governos nas opções de crédito de então”. Contudo, levanta dúvidas sobre vários episódios, com destaque para a participação da CGD no BCP (que chegou a ser de 20%) e a concessão de empréstimos para a aquisição de ações do BCP, bem como a exposição da Caixa aos projetos de Vale do Lobo e La Seda.
É lícito questionar se a Caixa teria este deferimento com todos os projetos ou se teve com este em particular por causa das pessoas que nele estavam envolvidas.
“Não se pode ignorar a coincidência que se registou entre a concessão de crédito a determinadas pessoas para adquirir ações do BCP e o facto de essas mesmas pessoas terem depois apoiado uma lista encabeçada por Carlos Santos Ferreira (onde figurava também Armando Vara) para liderar o mesmo BCP (…). No caso de Vale do Lobo, pessoas como Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa, Luís Horta e Costa, Pedro Neto e Hélder Bataglia conseguiram convencer a Caixa a apoiar o projeto com 157 milhões de euros, enquanto os promotores entrariam com apenas 10 milhões. É lícito questionar se a Caixa teria este deferimento com todos os projetos ou se teve com este em particular por causa das pessoas que nele estavam envolvidas”, conclui.
As nomeações partidárias
Uma das poucas referências concretas que o relatório preliminar faz a possíveis pressões partidárias para a nomeação de administradores da Caixa diz respeito às declarações de Luís Campos e Cunha, antigo ministro das Finanças, que admitiu que, em 2005, o então primeiro-ministro José Sócrates o pressionou para demitir a administração do banco público. Contudo, conclui Carlos Pereira, “não foi demonstrada a acusação do ex-ministro Luís Campos e Cunha de pressões para mudar a administração CGD”.
Sobre este assunto, o Bloco de Esquerda regista a “dúvida que fica” sobre a demissão da administração liderada por Vítor Martins e posterior nomeação de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara para a administração da CGD.
“Há que referir que Vítor Martins diz que existiam rumores sobre a intenção do governo de alterar a administração da CGD”, aponta Moisés Ferreira, recordando as declarações deste antigo presidente do banco público: “[Luís Campos e Cunha disse-me] que a carta que tinha entregue com o pedido de demissão tinha expressamente, como um dos aspetos em que ele crítico, a referência às pressões que teria recebido para substituir a administração da Caixa“, disse Vítor Martins, durante a sua audição.
Os erros de gestão
“É redutor usar o argumento que a situação dos bancos resulta de erros de gestão, quando a evidência empírica (através da análise de rácios de incumprimento registados entre 2007 e 2011) demonstra que o que mudou antes e depois da crise não foram os critérios e as práticas usadas, mas o impacto progressivo da deterioração económica”. A declaração foi feita por Faria de Oliveira e é também a única vez que a expressão “erros de gestão” é utilizada no relatório preliminar. Para o deputado socialista que o redigiu, as várias audições desta comissão levaram à conclusão de que o contexto macroeconómico é o principal motivo das necessidades de recapitalização observadas na CGD.
Já para os deputados do Bloco e do PCP, a gestão feita ao longo destes anos é o ponto-chave. “A crise do subprime teve, como é óbvio, impactos na banca portuguesa e na Caixa Geral de Depósitos, em particular (…). Não podemos afirmar, no entanto, que qualquer evolução negativa dos indicadores operacionais da Caixa Geral de Depósitos se deveu unicamente ao efeito da crise gerada a partir do chamado subprime”, escreve Moisés Ferreira.
O deputado bloquista conclui, assim, que “ainda que a subcapitalização de 2012, o recurso a Coco’s que reduziram a margem financeira da Caixa, a crise económica, a baixa das taxas e as novas exigências regulatórias tenham impacto na Caixa, levando-a a novas necessidades de capital, não se pode excluir que o aumento de imparidades, de crédito em incumprimento e de prejuízos com participações financeiras não estejam a refletir também erros de gestão e comportamentos menos prudentes no passado“.
A orientação clara para a desalavancagem da Caixa e para a alienação de participações e atividades não nucleares constituiu-se como manifesta ingerência no funcionamento do banco público.
O deputado comunista Miguel Tiago, por seu lado, critica a gestão semelhante à das instituições privadas que foi feita no banco público. “Uma das grandes conclusões desta comissão de inquérito é a necessidade de rotura com as orientações que os sucessivos governos atribuíram à gestão da CGD, em tudo semelhante à dos bancos privados, com diversos negócios que serviram os interesses de grupos económicos”, escreve nas suas propostas de alteração ao relatório.
Por outro lado, conclui, “torna-se evidente e relevante a intromissão das instituições europeias, com destaque para a Comissão Europeia, na gestão da CGD. A orientação clara para a desalavancagem da Caixa e para a alienação de participações e atividades não nucleares constituiu-se como manifesta ingerência no funcionamento do banco público”.
O favorecimento de grandes grupos económicos
Miguel Tiago propõe ainda que o relatório dedique um capítulo à intervenção da CGD em negócios de grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros. “A comissão parlamentar de inquérito não apurou factos que possam comprovar cabalmente a existência de decisões de crédito condicionadas por intervenções estranhas à Caixa ou por favor da Caixa a entidades financiadas”, começa por referir, admitindo ainda que o banco público não atuou de forma isolada no mercado e que “acompanhou a estratégia de outras instituições ao financiar determinados projetos”.
[A CGD foi] um financiador fiel e constante de grandes negócios privados, muitas vezes com garantias frágeis, independentemente de ter existido nesses negócios uma intervenção ou pressão do representante do acionista.
Contudo, considera, “isso não significa que a gestão da CGD, ao longo das últimas décadas e determinada pela ação de sucessivos governos, se tenha distanciado o suficiente dos interesses dos grandes grupos económicos que dominam ou dominaram boa parte da economia nacional”. Para o deputado comunista, o banco foi, aliás, “um financiador fiel e constante de grandes negócios privados, muitas vezes com garantias frágeis, independentemente de ter existido nesses negócios uma intervenção ou pressão do representante do acionista”.
“A CGD foi o banco público que serviu de amparo a interesses e negócios privados. A intervenção da Caixa em muitas empresas e instituições não serviu para assegurar o controlo nacional do capital dessas entidades mas sim para favorecer objetivamente um determinado grupo económico a pretexto da sua origem territorial”, aponta ainda.
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