Cientistas e robôs, marines e filantropos. Os investidores bizarros da bolsa de Lisboa
Nova onda de euforia na bolsa traz grandes investidores, incluindo alguns bizarros. É o caso do robô que aposta contra a Pharol. Ou dos marines americanos e do fundo que vem do frio do Alaska.
Um robô desenhado por cientistas e matemáticos de Oxford analisou milhões e milhões de bites de informação e chegou à conclusão de que seria oportuno apostar na queda das ações da Pharol.
Mas, desde 20 de julho, dia em que a Oxford Fund Management detinha uma posição curta na empresa portuguesa, os títulos seguiram um rumo contrário ao previsto pela máquina, criando um problema de alguns milhares de euros para estes génios resolverem.
A Oxford é apenas um dos investidores menos convencionais que podemos encontrar atualmente na bolsa portuguesa. Há um pouco de tudo. Um fundo soberano que vem do frio do Alaska para investir o dinheiro que obtém dos seus abastados recursos naturais e que distribui dividendos pelos seus habitantes. Uma associação de militares e antigos militares, incluindo os famosos Marines. Ou uma fundação que tem a missão de ajudar a humanidade através do apoio ao conhecimento e que já ajudou a descobrir parte da nossa história genética.
Numa altura em que o PSI-20 volta a aquecer com a presença de grandes investidores, a bolsa tenta acompanhar o ritmo da economia para dar um ar de sua graça e voltar a ser um centro financeiro com alguma relevância. Ainda que alguns acionistas tenham resistido à crise e por cá se mantiveram, como o fundo Asteck da holding do setor petrolífero chamada Heerema, esta nova brisa trouxe novos investidores. Incluindo alguns mais bizarros.
O fundo que ajudou a desvendar 30% do genoma humano
Nem todos os fundos presentes na praça lisboeta procuram rentabilidades com vista ao interesse privado. É o caso do Wellcome Trust Limited. Este fundo detém uma posição importante na Jerónimo Martins. E é com a retalhista portuguesa que conta para continuar a financiar alguns dos projetos promovidos pela fundação de caridade britânica Wellcome.
Esta organização sem fins lucrativos foi fundada ainda no século XIX por Sir Henry Wellcome, um empresário no setor da saúde, colecionador e filantropo. “O nosso financiamento apoia mais de 14 mil pessoas em mais de 70 países. Nos próximos cinco anos, pretendemos investir até cinco mil milhões de libras em pessoas curiosas e apaixonadas em todo o mundo que explorem ideias na ciência, saúde da população, inovação médica, ciências humanas e sociais e envolvimento público”, diz a fundação.
"Nos próximos cinco anos, pretendemos investir até cinco mil milhões de libras em pessoas curiosas e apaixonadas em todo o mundo que explorem ideias na ciência, saúde da população, inovação médica, ciências humanas e sociais e envolvimento público.”
O fundo detém uma carteira de ativos de 20,9 mil milhões de libras, que financia todo o trabalho da fundação. Entre estes ativos estão cinco milhões de ações da retalhista dona do Pingo Doce que valem 85 milhões de euros.
Dos principais feitos da fundação britânica faz parte o mapeamento de 30% do ADN humano na sequência de um projeto de investigação internacional que contou com a colaboração do Wellcome Trust Sanger Institute. Mas os apoios desta organização vão além da ciência.
Nome: Wellcome Trust Limited
País: Reino Unido
Valor da arteira de ativos: 20.900.000.000 libras
Principais investimentos: Setor das tecnologias da informação e setor financeiro
Do vestuário infantil para dar cartas nos CTT
Qual o interesse de uma cadeia de roupa infantil no negócio de distribuição de cartas? A 5 de julho, a espanhola Indumentaria Pueri, que detém a marca de vestuário para crianças Mayoral, reforçou a sua posição para mais de 5% nos CTT, tornando-se num dos principais acionistas da cotada. Através do fundo Wilmington Capital, o grupo espanhol detém ainda uma participação relevante na produtora de pasta de papel Altri, com os interesses no PSI-20 a totalizarem os 80 milhões de euros.
Contactada pelo ECO acerca da presença na bolsa nacional, a Indumentaria Pueri não comenta — o que se percebe dado que Dominguez de Gor, dono da Mayoral, é um dos empresários mais discretos da moda espanhola.
Em Espanha dizem que a Mayoral é uma máquina registadora imparável. E investimentos em bolsa como este nos CTT surgem como consequência da robusta disponibilidade de liquidez e de uma estratégia de diversificação do grupo de Málaga.
Além dos CTT, em Lisboa, tem ainda investimentos noutras praças. Tem 3% da construtora de ferrovias espanhola CAF. Está ainda presente na papeleira Miquel i Costas, no banco e corretora Renta 4, no grupo industrial Azkoyen, na farmacêutica Laboratorios Rovi e na empresa de vestuário Adolfo Domínguez. Tudo junto, este a Indumentaria Pueri gere ativos no valor de 350 milhões de euros.
Nome: Indumentaria Pueri
País: Espanha
Valor da carteira de ativos: 347.750.000 euros
Principais investimentos: CAF, CTT, Altri e Laboratorios Rovi
Os matemáticos e cientistas de Oxford que apostam contra a Pharol
Da cidade universitária de Oxford, no Reino Unido, vem um fundo robô particularmente interessado numa queda das ações da Pharol.
Lançada em 2004, na gestora Oxford Asset Management trabalham apenas geeks da matemática, cientistas de computadores e engenheiros de software. Não é por isso de estranhar que as suas estratégias de investimento se baseiem em modelos computacionais complexos que analisam dados quantitativos e informações dos mercados, cabendo aos robôs a função vital de investimento: a tomada de decisão.
“A maioria das nossas operações são geridas automaticamente pelos nossos algoritmos e software“, diz a Oxford. “A nossa equipa trabalha com as últimas tecnologias para desenvolver estes algoritmos e ferramentas para navegar numa ampla variedade de mercados”, explica.
No últimos meses, o computador encontrou uma oportunidade em Portugal. A 20 de julho a Oxford assumia uma posição curta na Pharol através de mais de cinco milhões de ações, o equivalente a cerca de 0,6% da empresa. Se os modelos apontam para uma queda do preço das ações da cotada portuguesa, até agora isso ainda não aconteceu. O título valoriza pouco mais de 1,5%. E a Oxford arrisca agora uma perda potencial de mais de 35 mil euros. Os computadores são como os humanos: também erram.
"A maioria das nossas operações são geridas automaticamente pelos nossos algoritmos e software. A nossa equipa trabalha com as últimas tecnologias para desenvolver estes algoritmos e ferramentas para navegar numa ampla variedade de mercados.”
Nome: Oxford Asset Management
País: Reino Unido
Valor da carteira de ativos: 10.200.000.000 dólares
Principais investimentos: ETF expostos aos mercados emergentes, Embraer, Liberty Media
O fundo do petróleo que chegou sem avisar
Foi em fevereiro de 2007 que o fundo Asteck chegou de rompante à Jerónimo Martins. De uma assentada, ficou com 10% da retalhista portuguesa, tendo deixado o presidente da cotada, Alexandre Soares dos Santos, um pouco embaraçado. “Não sei por que razão comprou a participação. Têm de perguntar ao investidor”, disse na altura.
Uma década depois, aquele fundo detido pela holding holandesa do setor petrolífero ainda por cá se mantinha, mas com uma presença mais tímida. Em 2013, em plena crise da dívida e do mercado de capitais português, a companhia holandesa vendeu uma participação de 5%. Ainda resiste com um interesse avaliado em mais de 350 milhões de euros.
A Heerema é uma empresa que trabalha no setor do petróleo e gás natural. Transporta, instala e remove todo o tipo de infraestruturas de apoio à exploração energética em alto mar. Desde 1948 que trabalha no setor.
Da atividade do fundo Asteck pouco se conhece. Contactada pelo ECO, a Jerónimo Martins não esteve disponível para responder a questões acerca da presença deste fundo no seu capital.
Nome: Asteck
País: Holanda
Valor da carteira de ativos: Desconhecido
Principais investimentos: Jerónimo Martins
Yes, sir! Os marines americanos que tomaram Lisboa de assalto
Não se trata de uma nova incursão militar dos EUA fora de portas. Trata-se antes de um “assalto” ao mercado acionista português por parte de uma associação norte-americana que serve militares no ativo e reformados (Força Aérea, Exército, Guarda Costeira, Marines ou Marinha) e seus familiares.
São vários os serviços que a United Services Automobile Association oferece aos seus membros. Desde seguros, banca, soluções de investimento e de reforma e imobiliário, esta associação não deixa de ter uma presença relevante em Lisboa. No PSI-20, conta investimentos em meia dúzia de cotadas: Altri, CTT, EDP, Galp, Mota-Engil e Semapa. Uma exposição que atualmente vale aproximadamente 19 milhões de euros.
"Conquistámos a confiança dos nossos membros ao oferecer serviços vencedores por muitos anos através de um largo e personalizado conjunto de produtos financeiros, de ferramentas e conselhos.”
Mas o leque de fundos de investimento desta associação explora sobretudo o mercado norte-americano (Apple, Facebook, Boeing são exemplos em Wall Street) e outros principais mercados europeus (Nestlé, Bayer, UBS, entre muitos outros títulos) e emergentes (Samsung, Baidu, Alibaba, Sberbank), indo além das ações — mercado monetário, obrigações, matérias-primas.
“Conquistámos a confiança dos nossos membros ao oferecer serviços vencedores por muitos anos através de um largo e personalizado conjunto de produtos financeiros, de ferramentas e conselhos”, sublinha a organização fundada “por militares para militares”.
Nome: United Services Automobile Association
País: EUA
Valor da carteira de ativos: 29.900.000.000 dólares
Principais investimentos: Ações norte-americanas (Apple, Microsoft, Amazon e Facebook)
Do frio do Alaska chegam os minerais e petróleo
“Em 1976, com o pipeline quase completo, os eleitores de Alaska aprovaram uma alteração constitucional para criar um fundo especializado: o Alaska Permanent Fund“.
Assim começou a história deste fundo soberano cujas receitas para investir nos mercados financeiros provêm sobretudo das royalties e licenças com a exploração e extração de minerais e petróleo nas abastadas terras do Estado americano do Alaska.
Com um poder de fogo de 55 mil milhões de dólares, o Alaska Permanent Fund investe sobretudo em obrigações norte-americanas e estrangeiras, ações norte-americanas e estrangeiras, imobiliário e outros produtos alternativos. Apple, Google, Microsoft, Samsung, Facebook… está presente nas maiores empresas mundiais. E, em Portugal, raras são as cotadas do PSI-20 que não figuram na carteira de investimentos deste fundo soberano que é dono dos centros comerciais Alegro em Setúbal e Carnaxide.
Tem ações de 15 empresas nacionais – a exceção são mesmo Pharol, Ibersol, Montepio, Novabase e Sonae Capital –, assumindo uma exposição ao benchmark nacional avaliada em quase 20 milhões de euros. A posição mais valiosa está na petrolífera Galp, onde detém 844 mil ações que valem 12 milhões de euros.
De acordo com o que está estabelecido pela Constituição do Alaska, parte dos rendimentos poderão ser gastos tendo em vista “qualquer fim público”, incluindo as distribuições do Permanent Fund Dividend a todos os residentes considerados elegíveis sob a forma de dividendo.
Nome: Alaska Permanent Fund
País: EUA
Valor da carteira de ativos: 60.784.900.000 dólares
Principais investimentos: Obrigações norte-americanas, ações norte-americanas (Apple, Google, Microsoft, Samsung)
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