O império financeiro da fundação Aga Khan que está em Portugal e opera a partir da Suíça

A fundação Aga Khan em Portugal é apenas a ponta do icebergue de um porta-aviões com sede na Suíça que gere anualmente quase 1.000 milhões de euros em projetos de filantropia.

O falecimento de Shah Karim al Hussaini, 49.º Imam dos muçulmanos ismaelitas, encerra um capítulo de sete décadas de liderança espiritual e de uma gestão financeira tão complexa quanto o legado que deixa. Mas mais do que uma figura religiosa, Aga Khan IV, que era titular de cidadania britânica, francesa, suíça e portuguesa, foi um arquiteto de um império filantrópico global, com ramificações em setores que vão da educação à energia, das telecomunicações à agricultura, e passando por um acordo único com o Estado português que isenta a sua fundação e a sua fortuna de vários impostos.

Em Portugal, onde fixou a sede mundial do Imamato Ismaelita em 2016, o seu rasto é feito de milhões: do projeto de 100 milhões de euros para a construção da primeira Academia Aga Khan na Europa, em Oeiras, aos mais de 250 milhões de euros que terá gerado na economia nacional em 2018 por ocasião da comemoração do Jubileu de diamante de Aga Khan IV como líder espiritual dos ismaelitas nizaris. Os números impressionam.

No entanto, não é através da fundação portuguesa nem dos projetos e investimentos feitos em Portugal que o Imamato Ismaelita espelha o seu império e influência global. O coração financeiro do império do Aga Khan bate na Suíça.

Por trás do lado filantrópico da fundação Aga Khan está a sociedade anónima Aga Khan Fund for Economic Development (AKFED), sediada em Genebra, que funciona como o seu braço económico através de participações em empresas que operam em setores estratégicos como a energia, telecomunicações, turismo, seguros e banca, por vários países, como o Paquistão, Afeganistão, Uganda, Tanzânia, Moçambique ou Suíça.

Em Portugal, o foco é discreto. A AKFED não tem empresas registadas, mas o Imamato Ismaelita criou sociedades que são responsáveis pela gestão do Palácio Mendonça, que adquiriu em 2016 por 12 milhões de euros para sediar a Fundação Aga Khan Portugal, pela gestão do palacete Leitão de 1904 desenhado por Nicola Bigaglia, que a AKFED comprou em 2020 por 13,5 milhões de euros, e ainda para gerir projetos futuros, como a primeira academia Aga Khan da Europa, cujo projeto se encontra parado na Câmara de Oeiras.

Com mais de 60 milhões de euros de ativos no final de 2023, a Fundação Aga Khan Portugal é atualmente uma das maiores a operar no país – apesar de ter fechado as contas com prejuízos de 647 mil euros em 2023.

Já globalmente, a estratégia é clara. Através de um portefólio rico de participações financeiras, como a posição de 57% no capital do maior banco do Paquistão (Habib Bank Limited) e do controlo de 14% no capital do banco indiano DCB Bank ou da participação de 38% na seguradora queniana Jubilee Insurance, a AKFED gera lucros que posteriormente reinveste nos seus mais variados projetos de filantropia espalhados pelo mundo através dos seus tentáculos.

“Sou o único acionista do Fundo Aga Khan para o Desenvolvimento Económico, mas nunca retiro dividendos, porque o objetivo é servir com os recursos e não personalizá-los”, referiu Aga Khan IV, em 2008, em entrevista ao Público.

Os números mais recentes da AKFED revelam, por exemplo, que este império financeiro tem um orçamento anual de aproximadamente 925 milhões de dólares para atividades de desenvolvimento sem fins lucrativos, para o qual contribui um portefólio de cerca de 90 empresas e projetos que, em 2021, faturavam 4 mil milhões de dólares. Apenas as sete participações de empresas cotadas em bolsa valem atualmente cerca de 500 milhões de euros, segundo cálculos do ECO com base em dados da Refinitiv.

O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, ladeado à sua direita por Rahim Aga Khan, atual príncipe Aga Khan V e sucessor de Aga Khan IV falecido esta semana, e por Nazim Ahmad, representante diplomático do Imamato Ismaelita em Portugal. À esquerda do presidente da República está o príncipe Amyn Aga Khan, irmão do falecido Aga Khan IV, e por Aly Muhammad Aga Khan, filho mais novo do príncipe Aga Khan IV, no 66.º aniversário da entronização de Aga Khan IV como 49.º Imã, na sede do Imamato Ismaelita, em Lisboa. Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República 11 Julho, 2023

Ligação emocional e financeira a Portugal

A relação entre Portugal e o Imamato Ismaelita tem raízes profundas, remontando há quase seis décadas. O marco inicial desta ligação ocorreu em 1960, quando o então Presidente da República, Américo Thomaz, atribuiu ao líder ismaelita a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, uma das primeiras condecorações internacionais recebidas pelo Imamato. Desde então, a instituição foi agraciada com várias outras grã-cruzes de ordens portuguesas, solidificando os laços entre as duas entidades.

O ponto culminante desta aproximação deu-se em junho de 2015 com a celebração de um protocolo com o Governo português que concedeu à instituição religiosa e ao seu líder benefícios fiscais e judiciais significativos por um período de 25 anos.

Entre estes benefícios destaca-se a isenção total de impostos sobre donativos, imóveis e veículos, como o luxuoso iate Alamshar (em honra a um antigo cavalo de corrida do príncipe) ou vários jatos, bem como a isenção fiscal sobre os salários dos altos funcionários. Este pacote de incentivos fiscais foi determinante para a instalação da sede global em território nacional, consolidando assim décadas de relações próximas entre Portugal e esta comunidade religiosa.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Com mais de 60 milhões de euros de ativos no final de 2023, a Fundação Aga Khan Portugal é atualmente uma das maiores a operar no país – apesar de ter fechado as contas com prejuízos de 647 mil euros em 2023 (que compara com lucros acima de 5,5 milhões de euros em 2022).

As contas mais recentes da instituição mostram também um crescimento significativo do seu orçamento, passando de 8,9 milhões de euros em 2016 para quase 16,5 milhões de euros em 2023, que tem sido garantido por via de financiamentos de parceiros e de donativos da Fundação Aga Khan na Suíça.

No entanto, nem todo este montante é aplicado em Portugal. Entre 2020 e 2023, cerca de 40% do orçamento da Fundação Aga Khan Portugal teve como destino o financiamento de projetos em Moçambique. Mesmo assim, trata-se de uma percentagem bem inferior aos 79% dos donativos recebidos em 2017 que foram dirigidos ao país africano.

Se há obra que espelha a ambição do legado português de Aga Khan é a Academia Aga Khan em Oeiras. Prevista para 2027, a escola que pretende receber alunos dos 5 aos 18 anos envolve um investimento total de 100 milhões de euros, segundo Nazim Ahmad, representante do Imamato em Portugal, em declarações à Forbes Portugal em 2019.

O novo desafio do Imamato Ismaelita será equilibrar o pragmatismo financeiro com a missão social, especialmente em Portugal, onde a Academia de Oeiras testemunhará se o império mantém o fôlego após a era do fundador.

O terreno de 40 hectares, adquirido por quatro milhões de euros à Parvalorem, é só o início: o projeto inclui bolsas de estudo para 30% dos alunos, integrando crianças de contextos vulneráveis. Mas o caminho deste investimento não tem sido linear. Inicialmente planeada para Cascais, a academia enfrentou resistência local devido a preocupações ambientais, mudando-se para Oeiras em 2023 após a Câmara declarar o projeto de “interesse público”.

Com a morte do líder, o testamento designou Rahim Aga Khan, filho mais velho de Shah Karim al Hussaini, como sucessor. Formado pela Universidade Brown, nos EUA, com um bacharelato em Literatura Comparada, Rahim Aga Khan (a partir de agora referido como príncipe Rahim Aga Khan V) está há mais de 20 anos na estrutura da rede Aga Khan, sendo atualmente o presidente do comité executivo do AKFED.

O novo desafio do Imamato Ismaelita será equilibrar o pragmatismo financeiro com a missão social, especialmente em Portugal, onde a Academia de Oeiras testemunhará se o império mantém o fôlego após a era do fundador.

Enquanto Lisboa se prepara para o funeral de Estado, uma pergunta persiste: numa era de escrutínio às fundações, conseguirá o modelo da Aga Khan – um misto de negócios e caridade – sobreviver sem a figura que o tornou possível? A resposta, como os números mostram, valerá milhões.

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