Aga Khan e Portugal, uma história de amor e de milhões
Morreu esta terça-feira em Lisboa o Príncipe Aga Khan, que fez da capital portuguesa a sede mundial da comunidade ismaelita, que liderava.
Num fim de tarde quente, a 4 de julho do ano passado, o Palacete Henrique de Mendonça, em Lisboa, encheu-se de convidados para celebrar o Imamat Day, o dia em que Karim al-Hussaini foi designado o líder mundial dos ismaelitas, em 1957. Aquele que ficou conhecido como o Aga Khan IV tinha 20 anos quando foi nomeado pelo seu avô e antecessor, tornando-se o 49º líder desta comunidade de muçulmanos ismaelitas, que tem cerca de 15 milhões de fiéis. No dia da festa, na sede mundial da comunidade, o Aga Khan foi representado pelo seu irmão, o Príncipe Amyn Aga Khan, uma vez que já estava algo retirado da vida pública.
Acabou por falecer esta terça-feira em Lisboa, no local que definiu como centro da sua fé e que deu uma “casa” física a uma comunidade dispersa por todo o mundo. A ligação oficial a Portugal deu-se em 1983, com a abertura de uma delegação da Fundação Aga Khan, na Lapa, em Lisboa, à semelhança do que já acontecia em vários países. Esta passaria a fundação de direito português em 1996. É também dessa altura a construção do Centro Ismaili, nas Laranjeiras.
A relação da comunidade com Portugal teve um ímpeto na sequência do 25 de abril e da descolonização, com a vinda para Lisboa de muitas pessoas das ex-colónias, nomeadamente de Moçambique, que tinha uma forte comunidade ismaelita. Nazim Ahmad, português de origem moçambicana, é atualmente o Representante Diplomático do Ismaili Imamat em Portugal, e teve um papel central nesta relação, até hoje. Esteve em todas as negociações com o poder político português que resultaram, em 2015, na escolha de Lisboa como sede mundial da comunidade, batendo outras cidades interessadas, inclusivamente noutros continentes.
A partir daí, a vida do Aga Khan IV e dos ismaelitas ficaria para sempre ligada a Portugal. O Príncipe era considerado um dos homens mais ricos do mundo, liderando um império de dezenas de empresas, cujos resultados revertem para a obra social, nomeadamente através da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN).
Os ismaelitas, que seguem uma corrente minoritária do xiismo, têm como filosofia não apenas apoiar a sua própria comunidade mas também contribuir para o desenvolvimento das sociedades nas quais se inserem, de forma colaborante e tolerante. Ao longo de catorze séculos de história, os Ismailis têm seguido os Imams hereditários, descendentes de Ali e de Fátima, filha do Profeta Maomé. Em Portugal, estima-se que existam cerca de sete mil fiéis.
Ao longo dos anos, foram muitas as iniciativas de investimento em Portugal, sempre numa ótica de filantropia e de apoio a causas sociais. Esse esforço intensificou-se a partir da instalação da sede em Lisboa e está em curso.
Alguns números. Só na compra do Palacete Mendonça e do Palácio Leitão, contíguo àquele, foram investidos perto de 25 milhões de euros, para instalação da sede. Foi assinado um acordo de cooperação na área da ciência com o governo português (Ministério da Ciência e Ensino Superior), com dotação de 10 milhões de euros em 10 anos, para bolsas para projetos nacionais de de Países de Língua Oficial Portuguesa. Na cultura, foram comprados e oferecidos vários quadros de pintores portugueses a museus públicos nacionais, além do apoio a iniciativas artísticas, particularmente musicais. O Príncipe Aga Khan foi ainda responsável por donativos para bolsas de estudo para crianças cujas famílias foram vítimas dos incêndios de Pedrogão, bem como para reflorestação de áreas ardidas.
Em 2018, realizou-se em Lisboa a cerimónia do Jubileu de Diamante do Príncipe. Na altura, estimou-se que a presença de 60 mil fiéis geraria para a economia da cidade cerca de 250 milhões de euros.
Mas o projeto mais ambicioso, que tem tido um nascimento atribulado, já não foi concluído a tempo de o Príncipe o poder inaugurar. É a Academia Aga Khan Portugal, um projeto que pretende promover o ensino de excelência a alunos oriundos de diferentes contextos sociais e económicos, num investimento estimado em mais de 80 milhões de euros. Inicialmente pensado para Cascais, depois de alguma polémica acabou por transitar para Oeiras, e está em fase de projeto. Segue o modelo de outras academias Aga Khan noutros países, fazendo coincidir alunos pagantes de propinas com outros que beneficiam de bolsas oferecidas, de forma a garantir um ensino de qualidade, até ao 12º ano.
O sucessor do Príncipe Shah Karim al-Hussaini Aga Khan IV será conhecido em breve, devendo ser um dos seus três filhos homens: Hussain, Rahim e Aly. A escolha está feita, no testamento deixado pelo 49º líder dos ismaelitas.
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Entretanto, numa publicação na rede social X, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, manifestou “profundo pesar” pela morte de Aga Khan, sublinhando que a personalidade e obra do líder dos muçulmanos xiitas ismailis “permanecerão para sempre na memória dos portugueses”.
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