Da resolução à venda, 1.160 dias para acabar com o banco de transição
Da tensão na noite da resolução, do anticlímax após o fracasso da primeira tentativa de venda ao "cheque" do Lone Star. Mais de 1.100 dias depois, o Novo Banco está quase vendido.
O Banco Espírito Santo (BES) caiu. Foi a 3 de agosto que Carlos Costa anunciou a resolução do banco de Ricardo Salgado, nascendo um banco “mau” e outro “bom”, o banco de transição. De domingo para segunda, o BES desapareceu, nasceu o Novo Banco, uma instituição financeira de marca branca que abriu portas aos clientes, mas que desde logo começou à procura de um comprador. O Lone Star é, agora, o dono, após um processo de 1.160 dias. Uma venda que mais pareceu uma “tragédia grega”.
Da tensão na noite da resolução, expressa na cara do governador do Banco de Portugal, do anticlímax após o fracasso da primeira tentativa de venda — mesmo depois de tantas manifestações de interesse –, passando pela segunda tentativa à perda abrupta de valor do Novo Banco que acabou por ser vendido por um valor “simbólico”, associado a uma garantia de milhares de milhões de euros que despertou a ira dos restantes bancos, até à apoteose final com o “cheque” a ser passado muito em breve pelos norte-americanos mais habituados ao sol de Vilamoura que ao centro financeiro da Avenida da Liberdade.
Adeus BES, olá banco de transição. Nasceu o Novo Banco
“O conselho de administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo (BES) uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos.” Estamos em agosto de 2014 quando, num domingo ao final da noite, é anunciada a intervenção pública no BES. Foi o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, que fez este anúncio, que marcou o início de um processo que só terminou agora, mais de três anos depois.
No BES, o chamado banco “mau”, ficaram os ativos problemáticos, que implicaram perdas brutais para os pequenos investidores, acionistas e detentores de dívida subordinada. No Novo Banco, o banco que nasce desta resolução, ficaram os outros ativos. A instituição financeira, que recebeu uma injeção de 4.900 milhões de euros, ficou nas mãos do Fundo de Resolução e na esfera do Banco de Portugal e do Ministério das Finanças.
O conselho de administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo (BES) uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do BES é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos.
Mas os sinais de que este império estava prestes a desabar surgiram alguns meses antes. A 11 de junho, o BES faz um aumento de capital de 1.045 milhões de euros. Mas o prospeto da operação mostra algumas irregularidades nas contas da holding ES Investimento (ESI). Depois, em julho, a Espírito Santo Financial Group anuncia pela manhã a suspensão da negociação das ações, devido a “dificuldades materiais em curso”, especialmente do seu maior acionista, a ESI. É o início da derrocada. Quatro dias antes de Carlos Costa anunciar a resolução, o BES apresentava o maior prejuízo de sempre: 3.577,3 milhões de euros.
O descalabro nas contas do banco dita a saída de Ricardo Salgado da liderança após décadas na equipa da instituição financeira. E entra Vítor Bento como o novo presidente executivo do BES. Mas não dura muito tempo à frente da administração. O economista sai do Novo Banco em setembro para dar lugar a Eduardo Stock da Cunha, que acaba por sair em julho de 2016. É aqui que entra António Ramalho, vindo da Infraestruturas de Portugal, atual IP, assumindo a liderança até ao final do processo de venda ao Lone Star.
Primeira tentativa de vender o Novo Banco
Foi no final de 2014 que foi lançada a primeira tentativa de venda do Novo Banco. Segundo o Banco de Portugal, eram, ao todo, 17 interessados na compra do banco de transição. Mas não divulgou nomes. Só no final do processo é que se ficou a saber que restaram três. Eram estes os chineses Anbang e Fosun (que, entretanto, se tornou um dos maiores acionistas do BCP) e os norte-americanos da Apollo.
Seguiu-se um processo de análise das propostas, mas, segundo Carlos Costa, nenhuma das que foi apresentada era interessante, sem se perceber exatamente quais eram os critérios e porque não se “encaixavam” na estratégia do Banco de Portugal para o Novo Banco. A operação foi cancelada em setembro de 2015. “O conselho de administração do Banco de Portugal optou por interromper o processo de venda da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco, iniciado em 2014, e concluir o procedimento em curso sem aceitar qualquer das três propostas vinculativas”, de acordo com o comunicado da entidade liderada por Carlos Costa.
O regulador e supervisor bancário disse então ao presidente executivo do Novo Banco, Stock da Cunha, para reestruturar a instituição com vista a uma venda futura. E deu indicações para que o até então secretário de Estado Sérgio Monteiro integrasse o Fundo de Resolução para liderar a venda do Novo Banco — foi o responsável por “montar” toda a operação, tendo passado na fase final do processo a consultor externo.
BdP decide transferir dívida para o BES
Mas a falha da venda não foi o único percalço desta “tragédia grega”. Em dezembro de 2015, o Banco de Portugal toma uma decisão polémica e que até hoje incomoda muitos investidores — essencialmente os grandes fundos internacionais. Aquando da resolução, todos os ativos tóxicos foram, supostamente, transferidos para o banco “mau”, deixando os restantes no Novo Banco. Mas, nesse mês, o regulador decidiu transferir cinco séries de obrigações no valor de 2,2 mil milhões de euros do Novo Banco para o BES, uma forma de reforçar os rácios do banco de transição.
Ao passar os títulos da dívida para o “banco mau” que ficou com os ativos problemáticos do grupo de Salgado, que foi liquidado, o BdP impôs perdas aos detentores de dívida sénior porque era um banco em resolução, sem meios para pagar toda a dívida. Uma decisão que irritou fundos e bancos de investimento a nível mundial, levando-os a colocar ações contra o BdP. Foi o caso da Elliott e Goldman Sachs, mas também da Pimco.
Segundo apurou o ECO junto da Pimco, este processo que corre nos tribunais portugueses não conheceu qualquer desenvolvimento nos últimos meses. Os responsáveis do fundo alimentam a esperança de ver este dossiê resolvido em seu favor em tribunal e até estão pacientes com os timings do processo. “Temos um caso forte”, sublinhou uma fonte do fundo. Mas até lá vão manter o país sob embargo.
Novo Banco à venda – Parte II
“O conselho de administração do Banco de Portugal, conforme acordado entre as autoridades nacionais e a Comissão Europeia, decidiu retomar o processo de venda da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco.” Foi assim que, no início de 2016, o banco central português anunciou que tinha retomado a venda do Novo Banco. E, pouco tempo depois, Stock da Cunha e Sérgio Monteiro fizeram-se à estrada à procura de investidores interessados no Novo Banco. Tinha um prazo imposto pela Direção-Geral da Concorrência Europeia para concretizar esta operação de venda: agosto de 2017.
Desta vez também houve vários interessados. BCP, BPI, os fundos norte-americanos Apollo Management, em parceria com a Center Bridge, e a Lone Star entregaram propostas para a compra do banco liderado por António Ramalho, através da venda direta. Já os chineses estavam interessados na venda em mercado.
Mas foi já no início deste ano que esta “tragédia grega” atingiu o clímax: o BdP anunciou que ia negociar com o fundo norte-americano Lone Star. É aqui que começa um período longo de negociações que criou muitas polémicas. Porquê? O fundo Lone Star, tal como o consórcio Apollo/Centerbrige, exigia um aval público para se salvaguardar perante eventuais surpresas com o side bank. E o Estado? Centeno disse que não dava. Mas o fundo norte-americano, o eleito pelo Banco de Portugal, disse estar disposto a negociar.
As negociações acabaram por chegar a bom porto e tiveram de se fazer cedências, sobretudo da parte do Executivo. Em julho, a Comissão Europeia deu luz verde à venda do Novo Banco ao fundo. Uma operação que vai custar inicialmente 750 milhões de euros ao Lone Star, que se compromete a injetar mais 250 milhões no prazo de três anos. O Fundo de Resolução vai manter uma participação de 25% no banco e, além disso, vai prestar uma garantia — aquela que o Governo não queria dar — no valor de 3,9 mil milhões de euros para acautelar o risco do chamado side bank.
Do processo do BCP contra a garantia à troca de dívida
Esta garantia dada pelo Fundo de Resolução na venda do Novo Banco foi contestada pelo BCP. O banco liderado por Nuno Amado avançou para tribunal — uma decisão considerada “equilibrada” pela instituição financeira — por ter de “defender os interesses dos acionistas”. A ação administrativa do BCP tem como objetivo contestar o “mecanismo de capital contingente” que o Estado dá ao Lone Star no âmbito do acordo de venda do Novo Banco e que será acionada em função de perdas a registar no chamado side bank daquela instituição. Mas não travar a venda do banco.
Esta diligência, segundo a instituição liderada por Nuno Amado, “não visa nem comporta a produção de quaisquer efeitos suspensivos da venda do Novo Banco e, consequentemente, dela não resulta legalmente nenhum impedimento à sua concretização nos prazos previstos, centrando-se exclusivamente naquela obrigação de capitalização”.
Este processo decorre ao mesmo tempo que os obrigacionistas seniores do Novo Banco foram chamados a decidem se aceitavam, ou não, a oferta de troca de dívida do Novo Banco. Uma operação que vai permitir que o banco que resultou da resolução do BES crie uma “almofada” de 500 milhões, uma condição essencial para que seja vendido ao Lone Star. Esta proposta levantou muitas dúvidas, sobretudo da parte daqueles grandes investidores que registaram perdas com a decisão do BdP de transferir obrigações em dezembro de 2015.
A Pimco, um dos investidores que se opunha às condições oferecidas, acabou por ceder depois de ter sido encontrada uma solução técnica válida para ambas as partes. Mas diz que vai manter o boicote a Portugal enquanto não vir o problema resolvido com o BdP. Ao ter aceitado as condições, a Pimco desbloqueou este processo e permitiu que o Novo Banco chegasse à poupança desejada.
A venda. Quem é o Lone Star?
Depois de uma resolução, uma primeira venda falhada e negociações difíceis, chegou-se à apoteose desta tragédia: com a poupança dos 500 milhões conseguida o Novo Banco vai ser vendido ao Lone Star. Mas ainda não se conhece o plano de negócios do fundo para o Novo Banco. Questionada pelo ECO se o plano será conhecido em breve, a Direção-Geral da Concorrência esclareceu que estão em “contacto construtivo com o Governo português sobre o plano final de reestruturação do Novo Banco, que precisa de garantir que o banco seja viável a longo prazo”.
E que estes contactos “seguem o acordo de princípio que a Comissária Vestager concluiu com o Governo português para permitir a venda do Novo Banco à Lone Star em conformidade com as regras da UE em matéria de auxílios estatais”.
Sem este plano que nos permite perceber o que fará o Lone Star com o Novo Banco, resta-nos olhar para o que o Lone Star tem feito noutros países e com outras instituições financeiras. Quem é, afinal, este fundo? O Lone Star já existe há mais de duas décadas. O fundo sediado em Dallas, no Texas, EUA, foi fundado por John Grayken em 1995, com atenções viradas para o setor imobiliário, mas também o setor financeiro. O fundo tem uma visão global, investindo desde os EUA e Canadá, onde detém a maior parte dos seus ativos, mas também na Europa e na Ásia.
O Lone Star começou a apostar em Portugal em 2015. Comprou os quatro centros comerciais Dolce Vita detidos pelo grupo espanhol Chamartín Imobiliária. Mas ainda antes desta aquisição, o Lone Star foi ao Algarve comprar o empreendimento Vilamoura por 200 milhões de euros — querendo agora vender este investimento. Para além destes setores, tem também participações no setor financeiro. O fundo comprou em 2008 uma posição de 90,8% no IKB Bank, um banco alemão que tinha sido resgatado pelo Estado. Agora quer vendê-lo.
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