Paulo Sá, deputado do PCP que acompanha de perto as questões orçamentais, frisa que o país tem de fazer uma boa utilização do dinheiro público. Mas recusa sacralizar as regras europeias.
O deputado comunista Paulo Sá não hesita em reconhecer a importância do rigor orçamental. Mas acusa a União Europeia de “arranjar sempre qualquer coisa apenas para condicionar.” Avisa que o problema da dívida persiste, diz que o PCP está disponível para negociar com os credores, afastando posições unilaterais, e garante que o caminho certo é continuar a política de devolução de direitos e rendimentos.
Falamos de baixar IRS, subir pensões, melhorar os serviços públicos. É possível fazer isto tudo ao mesmo tempo?
Na sua pergunta, só tem uma parte. Mas podemos acrescentar: temos o alívio no IRS, as mexidas nos escalões e o mínimo de existência traduz-se numa perda de receita fiscal, a ideia é essa. Mas poderíamos por exemplo ter o aumento da derrama estadual. Avançar com o englobamento em termos de IRS.
Tributando de forma adequada as grandes empresas e grupos económicos, as grandes fortunas, o grande capital; diminuindo os impostos aos rendimentos do trabalho mais baixos, ao consumo das famílias, aliviar a carga fiscal sobre micro empresários. E a receita fiscal ainda aumentava.
E essas medidas seriam suficientes para compensar?
Deixe-me concluir. Temos a introdução do património mobiliário, não falamos, mas temos o imposto sobre transações financeiras em que insistimos há muito tempo. Estas últimas traduzem-se em aumento de receita. Será que compensam? Compensam e de que maneira. Tributando de forma adequada as grandes empresas e grupos económicos, as grandes fortunas, o grande capital; diminuindo os impostos aos rendimentos do trabalho mais baixos, ao consumo das famílias, aliviar a carga fiscal sobre micro empresários. E a receita fiscal ainda aumentava.
Ainda aumentava?
Ainda aumentava permitindo reforçar os serviços públicos.
Não há o risco de esses rendimentos e esses capitais fugirem para outras economias?
Se aceitássemos esse argumento estes impostos só podiam baixar até atingir o zero.
Depende do que os nossos parceiros cobram.
É preciso medidas de tributação mais justa que devem ser acompanhadas de medidas de combate à fraude e evasão fiscal. Sabemos que há formas legais, semi-legais ou ilegais de pagar menos impostos. E que pessoas com rendimentos muito elevados têm outros meios para fazer essa gestão fiscal que quem tem rendimentos mais baixos não tem. E que com essa gestão fiscal agressiva é possível pagarem menos do que pagariam. Porque é que algumas das grandes empresas têm a sede fiscal na Holanda?
Portugal não tem os meios nem a capacidade de decretar o fim dos offshores no mundo. Mas podemos fazer um trabalho junto de todo o mundo no sentido de se acabar com esta vergonha.
Mas isso aconteceria ainda mais.
São formas de pagarem menos impostos em Portugal. Portugal não tem os meios nem a capacidade de decretar o fim dos offshores no mundo. Mas podemos fazer um trabalho junto de todo o mundo no sentido de se acabar com esta vergonha dos offshores onde se escondem, no caso de Portugal, dezenas de milhares de milhões de euros. Tenhamos uma posição ativa a nível mundial.
Mas não é preciso serem paraísos fiscais. Podem ser só outros países com fiscalidade mais competitiva.
E que cobrem 5% de IRC. Isso o que é? Dumping fiscal. São os países a competirem uns com os outros até se chegar a zero. Porque o único limite para essa competição é o zero. Por mais baixo que seja o IRC, haverá sempre um país que se lembrará de pôr um ponto percentual mais baixo ou dois. A mesma coisa para os rendimentos de pessoas singulares. Não podemos aceitar essa ideia. Tem de haver uma tributação justa com base em princípios.
Obviamente que o rigor orçamental é uma preocupação de todos e em particular do PCP.
Qual é a importância que o PCP atribui, neste momento, à consolidação orçamental?
Obviamente que o rigor orçamental é uma preocupação de todos e em particular do PCP. O país tem de ter contas sólidas, o dinheiro dos contribuintes tem de ser utilizado da melhor maneira, para que o Estado possa assegurar as suas funções também sociais da melhor forma. A questão do valor exato do défice, se deve ser 2%, 1,5%, 1% ou 0,5%… Nesta fase da vida do país a prioridade é o crescimento económico, a criação e emprego, a redução do desemprego, e a resolução dos problemas mais urgentes do país, estruturais e das pessoas.
Mas já se fez a consolidação orçamental necessária?
Se o défice não for 1% e for 1,5%, ou 1,2%, ou 1,8%…
Mas estamos a falar em valores sempre baixo de 3%. O PCP reconhece que esse limiar é importante?
Esse limiar é estabelecido no Pacto de Estabilidade e Crescimento que o PCP não reconhece e denuncia e quer o país fora dele. O valor de 3% para o défice e o de 60% para a dívida são valores, como já foi reconhecido a nível nacional e estrangeiro, nomeadamente por responsáveis da União Europeia, largamente arbitrários. Não há nenhuma razão económica que diga que tem de ser 3% e não 3,5% ou 2%. Como não há nenhuma razão económica forte que diga que tem de ser 60% e não 70% ou 50%. Foram números estabelecidos arbitrariamente e depois sacralizados. Tem de ser, custe o que custar e sabemos o que custou ao país a obsessão por estas regras. O país não deve estar submetido a estas regras, às imposições da UE.
Mas como é que o país faria essa libertação?
Vejamos a questão do crescimento económico e do aumento do emprego. Toda a gente concordará que os últimos resultados são consequência direta também da reposição de direitos e rendimentos — aumento do salário mínimo nacional, fim dos cortes nas pensões e salários, valorizações salariais — contribuiu para criar um clima que favoreceu o crescimento económico e a diminuição do desemprego. É preciso continuar este caminho.
Mas como é que Portugal faz esse caminho? Em negociação com a UE? Unilateralmente?
Os 3%, de acordo com as regras da UE, eram fundamentais para sair do Procedimento por Défice Excessivo. Depois há outro conjunto de regras — a UE tem sempre um manancial de regras para condicionar. Agora são os saldos estruturais. O saldo estrutural tem de descer a um determinado ritmo. E se não for isso eles arranjam outra coisa qualquer apenas para condicionar. A política da UE era cortar salários, pensões, diminuir o peso dessas “despesas”, diminuir as funções sociais do Estado, “gasta-se demais em Portugal em saúde, educação” e até um alto responsável disse que não é só nessas áreas, também se gasta com copos e com mulheres. O caminho que se começou a seguir há dois anos e para o qual o PCP deu grande contributo, é contrário ao que a UE desejaria.
O argumento da CE é que esse condicionamento visa garantir alguma sustentabilidade da consolidação orçamental.
A sustentabilidade que tivemos de 2011 a 2015, com o afundamento da economia, a maior recessão nos últimos anos, centenas de milhares de pessoas a terem de emigrar, o desemprego a crescer que chegou quase a 17%? É isto que é sustentabilidade? Isto foi resultado das medidas da troika.
Mas os resultados alcançados já são sustentáveis?
O défice que o Governo aponta é de 1,5% este ano e 1% para o ano. Quando falamos de uma décima de Orçamento falamos de 200 milhões de euros, em números redondos. Deixe-me encontrar uma medida com 200 milhões de euros: o aumento das pensões do PCP até dez euros custa menos do que isso.
O que é que é melhor: que o défice seja 1% e que os pensionistas não levem o aumento até 10 euros, ou que eles tenham o aumento e que o défice seja 1,1%? Entre 1% e 1,1% não há grande diferença, mas dá-se resposta a um problema concreto.
São os 140 milhões de euros.
Sim, mais milhão menos milhão, mas será aí. Isto é menos de uma décima do défice. O que é que é melhor: que o défice seja 1% e que os pensionistas não levem o aumento até dez euros, ou que eles tenham o aumento e que o défice seja 1,1%? Entre 1% e 1,1% não há grande diferença, mas dá-se resposta a um problema concreto. O investimento: o que é mais importante é termos um défice de 1% e o investimento continuará pelas ruas da amargura, ou termos um investimento um pouco maior e essa diferença (200, 400, 600 milhões de euros) ser utilizada para o investimento público?
Mas o saldo orçamental está a beneficiar de um ciclo económico de recuperação.
E esse ciclo económico foi alimentado pelas medidas que se tomaram. Quando olhamos para os últimos resultados do crescimento do PIB, o que é que vemos? Consumo interno, a puxar. E dentro do consumo interno, o consumo privado e o investimento. O que está a induzir o crescimento económico são exatamente as medidas de reposição de direitos e rendimentos. Se tivéssemos ido mais longe no OE2016 e 2017 na reposição de direitos e rendimentos, provavelmente o crescimento económico seria um pouco maior, porque há uma relação direta.
Quando olhamos para os últimos resultados do crescimento do PIB, o que é que vemos? Consumo interno, a puxar.
O PCP não teme que com este tipo de medidas que estimulam o consumo privado e interno…
… e que dinamiza a economia, que empresas que estavam com a corda ao pescoço conseguiram sobreviver e hoje até empregam mais gente e pagam mais impostos porque estão bem…
… Verdade. Mas já houve um momento em que a economia portuguesa crescia alavancada sobretudo pelo consumo interno e que resultou em graves desequilíbrios de endividamento externo.
Compreendo o que está a dizer e o PCP tem defendido que são precisas medidas estruturais que não têm sido tomadas. Por exemplo, a questão da produção nacional. É importantíssimo apostar na produção nacional. Por um lado, produzir mais para importar menos. Por outro lado, produzir em Portugal também cria emprego. E há mais gente a contribuir com impostos e a receber menos da Segurança Social. Esse problema tem de ser resolvido e não vemos medidas nesse sentido.
O problema da dívida pública, que é um peso esmagador nas contas públicas. Os juros da dívida pública representam 10% do OE. Em cada dez euros, um vai para aí. Temos um saldo primário positivo, mas continuamos com défice porque é tudo canalizado para a dívida pública e não chega.
Alguém pode dar a garantia de que Portugal não vai ser vítima de um novo ataque especulativo como foi em 2010 e 2011? Continuamos tão dependentes nesse plano como estávamos em 2010, 2011. Este problema não desapareceu, está lá.
O PCP defende uma resolução unilateral da dívida pública?
Renegociar significa uma disposição para negociar. Temos de falar com os credores institucionais e não institucionais. Medidas como a renegociação até poderiam facilitar o reembolso no futuro por via da situação económica do país. Têm sido tomadas medidas de gestão corrente, mas nem a dívida diminui em percentagem do PIB, nem os juros diminuem em tamanho. E isto é um peso enorme, são 4% ou 5% do PIB. Discutimos medidas que são 0,1% ou 02,% do PIB. Alguém pode dar a garantia de que Portugal não vai ser vítima de um novo ataque especulativo como foi em 2010 e 2011? Continuamos tão dependentes nesse plano como estávamos em 2010, 2011. Este problema não desapareceu, está lá.
Carlos Carvalhas falava disso na TSF, que estão criadas as condições para uma nova crise.
Sabemos que as crises do capitalismo são cíclicas. Não sabemos determinar quando nem a amplitude, mas sabemos que vem de certeza. A dependência de Portugal mantém-se.
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“Obviamente que o rigor orçamental é uma preocupação de todos e em particular do PCP”
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