Um orçamento de mudança e continuidade

Este é o primeiro artigo de um conjunto de análises à proposta de OE2017 no âmbito do acordo do ECO com as universidades do Minho, do Porto e de Coimbra, com a marca ECO da Academia.

Os objetivos fixados para os défices de 2016 e 2017 são ambiciosos e, caso venham a cumprir-se, constituirão um inegável sucesso da gestão da política orçamental. O objetivo de 1,6% do PIB para o défice orçamental de 2017 representaria o valor mais baixo do défice orçamental em democracia e o correspondente excedente primário (2,8%, sem juros da dívida) seria o mais elevado pelo menos desde 1995.

A redução do défice prevista para 2016 e 2017 dá continuidade ao processo de consolidação orçamental em curso desde 2011. Os valores previstos para o défice orçamental permitirão, muito provavelmente, o cumprimento dos compromissos assumidos com a União Europeia e poderão finalmente contribuir para a redução da dívida pública em percentagem do PIB.

Embora os factos referidos tornem, por si só, esta proposta orçamental muito ambiciosa, há ainda duas outras razões que tornam o OE 2017 notável no contexto histórico da política orçamental portuguesa.

Em primeiro lugar, a redução do défice prevista para 2016 e 2017 tem lugar num contexto de fraco crescimento económico e elevado desemprego.

Em segundo lugar, a consolidação orçamental prevista para 2017 tem lugar com um aumento da despesa pública em relação a 2016 (2,1%). A este propósito importa lembrar que, entre 2010 e 2014, a redução da despesa (despesas com pessoal e investimento em partes iguais) representou 2/3 da consolidação orçamental.

No OE de 2017, a consolidação assenta exclusivamente no aumento da receita, em particular não fiscal, que se prevê que cresça 4,1% face a 2016.
Porém, pode dizer-se que, mesmo nesse aspeto da estratégia de consolidação orçamental, o OE de 2017 é um orçamento de continuidade.

Com efeito, à semelhança dos orçamentos da troika, em que os cortes dos salários eram temporários e o investimento público atingiu mínimos das últimas décadas, os OE de 2016 e 2017 continuam sem resolver o problema da contenção da despesa. Pelo contrário, até o deverá agravar, mas a parte mais visível desse agravamento – a reposição dos cortes dos salários da função pública – já tinha sido imposta pelo Tribunal Constitucional.

A solução encontrada para a consolidação orçamental de 2017, também à semelhança dos orçamentos da troika, passa pelo aumento da receita.

Não tendo o governo o objetivo de conseguir uma redução estrutural da despesa pública, a forma de conseguir reduzir o défice seria através do aumento de impostos.

No entanto, é importante lembrar que o orçamento de 2017 prevê uma redução da sobretaxa de IRS e também do IVA da restauração (por efeito da aplicação à totalidade do ano da redução do IVA da restauração introduzida em julho de 2016).

Resumindo, este é um orçamento que surpreende: reposição dos salários da função pública, aumento de pensões, aumento de investimento público, redução de componentes de IRS e do IVA e redução do défice. É um resultado que não parecia possível e que levanta reservas. Até porque, governo após governo, o desfasamento entre o orçamento e sua execução tem sido uma teimosa realidade.

Mas, como disse Milton Friedman, uns anos antes da crise financeira internacional, a propósito da capacidade que Alan Greenspan parecia ter para controlar o ciclo económico, o Ministério das Finanças sabe, com certeza, coisas que nós não sabemos.

Talvez o segredo para a redução do défice no OE 2017 esteja nos “outros efeitos” (“dividendos do Banco de Portugal, a recuperação da garantia do BPP e poupanças em juros e em PPPs.”) e no “cenário macroeconómico”, em particular na capacidade de crescimento da economia, que tem sido o calcanhar de Aquiles de Portugal durante este milénio.

Este artigo foi elaborado por Fernando Alexandre (Universidade do Minho), Maria Manuel Pinho (Universidade do Porto), Nuno Sousa Pereira (Universidade do Porto) e Pedro Bação (Universidade de Combra).

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