Exclusivo Feedzai: 50 milhões, ou uma ‘almofada para os dias de chuva’
É a maior ronda de sempre levantada por uma startup portuguesa. A Feedzai, com sede em Coimbra e escritórios em Silicon Valley, conseguiu. Nuno Sebastião, CEO da empresa, explica tudo ao ECO.
Em 2013, quando Nuno Sebastião começou a conversar com um dos seus investidores atuais, que acabara de angariar para uma startup 52 milhões, tinha-lhe dito que “achava uma barbaridade”. “Para que é que ele queria tanto dinheiro?”. Quatro anos depois, o português, fundador e CEO da Feedzai, a startup portuguesa de data science que ajuda as empresas a detetar fraudes e que esta semana conseguiu fechar a maior ronda de financiamento de sempre em Portugal, entende melhor a dúvida desse dia. “Olhava para aquilo e nem sequer percebia mas agora percebo: depende muito do negócio que tens. Porque até quando negociamos com clientes é importante termos músculo financeiro”, explica, em entrevista ao ECO.
Esclarece: é que, com clientes que lhes faturam vários milhões por ano, o poder que as startups têm para negociar é limitado. “Tenho clientes que querem baixar os preços e reclamam essas quedas, argumentando que estamos dependentes deles para sobreviver“. E estão. Por isso, mais do que assegurar financiamento para investir, uma ronda de investimento garante, antes, independência e… liberdade para dizer não.
“Gerimos a empresa com cuidadinho. Isto é muito uma ‘almofada para dias de chuva’. Não vamos fazer maluquices mas permite-nos uma maior liberdade e estabilidade quando estamos a negociar. Permite-nos dizer: ‘Não use técnicas de pressão porque connosco não vai funcionar'”, garante.
"Uma ronda de 50 milhões?, pergunto.
‘É fixe’.”
Mas, além de ser garante de liberdade, conseguir uma ronda de investimento é também validação: ao longo dos últimos tempos, e pelos bons resultados obtidos e comunicados, a startup portuguesa teve vários investidores interessados em entrar no capital da empresa. Só que a ronda veio quando a equipa decidiu que sim. “Houve muito interesse mas pudemos escolher o parceiro certo. Levantámos a ronda em condições muito interessantes, com a mesma base de antes: manter sempre o controlo da empresa. A confiança dos investidores dá-nos um selo de credibilidade que nos permite olhar para o futuro de maneira positiva, ainda que com uma perspetiva sempre cautelosa”, assegura.
A ronda de 50 milhões de dólares, mais de 42 milhões de euros, foi fechada há um mês e meio, em pleno verão. É a maior ronda obtida por uma startup portuguesa na história do ecossistema. Mas isso não contenta Nuno.
“Quando, em 2015, houve uma série de anúncios de rondas de investimento fechadas por empresas portuguesas, fiquei com muita esperança. Veniam, Talkdesk, Uniplaces. Mas depois, em 2016, não aconteceu nada. E isso chateia-me. Porque em Silicon Valley e noutras partes do mundo, é banalíssimo. Ninguém te dá os parabéns pela ‘coisa espetacular’. Olho para isto como um ecossistema. O que eu gostava era que amanhã aparecessem mais empresas com sedes em Portugal a fecharem rondas de investimento de milhões”, diz.
Falta de interesse? A culpa é da vontade
Vamos por partes: se nunca como nos últimos cinco anos se falou tanto de startups portuguesas dentro e fora do país, qual é afinal o problema para a ausência de grandes rondas, exits e unicórnios? “Interesse existe”, assegura Nuno. “Tenho investidores meus a olhar processualmente para startups portuguesas. E inclusivamente, alguns que quiseram investir em empresas nacionais que recusaram por uma das condições ser mudarem um dos seus fundadores para os Estados Unidos. Mentalmente, não consigo entender o processo de decisão. Essa parte irrita-me.”
A trabalhar em Silicon Valley, mas sempre em movimento, a Feedzai mantém a sede em Coimbra, Portugal, mas há muito que os Estados Unidos se tornaram sinónimo de muito trabalho e muitos clientes. “Muitas startups vão anunciando rondas de 20 ou 50k, vão vivendo daquilo e não querem fazer o sacrifício difícil de fazer-se ao caminho. Porque tens de estar junto dos cliente. Seja qual for o negócio, as coisas só acontecem se estiveres no sítio certo”, explica.
Foi esse, na opinião de Nuno, o twist que fez com que a Feedzai tenha passado a ser olhada de maneira diferente pelos investidores e pelos concorrentes. “Há dois ou três anos nós ‘sonhávamos’ com alguma coisa. Hoje, temos um caminho que, candidamente, depende da nossa capacidade de realizar“, assinala. Mas, como nunca na vida desta startups, esse reconhecimento é garantido.
“Queremos muito ser líderes de mercado. Imagina, uma empresa tuga com sede em Portugal e ser líder num determinado mercado tecnológico. Sabemos que é muito tramado. Hoje está assim, amanhã pode estar tudo rebentado. Um golo que marcaste ontem não serve para hoje. E o que marcaste hoje não serve para daqui a uma semana. É precisa muita humildade, muito juízo. Mas não ficamos sem ambição.”
Portugal vs Estados Unidos
A equação é simples: a experiência é uma questão de tempo. E o tempo… faz-se esperar. “Em Portugal ainda está muita coisa por montar. Acho que há muita gente a ‘comer bolos’. Como na corrida ao ouro, houve só dois tipos de pessoas que ganharam dinheiro e não foram os garimpeiros: os que vendiam calças — Levi’s — e os que vendiam as pás. As startups angariam pequenos investimentos, vão a eventos, mas falta-lhes conteúdo. Não há garantias de que se trata de um investimento de qualidade. Há muitas startups que se mantêm com duas ou três pessoas durante dois ou quatro anos, alimentadas de forma artificial. Mas às vezes não é empreender nem coisa nenhuma, andam a comer bolos. Há mais gente mais preocupada com ganhar comissões do que com criar valor. Não é por falta de vontade, isto é um negócio”, critica Nuno.
A verdade é que o CEO assinala que uma coisa que distingue os Estados Unidos de Portugal é que, do outro lado do Atlântico, quem está a trabalhar em capital de risco é tudo gente que já teve empresas, que já esteve do outro lado. “Já foram operadores, ou pessoas que já fazem isto há 20 anos. E em Portugal não há pessoas com essa experiência”, diz. Mas não só. “Há outra característica que é mais um fator de sociedade: nos Estados Unidos como na China, por exemplo, a malta quer mesmo ganhar. Todos os investidores querem ter a empresa que vale mais. Conheço pessoas com fortunas, que já não precisavam sequer de trabalhar, mas que fazem diretas, metem-se num avião fora de horas. Porquê? Porque pensam: o que é que eu posso fazer mais?”, garante.
Uma delas faz parte do board de investidores da Feedzai. Nuno recorda a história do dia em que a Oak anunciou a criação de um novo fundo de 600 milhões. Annie Lamont, no fundo de capital de risco desde 1982, estava com o CEO da Feedzai no avião quando, juntos, viram a notícia no jornal. Nuno perguntou-lhe: “Não devia estar a comemorar?”. Annie nem hesitou: “Eu tenho é de trabalhar”, respondeu.
Nos Estados Unidos, perguntam: ‘Como vais fazer negócio? A quem queres que ligue?’. Em Portugal preocupam-se com os papéis.
“São investidores, têm medo de perder. Mas também ao nível de pressão que eles colocam, é astronómica. Dão e pedem. Dizem ‘vamos trabalhar, vamos fazer acontecer’. Nos Estados Unidos, perguntam: ‘Como vais fazer negócio? A quem queres que ligue?’. Em Portugal preocupam-se com os papéis”, diz. E conta mais um exemplo: a primeira ronda de investimento que a Feedzai levantou, em 2011, foi pedido à empresa um plano a cinco anos. “Eu fazia lá ideia de quanto ia faturar nos cinco anos seguintes? Agora, apresentámos a faturação de 2016 e o que esperamos faturar em 2017. E, com base na curva que une os dois, dá para extrapolar para a frente. Sabemos lá o que vai acontecer daqui a cinco anos? O nosso investidor pegou na carteira de startups em que investe e fez uma projeção do que aconteceu ao longo dos anos. Quando há experiência dos investidores é muito mais fácil”, assinala.
Com um ciclo de venda de produto que toca os nove meses, enquanto fecha o ano a equipa da Feedzai já está a preparar o seguinte. “Estamos focados no passo e a olhar para a frente, resguardando as sementes que deitámos”.
Com uma equipa de 360 pessoas e uma faturação que deverá fechar o ano a rondar os 60 milhões, Nuno arrisca dizer que 2018 será o ano dos 100 milhões. “Estamos sempre muito dependentes do último trimestre porque tem uma intensidade astronómica. Temo-nos dedicado sobretudo à mecanização da empresa, é o que é: no final do dia o que importa é fazer acontecer”. A empresa está muito focada agora também em novos mercados: os países da Ásia-Pacífico, e a China, são alvo dos olhares mais atentos. Como um mantra, Nuno Sebastião ecoa a pergunta tantas vezes colocada pelos investidores: “Estás a pôr o nosso dinheiro a trabalhar?”
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