A vice-presidente do grupo parlamentar do CDS defende que se este caso não justifica uma moção de censura, mais nada justificará. E diz que já viu no passado moções de censura por muito menos.
O problema não foi o dinheiro. Foi a descoordenação. A ideia é defendida por Cecília Meireles, deputada do CDS, em entrevista ao ECO, no dia em que os centristas apresentam uma moção de censura ao Governo. No Parlamento, espera o voto contra do PCP e o BE, mas rejeita que, por isso, a moção tenha o efeito contrário ao pretendido — dar uma moção de confiança ao Governo e a António Costa. E se for aprovada? Cecília Meireles não se compromete com nenhuma solução, mas entende que a atual Assembleia da República já passou a “fase” de testar um Governo minoritário PSD/CDS.
Se a moção de censura for aprovada, qual é a alternativa governativa que o CDS apresenta?
Importa perceber se vai ser aprovada ou não e porque é que ela foi apresentada. Quando Portugal passa pelas duas tragédias que passou, nós todos temos que nos perguntar se faz ou não sentido apresentar uma moção de censura. No CDS entendemos que se uma situação tão grave como aquela a que atravessámos não justificasse uma moção de censura ao Governo, então não havia mais nada que pudesse algum dia justificá-la. Muito dificilmente se pode imaginar alguma coisa mais grave do que esta situação que atravessámos. Se for aprovada, naturalmente discutiremos as soluções. Antes de mais é preciso discuti-la [a moção de censura]. Daquilo que podemos perceber, a coligação que suporta o Governo parece mostrar vontade de aprovar aquilo que o Governo fez e não de o censurar. Esse é que é o motivo da nossa divergência e da nossa discórdia.
A moção de censura implica um cenário em que o Governo cai. O CDS prefere eleições antecipadas ou um Governo minoritário PSD/CDS?
Não acho que faça sentido estar a discutir esse cenário. Sobretudo um cenário de um Governo minoritário PSD/CDS que já ultrapassámos noutro momento. O PSD e o CDS assumiram as suas responsabilidades de vitória nas eleições [legislativas de 2015] e houve um entendimento diferente do Parlamento. Desse ponto de vista, já passámos essa fase.
Prefere eleições antecipadas?
Tenho sempre a tendência para não discutir cenários antes de se tornarem realidade. Não faz nenhum sentido estar a discutir um cenário que sabemos que pode não acontecer e, até face àquilo que têm dito BE e PCP, é bastante provável que não aconteça.
O caso não tem gravidade para uma moção de censura? Eu não vejo o que possa ter mais gravidade do que aquilo que se passou.
Então, qual é o efeito desta moção de censura? É encostar o PCP e o BE às políticas do atual Governo?
As situações assumem uma tal gravidade que é preciso pensar para além do efeito prático ou político ou estratégico-político. Aquilo que se passou em Portugal, quer em Pedrógão Grande, quer mais recentemente no norte e no centro do país, representa uma falha gravíssima no princípio da confiança que todos os cidadãos têm de ter no Estado. Significa que o Estado falhou. Falhou na coisa mais essencial e mais básica: garantir a segurança, a ordem pública.
É um ato simbólico do CDS que vai ao encontro do que os portugueses sentem?
É uma censura. Eu vi, durante os anos que estive no Parlamento, fazerem-se muitas moções de censura: contra a política de exploração e de direita, contra a política de cortes, enfim… contra variadíssimas coisas. Mas nenhuma tinha esta dimensão e esta grandeza de consequências trágicas com que, infelizmente, nos deparámos.
Isto não é uma tentativa de politizar uma estratégia. Muito pelo contrário: é simplesmente uma tentativa de que a política reflita uma escala de valores e de indignação que se sentiu e se sente em Portugal. A ideia de que o Parlamento não deve interferir… Muito francamente: foi isso que se passou em Pedrógão e o que se passou depois — a repetição do que aconteceu, ainda que em moldes diferentes — leva a crer que essa estratégia de quase não falar do assunto aqui no Parlamento não nos conduziu por um bom caminho. Conduziu-nos por um mau caminho. Permitiu precisamente que muitas coisas que eram urgentes fazer não tivessem sido feitas.
Pode-se criticar e censurar o Governo sem fazer uma moção de censura. Qual é o efeito prático que o CDS quer ter com esta moção?
Naturalmente, se achássemos que era melhor para o país que o Governo se mantivesse, não apresentaríamos a moção de censura. No nosso ponto de vista, o melhor para o país era que este Governo fosse substituído por outro. Isso é um pressuposto, como é óbvio. Mas também não é uma novidade do ponto de vista da censura. É óbvio que achamos que o melhor para o país seria outro Governo. Logo para princípio de conversa o próprio país também achou, por isso é que não elegeu este. Para se justificar a moção de censura, teria que haver um facto novo. Infelizmente, houve.
Uma das principais críticas que fazem ao Executivo é não ter atuado no curto prazo. Essa situação não piora se o Governo cair? Não é pior para o país o potencial efeito desta moção de censura?
Não, porque se há coisa que o Governo demonstrou é que tem muita dificuldade em agir de uma forma que seja voltada para os problemas e não propriamente voltada para a imagem que dá dos problemas. Muita coisa foi feita a seguir a Pedrógão, mas aparentemente aquilo que era importante ficou por fazer. Diz-me assim: se o Governo caísse ou se houvesse eleições ficávamos com o curto prazo comprometido? Então, por essa lógica nunca mais fazíamos eleições e passávamos a ser uma ditadura. É uma lógica que não pode ser aplicada. Sobretudo quando estamos a falar de um Governo que, reiteradamente, demonstrou que, mesmo perante uma situação de enorme gravidade, não agiu.
Há aqui uma tentativa de gestão política de imagem que foi em direto prejuízo face ao que poderia ter acontecido. Se se tivesse agido logo a seguir a Pedrógão e tivessem sido mudadas algumas coisas essenciais no que toca à coordenação e à condução dos processos, de facto as coisas podiam ter acontecido de forma diferente. Isso merece, sem dúvida, censura. Não podemos aceitar acriticamente que se fale de todo o tipo de funções para o Estado — se há coisa de que este Governo tem falado é do Estado interferir cada vez mais em tudo o que se possa imaginar — e depois naquelas funções que ninguém pode exercer senão o Estado, como a segurança e a justiça, este pareça ausente e tenha falhas desta dimensão. Não é simplesmente aceitável.
Esta moção de censura apareceu num momento em que o país estava de luto, em que não está afastado o cenário de voltar a haver uma tragédia daquelas — o IPMA já alertou para as condições meteorológicas e o Estado já mobilizou mais meios para os próximos dias. É o momento ideal?
Não fazer nada e deixar o Governo agir funcionou bem? Acho que não, acho que foi uma parte grave do problema. O facto de não se ter discutido politicamente o que tinha acontecido, as consequências daquilo que tinha acontecido, as responsabilidades daquilo que tinha acontecido… E o que é que se podia fazer de diferente? O facto de isso não ter sido discutido, e eu compreendi na altura, e por respeito… foi o que nos conduziu a um caminho que não foi o melhor para evitar uma segunda tragédia, pelo contrário.
O que se pode perguntar é se o caso não tem gravidade para uma moção de censura? Eu não vejo o que possa ter mais gravidade do que aquilo que se passou. Não vejo em quê que o Estado pode falhar de forma mais grave ou em quê que tenha falhado de forma mais grave que justifique uma moção de censura. E, com franqueza, de todas aquelas [moções de censura] que tenho visto, estamos a falar de situações bastante menos graves.
Se eu acho que elas [as tragédias] podiam ter sido evitadas, é óbvio também que acredito que um Governo de que o meu partido fizesse parte as poderia evitar.
As tragédias de Pedrógão e de 15 de outubro não teriam acontecido se o PSD/CDS estivessem a governar?
Muitas das perguntas que me faz tem a ver com críticas que são feitas ao CDS sobre a politização das tragédias. A resposta a esses tipos de perguntas é que me conduziria a mim a uma politização das tragédias, porque é óbvio que se eu acho que elas podiam ter sido evitadas, é óbvio também que acredito que um Governo de que o meu partido fizesse parte as poderia evitar. Isso sim, é uma politização da tragédia e, portanto, eu peço desculpa mas eu não quero responder a essa pergunta porque é impossível fazer a história daquilo que não aconteceu. Acho que é possível que estas tragédias não façam parte da vida de um Governo futuro, seja ele de que partido for. Mas para isso é preciso retirar consequências sérias daquilo que se passou. Para que estas tragédias não se repitam é preciso que haja responsabilidades e consequências.
Mas o papel dos partidos é apresentarem uma alternativa. O que teriam feito de forma diferente caso estivessem no Governo?
É isso mesmo que verá amanhã [entrevista realizada esta segunda-feira, um dia antes da moção de censura]. Teremos oportunidade de apresentar, quer do ponto de vista estrutural, quer também do ponto de vista do que pode ser feito no imediato, várias propostas para alterar as coisas. Vamos dar indicação do que seria a nossa alternativa, quer do ponto de vista da prevenção, quer do ponto de vista do combate, quer do ponto de vista da floresta.
No texto da moção de censura falam de incompetência, de descoordenação dos serviços públicos, neste caso específico da Proteção Civil, mas não só. O Governo anterior fez cortes. Uma das acusações que fazem a este Governo é aplicar cortes através das cativações. O problema deste ano está diretamente relacionado com dinheiro ou tem a ver com a coordenação?
Na minha opinião pessoal tem muito mais a ver com um problema de coordenação do que com um problema de dinheiro. É evidente que se os recursos fossem ilimitados as coisas poderiam ser muitíssimo diferentes. Eu acho que agora vale a pena fazer esta discussão, até sobre a alocação de meios entre prevenção e combate, como é que isso é feito, se faltam meios para a prevenção do ponto de vista estrutural. Mas aquilo que se percebe, lendo o relatório [da Comissão Técnica Independente], é que para além dessa discussão de meios há um problema gravíssimo de descoordenação.
Penso que se deve evitar, quando se está perante problemas — sejam eles quais forem, tenham a gravidade que tiverem, sobretudo nos mais graves — atirar dinheiro para os problemas. Porque eu muitas vezes vejo a tentação de dizer: ‘mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro’. Isso só por si não resolve o problema. Eu acredito, e acho até provável que seja preciso mais dinheiro para a prevenção e para o combate, mas vamos discutir para que prevenção, para que combate e para que política florestal. Então aí, depois de discutirmos o ‘como’, discutimos como é que o vamos o financiar. Acho que neste momento temos uma oportunidade absolutamente única, até do ponto de vista do cumprimento das metas…
Simplesmente atirar dinheiro para cima dos problemas não é solução, muito pelo contrário.
Por causa de Bruxelas?
Exatamente. Não acredito que alguém, seja na Europa, seja em Portugal, vá questionar. Seja do ponto de vista conjuntural, para o ano ser preciso mais dinheiro, — até para a indemnização dos danos –, quer do ponto de vista estrutural, se chegarmos à conclusão de que é preciso estruturalmente ter um gasto que se vai repetir todos os anos. Lembro que até do ponto de vista do cumprimento de metas, Bruxelas tem maneiras para que as reformas estruturais, enquanto estão a ser implementadas, não contem. Portanto, duvido que alguém neste momento dissesse: ‘não é possível fazer-se por falta de meios’. Neste momento toda a gente percebeu a importância fundamental deste problema.
Vale a pena fazer este alerta: discutir os meios sem discutir em que é que vão ser utilizados é estarmos a ter uma discussão muito pobre. A verdadeira discussão não é uma discussão de meios, é uma discussão de saber o que é que vamos fazer com eles. Simplesmente atirar dinheiro para cima dos problemas não é solução. Muito pelo contrário.
Uma das medidas que saiu do Conselho de Ministros de sábado é que o Estado vai ter uma participação na rede SIRESP. O CDS concorda com esta medida? Acha que deve ser nacionalizado?
Essa é uma medida nova do ponto de vista deste Governo. Há algum tempo não achava isso. À partida, não somos contra essa ideia de que o SIRESP passe a ser público. Eu aplico ao SIRESP a mesma lógica que aplico a muita coisa: não tenho à partida um preconceito contra o facto de ser público, como não tenho à partida um preconceito contra o facto de ser privado. Tenho um preconceito, ou um conceito muito grande, a posteriori, contra o facto de não funcionar e funcionar muito mal. Aquilo que me parece importante em relação ao SIRESP, ou um qualquer meio integrado de comunicações entre as diversas forças, aquilo que nós queremos é que funcione. Se funciona melhor sendo público, então que seja público; se funciona melhor que seja privado, que seja privado. Aquilo que é importante é que funcione naquilo que não funcionou.
Mas vai funcionar melhor por ser público? Por o Governo poder ter algo a dizer?
O Governo já tinha qualquer coisa a dizer, suponho eu, porque quando se tem um contrato com privados têm-se alguma coisa a dizer em relação ao que se pode exigir. Ali, o que se pode exigir é que funcione. Se o contrato estava mal feito de inicio, — e isso o senhor primeiro-ministro saberá explicar melhor do que qualquer um de nós –, se é preciso corrigir, corrija-se. Se a melhor forma de corrigir é assumir uma participação, não temos nenhum problema em que seja público. Temos um problema gravíssimo que é com o facto de não funcionar.
Outra das medidas passa por fazer um concurso público para a nomeação dos cargos da Proteção Civil. É uma medida que o CDS apoia?
Parece-me uma boa ideia. Pena que não tenha sido posta em prática precisamente quando foram escolhidos os novos [responsáveis]. Nunca foi posto em prática no anterior, mas se há coisa em que o Governo anterior fez alguns avanços, foi na maneira como são escolhidas as pessoas e, por exemplo, introduzir um órgão (CRESAP) que este Governo menorizou completamente — para não usar a palavra desmantelar que a esquerda parece gostar tanto. Nunca mais ninguém ouviu falar de pareceres da CRESAP e de pareceres desfavoráveis da CRESAP. Transformou-se aquilo que era um órgão quase de fiscalização política numa direção-geral de recursos humanos e de pareceres.
Às vezes perdemos muito tempo antes de conseguir pôr as ajudas no terreno e na prática.
Em relação ao Orçamento do Estado para 2018, o CDS poderá propor algum tipo de apoios e benefícios fiscais para as empresas que tenham sido afetadas por estes incêndios?
Acho perfeitamente razoável que se espere que o CDS proponha, do ponto de vista orçamental, várias maneiras — e penso que serão consensuais — de se conseguir indemnizar os danos. E podemos estar a falar quer do tratamento fiscal das despesas, quer do tratamento fiscal dos donativos, quer das taxas e emolumentos necessários, porque muitas vezes nas reconstruções estamos a falar de casas que não estão ainda nos nomes das pessoas porque houve sucessões e partilhas. Problemas que existem em Portugal, que são difíceis e que custam tempo e dinheiro.
Mas poderá ir mais além? Por exemplo, no OE2017 foi aprovada uma medida pela esquerda em que o IRC era mais baixo para as PME que fossem para o interior. Poderá haver algo semelhante para as zonas afetadas?
Esse benefício já foi testado muitas vezes e já existiu em Portugal várias vezes em relação ao interior. À partida, a ideia parece-me boa. Tenho muitas dúvidas dos resultados na prática pelo passado que temos. Mas, como lhe disse, a nossa abertura às propostas, quer orçamentais quer outras nesta matéria, é total. Para nós é essencial que a ajuda e as indemnizações cheguem o mais depressa possível às vítimas. Quando olhamos, por exemplo, para a Galiza que teve incêndios na mesma altura, no mesmo dia, e quatro ou cinco dias depois já tinha um plano aprovado que incluía indemnizações às vítimas, percebemos que às vezes perdemos muito tempo antes de conseguirmos pôr as ajudas no terreno.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Cecília Meireles: Problema dos fogos “tem muito mais a ver com coordenação do que com dinheiro”
{{ noCommentsLabel }}