Apenas sete organismos públicos têm sede no Porto
A polémica está instalada à volta da transferência da sede do Infarmed de Lisboa para o Porto. E o que é que o Porto tem? Tem apenas a sede de sete organismos públicos e alguns são "fictícios".
A eventual ida do Infarmed para o Porto deixou o presidente da autarquia, Rui Moreira, satisfeito, mas os festejos parecem resumir-se apenas aos Aliados. A descrença de que a medida — que foi vista como uma moeda de troca pelo facto de o Porto ter perdido a sede da Agência Europeia do Medicamento (EMA) para Amesterdão — venha mesma a avançar, e sobretudo que esta se traduza de facto numa descentralização, parece sobrepor-se ao regozijo que seria natural das gentes do Porto. Se a sul a medida tem causado polémica, a verdade é que a norte tem sido vista com algum ceticismo. Um ceticismo explicado pelo pequeno número de instituições públicas com sede no Porto.
O ECO foi tentar perceber quantos organismos públicos existem no Porto e, apesar da pouca informação que existe sobre o tema, a verdade é que se contam pelos dedos das mãos os organismos públicos com sede efetiva na segunda cidade do país. São sete. Sim leu bem, são apenas sete as entidades nacionais com sede a norte do país: IAPMEI, Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD, vulgo banco de fomento), Agência Nacional de Inovação, Entidade Reguladora da Saúde, Aicep, Portugal Ventures e Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social.
Mas mesmo dentro destes sete organismos nem todos são “efetivos” no Porto. Mas vamos por partes.
A AICEP — que resulta da fusão entre o ICEP e a API (entidade que chegou a ser liderada pelo ex-ministro das Finanças, Miguel Cadilhe) — tem a sede no Porto mas, na prática, a maior parte dos seus serviços e a própria administração estão concentrados na capital. O mesmo sucede, de resto, com o IAPMEI e, neste caso, é assim há anos.
A Portugal Ventures, a capital de risco do Estado português, tem também a sua sede na Invicta. Fonte próxima a estas entidades adiantou ao ECO que “organismos como a Aicep, Portugal Ventures, IAPMEI, ANI e Banco de Fomento têm a sua sede no Porto por causa da elegibilidade dos fundos comunitários, porque o Porto está numa zona de coesão ao contrário de Lisboa”. As mesmas fontes acrescentam que “as delegações desses organismos, com exceção do Banco de Fomento, são maiores do que a própria sede”.
No caso da Agência Nacional de Inovação, presidida por José Carlos Caldeira, tem os seus principais serviços no Porto, mas tem também uma delegação em Lisboa. Aliás, fontes próximas à agência sublinham que “só com a presidência de José Carlos Caldeira é que a ANI se voltou para a cidade do Porto”.
O Banco de Fomento tem a sua atividade concentrada a norte. Liderado pelo economista Alberto Castro, também ele do Porto, a instituição foi criada de raiz na Invicta. Hoje emprega cerca de 37 pessoas. Para o presidente da IFD, “um eventual exercício de descentralização não pode estar apenas dependente da criação de novos organismos, caso contrário não acontece”.
“Não precisamos da sede do Infarmed. A sede pode continuar em Lisboa, desde que os serviços sejam, de facto, descentralizados, ao contrário do que que acontece no Porto com as sedes do IAPMEI e a AICEP, por exemplo”, disse o chairman do Banco de Fomento. “Obviamente que as entidades da administração pública que precisam de ser relocalizadas são processos que acarretam algum ruído, mas a verdade é que esse ruído nunca é tão grande quando se trata de mudar organismos para a capital”, refere Alberto Castro.
Não precisamos da sede do Infarmed, a sede pode continuar em Lisboa, desde que os serviços sejam de facto descentralizados.
Também a norte está a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Esta opera apenas no Porto e emprega entre 70 a 80 pessoas. Eurico Castro Alves, ex-presidente do Infarmed e um dos coordenadores da candidatura do Porto à Agência Europeia do Medicamento (EMA) adianta que “a ERS deve ser a única entidade que tem sede e verdadeiramente atua a partir do Porto”.
Para o ex-presidente do Infarmed, a transferência deste regulador para o Porto é muito importante na medida em que implica uma descentralização, mas “é preciso assegurar que não se estraga a vida a ninguém, sobretudo aos funcionários do Infarmed”. Para Castro Alves, “a medida deve ser implantada com tempo, sem pressas”.
A Entidade Reguladora da Saúde deve ser a única entidade que tem sede e verdadeiramente atua a partir do Porto
Eurico Castro Alves diz mesmo que “o Infarmed precisa de novos serviços e podem ser esses a vir para o Porto”. E dá mesmo um exemplo: “É preciso regular os suplementos alimentares, porque não começar por aí'”.
No Porto existe ainda o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social que conta com 28 funcionários (apenas um está em Lisboa) e três membros do Conselho de Administração.
A importância de ter administradores do Porto
Um dado parece certo: as grandes instituições públicas que foram ou são lideradas por homens do norte estão mais vocacionadas para olharem para a cidade do Porto e até para aí se localizarem. Foi assim com a criação da Agência Portuguesa do Investimento, então liderada por Miguel Cadilhe, é assim com a Agência Nacional de Inovação. E até no caso da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que a semana passada anunciou o fecho da delegação do Porto, esta é uma realidade que se aplica. Carlos Alves, um ex-membro do conselho de administração da CMVM, é um homem do Porto e durante anos “segurou” aquele organismo no norte.
Mas esta é também uma realidade extensível às entidades privadas. Veja-se o caso da Euronext no Porto. A Euronext saiu de Belfast para o Porto, onde instalou o seu centro tecnológico. Manuel Ferreira da Silva, ex-administrador do BPI e administrador não executivo do Euronext adianta que, “obviamente, que é importante ter pessoas do Porto, porque assim quando se fala de Portugal não se pensa apenas em Lisboa, mas também no Porto”. Foi de resto, por isso, que a cidade do Porto terá sido escolhida para ter mais de 140 postos de trabalho.
“Não foi o único elemento, mas quando se pensou em realizar visitas fizemo-lo em Lisboa e no Porto”, adianta.
O Porto entrou tarde na corrida à EMA e, mesmo assim, apresentou uma candidatura em tempo recorde e conseguiu colocar a cidade no mapa dos investidores, porque demonstrou as suas reais capacidades, que poderão agora ser canalizadas para o Infarmed.
E o que pensa Ferreira da Silva sobre a polémica à volta do Infarmed? Sem querer entrar no conflito, o ex-administrador do BPI diz que: “O Porto entrou tarde na corrida à EMA e, mesmo assim, apresentou uma candidatura em tempo recorde e conseguiu colocar a cidade no mapa dos investidores, porque demonstrou as suas reais capacidades, que poderão agora ser canalizadas para o Infarmed”.
O exemplo de outros países
Luís Aguiar Conraria, professor da Universidade do Minho, diz que a transferência do Infarmed de Lisboa para o Porto pode ter duas leituras. “Por um lado, concordo com a medida da deslocalização e, se for bem feita, não penso que traga grandes problemas. São cerca de 300 que, caso não queiram ir para o Porto, podem ser absorvidas pelos inúmeros institutos e faculdades que existem em Lisboa. Mas, por outro lado, também penso que se fosse funcionário do Infarmed e soubesse da notícia pelos jornais não ia gostar”, afirma o economista.
Para Luís Aguiar Conraria, “se a medida for bem feita é perfeitamente concretizável e é uma boa medida de desenvolvimento regional”.
O economista lembra ainda que fez recentemente um levantamento sobre países europeus e, ao contrário de Portugal onde as sedes dos grandes organismos estão centralizadas em Lisboa, lá fora isto não acontece. O Tribunal Constitucional está em Lisboa, na Holanda fica em Haia. O Supremo Tribunal está em Lisboa, na Alemanha está em Karlsruhe. O Banco de Portugal está na capital, já o banco central alemão fica em Frankfurt e não em Berlim. E a lista podia continuar, desde a ERSE, à ASAE, ao LNEC passando pela Companhia Nacional de Bailado…
No privado a realidade ainda é diferente
O Porto, conhecida como a capital do trabalho, foi em tempos o reduto principal da banca nacional. O BCP já teve a sua sede oficial no Porto. Hoje continua na Praça João I mas a administração está concentrada em Lisboa e já nem as assembleias gerais são feitas a partir da Invicta.
No caso do BPI, a entrada do CaixaBank pode alterar a configuração. Mas para já a sede do banco é no Porto, se bem que a administração esteja cada vez mais longe da Rua Tenente Valadim. Em tempos idos, também o BPA, que mais tarde foi absorvido pelo BCP, tinha a sede a norte.
No mundo das empresas, a Sonae continua a ser o grande bastião a Norte, logo seguida pelo grupo Amorim, Mota-Engil, Efacec, BA Vidro, Salvador Caetano, Cin, Super Bock Group, entre outras.
Já no mundo associativo, a AEP tem sede em Matosinhos, e as principais associações setoriais estão sediadas a norte. No caso do têxtil, a associação do setor está concentrada em Famalicão, onde se situa grande parte da indústria. No caso do calçado, a APICCAPS, tem sede no Porto, o mesmo acontecendo com o setor metalúrgico. Já a cortiça tem sede em Santa Maria de Lamas, paredes meias com a maior empresa do setor, a Corticeira Amorim.
Artigo de atualizado com o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, que eleva para sete o número de organismos públicos no Porto.
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