São muitos os êxitos de Belmiro. Menos estes cinco negócios
Tem um percurso de êxito como poucos, mas Belmiro colecionou alguns flops que vão ficar na história do país. Como a OPA falhada à PT ou o negócio que o fez cortar relações com o ministro da Economia.
Belmiro de Azevedo foi um dos empresários portugueses mais bem-sucedidos, mas o seu percurso nos negócios não é imaculado. Longe disso. Desde a má experiência no Brasil ao falhanço da oferta pública de aquisição (OPA) sobre a PT, passando pelo corte de relações com antigo ministro da Economia, Carlos Tavares, o antigo presidente da Sonae colecionou um conjunto de “flops” que, em muitos casos, até engordaram a sua carteira.
Um cheque de 12 mil milhões que não chegou para comprar a PT
A história resumida seria mais ou menos assim: Belmiro de Azevedo apresentou um cheque de 11,8 mil milhões de euros para comprar a Portugal Telecom em 2007. Mas a milionária proposta não chegou para convencer os acionistas, entre os quais estava o Estado (através da golden share). Porque não foi bem-sucedido? Belmiro de Azevedo confidenciou um dia que chegaria a viver tempo suficiente para perceber as razões que levaram a sua OPA ao falhanço. E de alguma forma obteve respostas às suas dúvidas.
Foi uma jogada de risco como aquelas a que Belmiro já estava habituado e a parada estava alta: a 6 de fevereiro de 2006, a Sonaecom lançou uma OPA hostil sobre a PT no valor de 11,1 mil milhões de euros. Apercebendo-se que teria de acenar com mais dinheiro para chamar a atenção de mais acionistas, um ano depois tratou de engordar o cheque com mais 700 milhões de euros: 11,8 mil milhões de euros. Seria o maior negócio de sempre em Portugal. Mas não chegou a ser.
Mesmo para o mais ambicioso Belmiro, a magnitude da operação requereu operações diplomáticas junto do Governo. “Foi a única vez que, com o meu filho Paulo, e pela dimensão do projeto, decidi ir falar com o primeiro-ministro, por uma razão simples: era uma OPA hostil e um dos acionistas era o Estado, com uma golden share. Se o Governo nos tivesse dito nessa altura que não, que seria contra a venda da PT, nós não teríamos lançado a operação. [Sócrates] ficou muito espantado e elogiou imenso a ousadia da Sonae. Por isso, avançamos”, lembrou o empresário, pouco tempo depois de a OPA da Sonaecom ter falhado redondamente com o chumbo numa assembleia geral da PT, realizada em março de 2007.
Para o então presidente da Sonae, o falhanço da OPA tem um rosto: José Sócrates. Acusou o antigo primeiro-ministro de ter dado ordens à Caixa Geral de Depósitos para votar contra a milionária proposta da Sonae. “Perguntei a cinco antigos presidentes da CGD quem mandava em situações como aquela e todos me disseram o mesmo: a independência da administração é total, exceto relativamente à EDP, Galp e PT. Não tenho, pois, dúvidas de que o voto contra da Caixa, na Assembleia Geral que chumbou a OPA, foi ditado pelo Governo. Todos os sabem. E estou convencido que ainda vou ter vida suficiente para saber exatamente como tudo se passou nos bastidores“, dizia Belmiro de Azevedo.
De alguma forma, o tempo veio dar-lhe razão. Em 2015, os investigadores do Ministério Público começaram a investigar o falhanço desta OPA. Este ano, quando foi conhecida a acusação da Operação Marquês, soube-se que José Sócrates é suspeito de ter recebido, de Ricardo Salgado, seis milhões de euros para que o então primeiro-ministro travasse a OPA à PT.
Carlos Tavares travou compra da Portucel em 2002
Foi outro dos grandes confrontos de Belmiro de Azevedo com o poder político. Estávamos em 2002 e o Governo pretendia privatizar a papeleira Portucel, onde detinha uma posição de 56%.
Entre os naturais interessados estava a Sonae, na altura o segundo maior acionista da papeleira portuguesa com 25% do capital. Para Belmiro, era tudo ou não: queria ter o controlo absoluto, ter o poder de decidir o futuro da empresa que trabalhava num setor que a Sonae bem conhecia. Mas essa não era a intenção do ministro da Economia, Carlos Tavares, que definiu através do modelo de privatização que a Portucel “não deverá ser dominada por um único acionista”. “Temos de nos habituar a que os acionistas partilhem o poder”, frisava Tavares.
As palavras do ministro foram consideradas por Belmiro como uma clara orientação política numa privatização que deveria seguir as regras do mercado ou que, pelo menos, favorecesse um grupo português. Por isso mesmo, o então presidente da Sonae cortou relações com Carlos Tavares, acusando-o de revelar frustração por nunca ter gerido uma empresa. “O Governo poderia fazer o que é normal, que é proteger um grupo português (…). Houvesse uma grande empresa portuguesa para privatizar que fosse para portugueses”, declarou Belmiro de Azevedo numa entrevista ao Semanário Económico publicada na altura.
De fora da corrida pela Portucel, a Sonae vendeu a sua posição em 2004 por cerca de 300 milhões de euros, depois de aceitar a proposta de aquisição da Semapa, de Pedro Queiroz Pereira. Anos mais tarde, Paulo Azevedo reconhecia ao Jornal de Negócios que “felizmente não ficou mal entregue”. Hoje em dia a Portucel chama-se Navigator. É uma das maiores papeleiras do mundo.
Samba no Brasil correu mal
Poucos anos depois de ter iniciado no setor do retalho e distribuição em Portugal, a Sonae tentava internacionalizar-se neste segmento. Destino: Brasil. Foi lá que comprou parte da CDR em 1989 e, embora tenha adquirido depois a totalidade deste grupo, a operação brasileira nunca trouxe o retorno desejado para Belmiro de Azevedo.
A verdade é que os grandes grupos de retalho nacionais raramente singraram no Brasil, incluindo a rival de sempre da Sonae, a Jerónimo Martins. E por várias vezes o próprio Belmiro foi dizendo que não recusaria uma proposta pelo seu negócio de distribuição que fosse suficientemente atrativa. Ela apareceu.
Quando anunciou o desinvestimento no mercado brasileiro, em 2005, a Sonae enunciou “dificuldades da operação em apresentar níveis de rendibilidade superiores ao elevado custo de capital empregue naquele mercado”. Isto além da concorrência apertada e “desleal”.
Através da Modelo Investimentos Brasil, o grupo português vendeu todas as lojas que detinha naquele mercado por 635 milhões de euros ao grupo americano Wal-Mart, tendo garantido que não voltaria a lá investir tão cedo.
Quando entregou o comando da TVI a Moniz
Se hoje se insurge veementemente contra a compra da Media Capital pela francesa Altice, há uns anos era a Sonae que procurava alargar os seus interesses nos conteúdos televisivos. Mais concretamente em 1998, tinha a TVI cinco anos de vida, quando Belmiro de Azevedo assumiu uma posição de destaque dentro da estação de Queluz.
Em junho desse ano, a Sonae associou-se à Cisneros e à Lusomundo para ficar com a gestão daquele canal. E foi por indicação de Belmiro de Azevedo que José Eduardo Moniz assumiu funções como diretor-geral da estação.
Ainda assim, a aventura da Sonae na TVI acabaria por não durar muito tempo. A Media Capital de Pais do Amaral açambarcou as posições de referência daquelas três empresas e passou a deter mais de 90% do capital da TVI.
Do núcleo forte ao núcleo mole com OPA do BCP ao BPA
É a história de mais um capítulo em que as coisas não correram de feição a Belmiro de Azevedo.
Em 1992, na sequência do processo de privatização do Banco Português do Atlântico (BPA), a Sonae vislumbrou a oportunidade para controlar um banco português. E a verdade é que, durante algum tempo, manteve essa expectativa, já que contava com um grupo de aliados poderosos, entre eles grupo Mota, a Riopele, a RAR, Ilídio Pinho, a Soares da Costa, a Valongo, a Maconde, a Quintas e a Salvador Caetano.
“Quando a Sonae entra no BPA, a sua intenção era ser uma acionista de referência do maior banco português e, se possível, controlar. Estes eram os objetivos fundamentais. Ainda que fosse importante a alavanca poderosíssima que seria esse controlo para o resto dos negócios da Sonae”, recorda Magalhães Pinto, quadro do BPA, no livro que conta os 50 anos da história da Sonae.
Mas a administração do banco liderado por João Oliveira queria que fossem os quadros a mandar no banco — tal como acontecia no alemão Deutsche Bank. E a perfeita distribuição do controlo do capital do BPA pelos vários acionistas permitiu essa gestão independente durante algum tempo. Até que o BCP lançou uma primeira OPA em 1995, sem grandes resultados.
Tentou-se blindar os estatutos do banco para evitar uma nova OPA no futuro. Administração e acionistas estavam de acordo, todos menos a Sonae, maior acionista com 9% do BPA, que queria ter controlo total da instituição.
No livro dos 50 anos da Sonae, conta-se que terá sido o ministro das Finanças da altura, Eduardo Catroga, a convidar o BCP para lançar um novo ataque ao BPA. “O BCP responde afirmativamente deixando quase todos os acionistas aliviados. Só a Sonae está descontente, batalhando até ao último momento para evitar o sucesso da OPA, agindo de modo próprio, quase sem aproximação à administração do banco e, a certa altura, contando com o apoio do BPI”, recorda o livro. Belmiro só se deu por vencido quando o BPI foi informado de que o governo não autorizava a operação.
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