Ao ECO24, o patrão da Mota-Engil apelou a um acordo político no plano das obras públicas. Falou ainda de Paulo Portas e de Angola, garantindo não estar surpreendido com as demissões.
Mudam os governos, mudam as prioridades. Por isso, António Mota, presidente do grupo Mota-Engil, considera que “é preciso haver um pacto de regime para o setor da construção”. A ideia foi defendida esta quarta-feira pelo empresário, numa entrevista ao programa ECO24, do ECO e da TVI24. António Mota incentiva, assim, o PS e o PSD a um entendimento no plano da construção e das obras públicas, numa altura em que o Governo de António Costa já lançou a escada ao PSD para um acordo no âmbito do Portugal 2030.
Ao longo de uma hora, o patrão da Mota-Engil defendeu que o setor ainda não assiste a uma verdadeira retoma em Portugal, ao contrário do que já se verifica noutros mercados, apontando como prioridades o alargamento da via-férrea, a conclusão do plano de regadio e o abastecimento de águas. Quanto à construção de um novo aeroporto, disse ser “um problema entre um investidor privado [a ANA – Aeroportos de Portugal] e o Estado”. A obra irá acontecer quando esse investidor quiser, “sem custos para o Estado”, pois “é uma obra privada”.
Para António Mota, a verdadeira questão está nas obras públicas. “Foi uma asneira ter-se parado os caminhos-de-ferro. É preciso ligar a Espanha, é preciso ligar Porto a Lisboa sem termos de parar comboios na estação. É preciso ter solução para isso”, disse. No plano das autoestradas, falta “ligar Coimbra a Viseu, pois “a estrada da morte tem de desaparecer”. Questionado sobre se o “desaparecimento do setor da construção” resultou de um excesso de investimento sem rentabilidade, António Mota retorquiu: “Eu não sei se haveria tanto turismo sem infraestruturas. Se houve algum excesso? Se calhar houve. É preciso é planeamento ao longo do tempo. Vem um Governo e muda as prioridades, vem outro Governo e muda as prioridades”.
Haverá dinheiro em Portugal para todas as obras? “Temos de aproveitar os fundos. A alta velocidade [ferroviária] é financiada pelo [Portugal] 2020. O regadio é financiado pelo 2020. E não podemos estar sujeitos à seca nem à falta de água”, apontou o empresário português. Mas é preciso não cometer os erros do passado. Até porque António Mota reconheceu que, talvez, tenha havido demasiada obra ao mesmo tempo. “Houve muita concentração em determinado período? Se calhar houve. Devia ter havido mais programação para fazer as obras ao longo do tempo”, confessou.
“António Mota é o campeão nacional da construção? É, porque não há campeonato”
Em 2016, a Mota-Engil faturou 2,2 mil milhões de euros, a grande maioria no estrangeiro. O grupo atua também na área dos serviços e do ambiente, mas é a construção a sua principal atividade. Apesar de ainda não ver retoma do setor em Portugal, António Mota mostrou-se confiante de que isso será visível já a partir do ano que vem. “2018 vai ser um ano de lançamento de novas obras, mas o grande crescimento vai dar-se em 2019”, disse. Porque as obras de recuperação urbana em Portugal existem, mas são “de pequena dimensão” e não chegam para a Mota-Engil. E, para já, o foco continua a ser o estrangeiro: “Vamos crescer em África e na América Latina. Polónia também já começou a crescer. Esperamos crescer em 2019”, perspetivou.
Para explicar a queda do setor, o empresário muniu-se de uma lista das “25 maiores empresas de construção em 2006”. Como estarão hoje? “Das 25 maiores em 2006, sobraram sete, uma das quais espanhola. 19 desapareceram. O setor da construção desapareceu”, reiterou. Pôs ainda em causa o muito falado lóbi das construtoras. “Será que era lóbi? Será que havia tanta força quanto isso? Faliram todos. E os que não faliram era porque estavam lá fora”, frisou António Mota. Posto isto, disse que alguns empresários afiram que “o António Mota é o campeão nacional da construção”. Mas isso “é porque não há campeonato”.
2018 vai ser um ano lançado de novas obras, mas o grande crescimento vai dar-se em 2019.
Uma empresa nacional com sabor local
Apesar de estar cotada na bolsa de Lisboa, António Mota afirmou também que o grupo Mota-Engil é hoje “mais internacional do que português”. “Nascemos em África. A nossa primeira internacionalização foi feita em Portugal. Não gosto de dizer que sou internacional. Sou português em Portugal, polaco na Polónia. Somos uma empresa local, não somos uma empresa internacional. Quando a obra é minha, não dizem que foi feita pelos portugueses: dizem que foi o Mota”, argumentou.
E sublinhou: “Temos a nossa cultura própria empresarial e conseguimos fazer uma miscelânea entre portugueses e locais. Hoje temos tanto polacos a trabalhar em Angola como peruanos a trabalhar em Moçambique. E ninguém em África nos considera uma empresa estrangeira”. Atualmente, de toda a faturação da Mota-Engil, 75% é feita lá fora. Mas olhando apenas para a construção, “mais de 80% é fora do país e cerca de 18% é em Portugal”, lembrou o empresário.
Não gosto de dizer que sou internacional. Sou português em Portugal, polaco na Polónia. Somos uma empresa local, não somos uma empresa internacional. Quando a obra é minha, não dizem que foi feita pelos portugueses: dizem que foi o Mota.
Trabalho de Paulo Portas “está a correr melhor” do que o esperado
No início do verão de 2016, soube-se que Paulo Portas fora contratado pela Mota-Engil para ajudar no crescimento do grupo no mercado latino-americano. Volvido mais de um ano, António Mota revelou ao ECO24 que o antigo vice-primeiro-ministro “não foi contratado só para a América Latina”, mas “por ter um conhecimento geoestratégico enorme” que é “muito válido na América Latina”, mas também noutros mercados. Isto é, não só nos países onde a construtora já está, como “nos países onde pretende penetrar”.
Paulo Portas, que chegou a ser acusado de influenciar um concurso público para adjudicar uma obra da Nato à Mota-Engil (acabou ilibado pelo Tribunal Fiscal e Administrativo de Leiria), foi contratado pela empresa graças aos seus “inúmeros contactos”, disse António Mota. E o que dizer do trabalho que tem vindo a ser feito? “Neste momento está a correr melhor do que eu pensava”, afirmou o patrão da Mota-Engil.
“Fico satisfeito se me deixarem ganhar dinheiro”
Outro dos temas abordados na entrevista foi a situação económica do país. “A economia está com sinais positivos. Criou-se um espírito de esperança”, disse António Mota, considerando que Portugal precisava de “um novo discurso” político. “As coisas estão hoje bem melhores do que se tivéssemos continuado o mesmo caminho”, atirou.
No Orçamento do Estado, o Governo acabou por ceder à esquerda e incluir no documento o aumento da derrama do IRC para as grandes empresas, uma medida que deverá passar parte da fatura às cotadas do PSI-20. Ainda assim, António Mota afirmou: “Preocupo-me pouco com os impostos. Preocupo-me mais em ganhar dinheiro. As empresas precisam de ser rentáveis para poderem contribuir para os impostos. É óbvio que gostaria de pagar menos impostos, mas pago mais impostos lá fora, com 85% da faturação no estrangeiro.”
Considerou ainda que as empresas pagam poucos impostos (“se todos pagássemos um bocadinho, se calhar havia mais alívio, afirmou), mas disse ficar satisfeito se lhe “deixarem ganhar dinheiro”. Garantiu manter, ainda assim, uma perspetiva de que no futuro haja razões para pagar menos impostos, devido ao eventual crescimento da economia. E reiterou: “Entendo que seja necessário nesta altura, desde que seja para o futuro ser mais risonho.”
Preocupo-me pouco com os impostos. Preocupo-me mais em ganhar dinheiro.
Sobre se o crescimento económico está demasiado dependente do turismo, António Mota apontou: “O turismo, neste momento, é impulsionador do crescimento significativo de Portugal.” Mas alertou: “É preciso dar mais apoio às empresas a nível de internacionalização. A economia moderna tem de conviver com a economia antiga. Não vai ser ela que vai absorver o desemprego. Vai ser o crescimento da economia.” Pediu mais “apoio ao consumo” e “à internacionalização das empresas”. E voltou a lançar números: a construção, seja diretamente através das empresas, seja pelas subsidiárias, é uma indústria de dez mil milhões de euros. A construção pode, assim, “ser um polo de desenvolvimento” para o país, garantiu o empresário.
Questionado sobre se o setor da banca ainda é o calcanhar de Aquiles da economia portuguesa, António Mota disse: “A banca tem alguns sinais de melhoria, mas para as empresas portuguesas, a falta de dimensão da banca portuguesa é um problema”. Apenas 40% do financiamento da Mota-Engil é atribuído pelos bancos nacionais, revelou também.
Demissão de Isabel dos Santos da Sonangol não foi surpresa. “Iria ter de acontecer”
O último tema abordado foi a situação política em Angola, poucos meses depois de João Lourenço ter assumido a Presidência, sucedendo ao histórico Chefe de Estado angolano José Eduardo dos Santos. O período foi marcado por diversas demissões de figuras ligadas ao antigo Presidente, incluindo a de Isabel dos Santos da Sonangol, a petrolífera estatal que era controlada pela filha do Presidente da República.
Demissões que não surpreenderam a António Mota, nem mesmo a de Isabel dos Santos: “Iria ter de acontecer. Se eu pensava que todas seriam feitas no prazo de um mês? Claro que não. Mas achava que, ao fim de um ano, tinha de estar tudo feito. O presidente João Lourenço está a fazer tudo para, efetivamente, assumir a Presidência angolana.”
“Há um sentimento novo em Angola. O povo está contente. Há uma coisa de que ninguém se pode esquecer: o Governo vem de uma guerra. O Presidente José Eduardo dos Santos fez um excelente trabalho. Julgo que encontrou um sucessor que vai fazer tão bem quanto ele. João Lourenço tem capacidades e tomou um conjunto de medidas que poucas pessoas pensaram que seriam possíveis”, disse ainda António Mota. Mas este mercado já pesou mais nas contas da construtora. Para a Mota-Engil, Angola representa agora uma fatia de 50% daquilo que é a faturação no continente africano. “Há quatro anos, Angola representaria 70% e, anteriormente, 80%”, indicou o empresário português.
As faturas em Angola são todas do sexo feminino: só dão à luz nove meses depois.
Sobre eventuais dificuldades nos pagamentos vindos de Angola, António Mota considerou ser uma situação normal. “Sempre foi assim. Uma das críticas que se ouve muito é que Angola paga atrasado — a novidade é que já pagou em dia. Mas uma coisa que Angola sempre faz é que paga tudo. Tem é o seu tempo. Costumo dizer em brincadeira: as faturas em Angola são todas do sexo feminino. Só dão à luz nove meses depois”, ironizou.
Terminou com alguns alertas, considerando que o processo que decorre na Justiça portuguesa e envolve Manuel Vicente, ex-vice-Presidente de Angola, “está a afetar as relações” bilaterais. “É bom que haja bom senso aqui em Portugal. Resolvam o assunto”, concluiu o presidente do conselho de administração da construtora Mota-Engil.
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António Mota: “É preciso haver um pacto de regime para o setor da construção”
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