Para o economista-chefe da Schroders, há muitas semelhanças entre os dois países. Daí não estar surpreendido com o mesmo nível dos juro das obrigações. Centeno no Eurogrupo? "Vai ser útil a Portugal".
O economista-chefe da Schroders está surpreendido com o desempenho da economia portuguesa. “É melhor do que podíamos esperar”, admite Keith Wade em entrevista ao ECO. O responsável de uma das maiores gestoras de ativos do mundo diz que “há muitas semelhanças entre Portugal e Itália” e, por isso, não o surpreende que os dois países apresentem o mesmo nível de risco. E Mário Centeno na liderança do Eurogrupo vai ser positivo para Portugal.
Está surpreendido com a geringonça?
Não estou tão por dentro da parte política em Portugal.
E com o desempenho da economia?
Sim, tem sido surpreendente. Tem sido interessante que Portugal tenha ido contra a austeridade, tenha terminado com a austeridade e dado início à devolução de parte dos rendimentos como a atualização das pensões. Parece que está a ajudar bastante a economia. Há outras coisas que estão a acontecer ao mesmo tempo. Tem sido interessante porque antes tudo estava centrado na austeridade, em todo lado, incluindo no Reino Unido, mas ficou demonstrado que a austeridade, em várias formas, trava o crescimento.
É verdade que Portugal continua a ter uma elevada dívida pública. Mas o que Portugal está a demonstrar é que é possível ter crescimento e melhorar a posição orçamental. O défice deverá ficar nos 1% no próximo ano e isso é um resultado tremendo tendo em conta a posição de onde Portugal veio. Por isso, Portugal tem sido uma surpresa. Melhor do que podíamos esperar.
É um crescimento sustentável aquele que estamos a assistir em Portugal?
Eu creio que seja sustentável. Estamos perante um bom momento na Zona Euro. Melhoramos inclusivamente as nossas previsões económicas para a região para um crescimento de 2,5% no próximo ano. Será um bom desempenho e Portugal vai beneficiar desse crescimento. As exportações portuguesas estão a crescer e o mercado europeu representa uma boa parte dessas exportações.
Mas devo sublinhar que o fim do programa de compras de ativos do Banco Central Europeu, que deverá ser um acontecimento-chave no próximo ano, deverá voltar a colocar os holofotes na periferia. Não apenas em Portugal, mas também em Espanha e Itália. Os juros dessas economias estão cair por causa do quantiative easing e deverão registar alguma pressão com o fim do programa. Não quero dizer que essa pressão seja imediata, porque as perspetivas são positivas para Portugal. Mas se houver um abrandamento da economia do euro, as pessoas vão voltar-se para Portugal e virar atenções para o nível da dívida que é muito alto. E o prémio de risco deverá voltar a aumentar.
É verdade que Portugal continua a ter uma elevada dívida pública. Mas o que Portugal está a demonstrar é que é possível ter crescimento e melhorar a posição orçamental. O défice deverá ficar nos 1% no próximo ano e isso é um resultado tremendo tendo em conta a posição de onde Portugal veio. Por isso, Portugal tem sido uma surpresa. Melhor do que podíamos esperar.
Centeno na liderança do Eurogrupo vai ser a benéfico para Portugal?
O presidente do Eurogrupo preocupa-se com questões da Zona Euro. Como vimos no passado, e o melhor exemplo talvez seja Mario Draghi, se a pessoa que lidera as reuniões é de um determinado país, ela provavelmente vai ter um melhor entendimento dos problemas desse país e agir de acordo com isso. Ou seja, vai ser bastante útil para Portugal [ter Centeno como presidente do Eurogrupo] porque problemas como o malparado, o sistema financeiro ou a elevada dívida pública vão ter maior exposição junto dos outros ministros da Zona Euro.
Com Dijsselbloem, muito da discussão (pelo menos pública) fazia-se em dois planos: Europa do Norte e Europa do Sul. Com Centeno, está binómio desaparece?
Esse tipo de alinhamento não vai desaparecer. O foco agora deverá passar para o quantitative easing. Vamos ter um debate em torno da rapidez da redução dos estímulos monetários na região. Haverá quem queira um prolongamento dos estímulos monetários porque alguns dos riscos políticos persistem. Nesse sentido, acredito que esse alinhamento vai manter-se porque países como Portugal, Itália e Espanha, que ainda estão de alguma forma atrasados em relação à Alemanha, vão querer ter mais algum tempo para recuperar com as atuais políticas em cima da mesa.
Estava à espera de uma melhoria de dois níveis do rating pela Fitch?
Não estou surpreendido com o resultado. Acompanha a melhoria promovida pela Standard & Poor’s em setembro e esperado que a Moody’s também o faça na sua próxima avaliação tendo em conta as melhorias na posição orçamental de Portugal. As taxas de juro da dívida portuguesa já estão ao mesmo nível dos juros italianos e há espaço para convergir ainda mais com Espanha.
Temos os juros portugueses em mínimos. Até quando vamos ter essa situação?
Respondo-lhe a esta questão com o contexto europeu. Os juros europeus deverão voltar a crescer no próximo ano, sobretudo por causa do fim do quantitative easing do BCE. Devemos esperar uma subida dos juros das obrigações alemães e isso vai impulsionar os juros em todo o lado. Talvez tenhamos já atingido o nível mais baixo.
Ainda assim, em relação a Portugal, as coisas são um pouco diferentes. As perspetivas para a economia portuguesa são boas e, por isso, o prémio de risco face aos juros alemães deverá continuar a baixar um pouco mais. Mas o nível dos juros deverá provavelmente aumentar. Como disse, os investidores vão voltar a centrar atenções nos países periféricos e algumas das questões políticas sobre o futuro do euro deverão regressar.
Como salientou, Portugal tem um nível de risco semelhante ao de Itália. Faz sentido?
Ambas as economias apresentam o mesmo nível de dívida face ao Produto Interno Bruto (PIB), em torno de 130%. Mas a economia portuguesa parece apresentar um maior dinamismo, está a crescer um pouco mais do que a economia italiana. Outra coisa que têm em comum: o sistema bancário nos dois países tem problemas com os elevados montantes de crédito malparado. Há muitas semelhanças entre Portugal e Itália e não me surpreende que apresentem o mesmo nível de risco.
Por outro lado, teremos provavelmente eleições em Itália em março do próximo ano. E isso poderá afetar os juros italianos sem implicar necessariamente uma subida dos juros portugueses. Há boas razões para ambos terem o mesmo nível de risco, sim. Não estou surpreendido com esta situação.
Os juros europeus deverão voltar a crescer no próximo ano sobretudo por causa do fim do quantitative easing do BCE. Devemos esperar uma subida dos juros das obrigações alemães e isso vai impulsionar os juros em todo o lado. Talvez tenhamos já atingido o nível mais baixo.
Temos uma bolha no mercado de obrigações, como diz Alan Greenspan?
Tornou-se claro, nos últimos anos, que a economia mundial não voltará a apresentar taxas de crescimento às que vinha registando antes da crise financeira. Isso deve-se a muitas razões. Há mudanças no sistema bancário, os bancos estão mais cautelosos, mais capitalizados e mais seguros, mas não estão tão agressivos nos empréstimos. As questões demográficas não são muito positivas, produtividade também não. Adicionalmente, há também uma elevada dívida pública. Isto quer dizer que os bancos centrais não podem aumentar as taxas de juro para níveis anteriores à crise.
Não gosto de chamar bolha, mas antes uma sobreavaliação no mercado de obrigações com os juros mais baixos do que deveriam estar. Com os estímulos monetários do BCE, muitos investidores retiraram dinheiro do mercado de obrigações da Zona Euro e colocaram lá fora. Uma das coisas em que estamos a pensar é de que forma isto poderá alterar-se no próximo ano. Parece-me que à medida que o BCE retira gradualmente os estímulos e as yields voltem a subir, esse capital poderá regressar.
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Keith Wade: “Não surpreende que Portugal e Itália tenham o mesmo risco”
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