EKUI: o baralho de cartas que se multiplica e cria emprego
EKUI são 26 cartas, cada uma com uma letra do alfabeto, que reúnem quatro formas de comunicação. O projeto de inovação social é pioneiro a nível mundial.
“A ideia surgiu em 2003, mas só chegou ao mercado em 2015”, conta Celmira Macedo. A professora de educação especial usou o seu trabalho com Francisco, um menino que não sabia ler nem escrever — e que progressivamente se tornava uma criança frustrada e conflituosa por não conseguir aprender –, para lançar um produto inovador a nível mundial que conjuga quatro formas de comunicação diferentes.
Francisco não é caso único, garante Celmira Macedo: que em Portugal há cerca de 500 mil analfabetos (dados da Pordata de 2011) e quase metade da população portadora de deficiências (47%) é analfabeta e 35% não consegue comunicar com os outros, o que é “potenciador dos casos de bulling“, explica.
Em vez de se resignar à situação, a professora deitou mãos à obra. Primeiro fundou a Leque, uma associação sem fins lucrativos em Alfândega da Fé, e mais tarde decidiu criar uma linha de material lúdico e didático, a primeira em Portugal. “A Ekui tem como objetivo alfabetizar e reabilitar pessoas com e sem necessidades especiais”, explica.
EKUI é o acrónimo de Equidade, Knowledge (conhecimento), Universalidade e Inclusão. No fundo trata-se de uma espécie de jogo. São 26 cartas, cada uma com uma letra do alfabeto, que reúnem quatro formas de comunicação: a grafia comum, braille visual e braille tátil, alfabeto da língua gestual portuguesa e alfabeto fonético internacional.
Este primeiro projeto começou por ser uma metodologia de alfabetização para crianças com deficiência (surdos, cegos, autistas, etc.) e com dificuldades de aprendizagem, como a dislexia. No entanto, rapidamente se mostrou também eficaz na alfabetização e reabilitação de crianças sem deficiências, bem como de adultos, conta Celmira Macedo.
Esta é uma iniciativa de empreendedorismo social que conseguiu financiamento do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE) para passar à fase seguinte, ou seja, criar novas linhas da EKUI para ajudar a aprender, as cores, os animais e a família. O apoio conseguido foi de 99 mil euros, sendo que 30 mil são garantidos pela Fundação Gulbenkian e o restante pelo POISE. “Sem a Gulbenkian não teria sido possível candidatarmo-nos ao POISE”, explicou fonte oficial da Associação.
O projeto está montado de forma a que cada caixa de EKUI vendida financie outras duas: uma para venda e a outra para oferta às escolas ou a uma família desfavorecida. Cada conjunto de cartas é vendido por 14 euros (mais IVA) e tem um custo de produção de cinco euros. Um valor baixo porque as cartas são produzidas nas Caldas da Rainha, mas as embalagens são montadas pela própria associação. Só esta opção permite reduzir os custos em 30%, mas também dar emprego a pessoas portadoras de deficiência.
A EKUI pode ser comprada online, em lojas que a têm à consignação ou vendida diretamente na sequência de ações de formação. Quanto às novas edições ainda não está definido qual será o preço final, já que o produto ainda está em desenvolvimento.
Para Celmira Macedo, a ideia de que os projetos sociais não podem ser rentáveis, gerar dinheiro, é um disparate. “No terceiro setor, dizer que se tem lucro é um tabu”, lamenta. “Com um euro consigo desenvolver competências muito sérias“, sublinha orgulhosa, como por exemplo um aumento em 89% da aprendizagem mais rápida do alfabeto, um aumento de 93% das atitudes inclusivas ou ainda de 67% da reabilitação de pessoas com deficiências.
No terceiro setor, dizer que se tem lucro é um tabu.
A professora de educação especial garante que a EKUI tem “potencial de mercado”, até porque “Moçambique quer traduzir os cartões para português moçambicano e Malta quer traduzir para maltês e inglês”, conta. A metodologia EKUI já chegou a 200 escolas e a mais de 2.500 beneficiários: crianças, jovens e adultos com e sem deficiências. E esta história tem já assegurado um final feliz, porque começou com Francisco e hoje, o Francisco já sabe ler e escrever e trabalha na Associação Leque na montagem das embalagens da EKUI.
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