Uma a uma, energéticas sentam Estado no banco dos réus
Depois da EDP, da REN e da Galp, agora foi a vez da Endesa colocar o Estado português em tribunal. A elétrica liderada por António Mexia também voltou hoje à carga, com uma nova ação judicial.
Já lá vão quatro. Depois da EDP, da Galp e da REN, a Endesa torna-se, esta semana, a quarta energética a levar o Estado português a tribunal. Nas primeiras três, em causa estava sobretudo o pagamento da contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE). Desta vez, a Endesa revolta-se, mas por outros motivos. Atrás, foi novamente a EDP.
O Fisco notificou, pela primeira vez, as três primeiras empresas a pagarem a CESE no final de 2014. A EDP começou por pagar, a REN também, apesar de ter contestado o pagamento. Por sua vez, a Galp não pagou, visto que era alvo de duas CESE. 2018 começa por recordar esses tempos ao Governo português, com mais duas ações interpoladas por duas energéticas — Endesa e EDP.
EDP: Após três ações públicas, chega mais uma em 2018
Esta quinta-feira, após a Endesa anunciar que iria avançar com uma ação judicial contra o Estado, a EDP decidiu seguir-lhe as pisadas e confirmou que também vai impugnar a “execução do decreto-lei de 2013 que criou um mecanismo que visa a reposição do equilíbrio concorrencial entre produtores de eletricidade a operar em Portugal e Espanha”, disse fonte oficial da empresa ao ECO. Mas o historial de ações contra o Estado daquela que é a maior elétrica a operar no mercado nacional é bastante longo.
No passado mais recente, a primeira contenda jurídica mediática remonta a setembro de 2013. Na altura, a elétrica impôs uma ação judicial contra o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade. A ação dava entrada no dia 19 desse mês no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e tinha sido avançada pela subsidiária EDP Gestão da Produção de Energia. Em causa estava um despacho do, na altura, secretário de Estado, que obrigava a empresa de energia a pagar os custos da tarifa social. A EDP considerava que “esses encargos deveriam ser custos elegíveis para calcular a remuneração das centrais com Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC)”, avançava, na altura, o Jornal de Negócios, algo que não recebeu a aprovação do Governo.
Mas as ações não ficaram por aqui. Um dia depois, a 20 de setembro, através da EDP Distribuição, a energética avançava com mais uma ação contra a ERSE — Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, só que por motivos diferentes. A empresa tentava contestar a decisão que a ERSE tinha tomado na altura, em que pretendia obrigar a EDP Distribuição a devolver sete milhões de euros aos seus clientes com tarifas bi e tri-horárias. Uma decisão que surgiu após uma auditoria à empresa e que concluiu que uma parte desses clientes tinha saído prejudicada.
No ano passado, o Estado voltou a ser “atacado” judicialmente com mais uma ação interposta pela EDP. Foi a janeiro de 2017, avançado pelo Público e pelo Jornal de Negócios, que a empresa avançou com uma ação judicial para contestar o pagamento da CESE, que lhe custou 120 milhões de euros em 2014 e 2015, de acordo com uma fonte oficial da empresa. “Ao contrário do inicialmente previsto e estipulado, a CESE tem vindo a ser sucessivamente prorrogada. Neste contexto, e uma vez esgotadas todas as vias alternativas nomeadamente as administrativas, a EDP decidiu avançar pela via judicial para contestar o pagamento da CESE”, explicava, na altura, a empresa em comunicado.
Durante estes anos de idas ao tribunal, a empresa deixava claro as intenções de, em primeiro lugar, dialogar com o Governo. “Nós trabalhamos, não gritamos, não falamos de outros setores, concentramo-nos no que temos a fazer. Procurando sempre encontrar soluções, nós pomo-nos no lugar dos outros“, sublinhava o presidente da EDP, em maio de 2016. Num espaço de três anos, essas decisões do Governo valeram à empresa prejuízos de mais de 200 milhões de euros, de acordo com informações avançadas, na altura, pela mesma.
Galp: Duas CESE? Não vou pagar!
Depois das duas primeiras ações impostas pela EDP, o Estado português via-se novamente nos corredores dos tribunais de Lisboa mas, desta vez, num confronto com a Galp, ou melhor, com a sua empresa de oleodutos. A 24 de fevereiro de 2016, escrevia o Público, a Companhia Logística de Combustível (CLC) colocou o Estado em tribunal. Em causa estava a recente lei de bases do sistema petrolífero, publicada no final de 2015, que declarava as instalações desta empresa como sendo de “interesse público”. A Galp detinha 65%, a BP Portugal 15%, a Repsol outros 15% e a Rubis 5%.
No diploma em causa na altura — que tinha sido aprovado pelo PSD/CDS com o argumento de que isso iria aumentar a concorrência no mercado de combustíveis –, a CLC via-se obrigada a permitir a outros operadores o acesso ao único oleoduto de transporte de combustíveis do país, através de uma tarifa negociada. As novas regras começaram de imediato a ser interrogadas pela empresa no Supremo Tribunal Administrativo, ainda antes de serem regulamentadas pela Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis (ENMC). “A nova lei de bases cria significativas limitações à atividade da CLC que a empresa considera injustificadas e que pretende que sejam declaradas ilegais”, disse ao Público, na altura, o administrador-delegado, José Sepodes.
Mas, mais uma vez, as coisas não ficaram por aqui. No final desse mesmo ano, a própria Galp iniciava um braço de ferro com o Governo português. Da mesma forma que a EDP protestou, também a Galp reclamou, uma vez que tinha sido alvo de duas CESE — uma sobre os ativos da energia e outra sobre os contratos de gás natural. Relativamente à primeira, esta dizia respeito à contribuição aplicada aos ativos de energia, equivalente à aplicada às outras empresas do setor. Em 2014, foi fixada em cerca de 30,4 milhões de euros. A segunda contribuição — CESE II, criada em 2015 –, visava taxar o o valor económico dos contratos de compra de gás à Argélia e à Nigéria, de acordo com os lucros obtidos com a venda do produto internacionalmente. Importa realçar que a Galp sempre recusou proceder a esse pagamento.
Conforme constava nos relatórios da Galp, entre 2014 e 2016, a empresa estava obrigada a pagar 81,4 milhões de euros na primeira contribuição inicial. A somar estavam mais 157,8 milhões da CESE II, distribuídos por três prestações anuais de 52 milhões de euros, que deveriam ser entregues entre 2015 e 2017. Ou seja, um total acumulado de 162 milhões de euros.
REN: Paga, mas depois reclama
A REN também se manifestou, mas primeiro optou por pagar. “A REN tem pago e contestado todas as CESE que lhe foram aplicadas em sede própria. Houve uma decisão (não final) desfavorável relativamente à CESE da REN Armazenagem de 2014, que está neste momento pendente de decisão no Tribunal Constitucional”, dizia na altura uma fonte oficial da energética. Mas em março de 2016, avançou com uma ação judicial contra o Estado português, em sede de recurso no Tribunal Constitucional, adiantando que estava “a contestar em sede própria e pelos meios legalmente adequados todas as CESE que foram aplicadas ao Grupo REN”.
Endesa: a última a juntar-se ao grupo dos queixosos
Esta quinta-feira, a Endesa também decidiu impugnar um despacho do secretário de Estado da Energia, que data de outubro do ano passado e que, segundo a energética, “prejudica os consumidores, o tecido empresarial e os produtores de energia elétrica em Portugal”. Este despacho pede a nulidade parcial de um outro de 2015 e, de acordo com o comunicado à imprensa, “vem desvirtuar o mecanismo de equilíbrio concorrencial no mercado elétrico português”, afetando o equilíbrio entre as cargas fiscais e parafiscais que recaem sobre os produtores portugueses e sobre os produtores residentes em países terceiros. A empresa aponta para a influência que estas alterações podem ter no preço praticado no Mercado Ibérico da Eletricidade (MIBEL), no qual Portugal se insere.
De acordo com a energética, por um lado, o despacho “retira competitividade, resultando num aumento das importações de energia elétrica a custos mais elevados para os consumidores”, o que deverá fazer-se notar também no saldo da balança comercial nacional, que verá maiores custos ao nível das importações. E, por outro, provoca um aumento do “custo do gás natural para os consumidores, tanto domésticos como industriais”, e a Endesa acusa o Estado de transferir estes custos das centrais térmicas para as energéticas. Por fim, a energética considera que o despacho, ao anular o anterior, modifica “as regras do mecanismo para o passado”, o que da perspetiva da empresa “representa uma violação do princípio da confiança, basilar num Estado de Direito”.
“A Endesa apresentou atempadamente propostas concretas para mitigar os efeitos negativos”, diz a empresa. Acusa ainda o Estado de não ter tido em consideração estas mesmas propostas “até ao momento”, pelo que a energética “não teve alternativa senão avançar com este processo”. Já de acordo com o texto do despacho que a Endesa vem impugnar, tanto esta energética como a EDP “apresentaram a suas pronúncias em sede de audiência (…) sem que, contudo, tivessem logrado apresentar argumentos que abalassem os fundamentos daquela manifestada intenção”.
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