Eurogrupo: como é que Centeno avalia Centeno?
Na reunião do Eurogrupo, Centeno vai ser o presidente que zela pelo cumprimento das regras que favorecem toda a união monetária. Mas também vai ser o destinatário final dos recados para Portugal.
Pela primeira vez, esta segunda-feira vai ser Mário Centeno quem terá o poder de tocar o sino para dar início a mais uma reunião do Eurogrupo. E a estreia do ministro das Finanças português como líder dos países da moeda única começa logo por testar a capacidade de Portugal desempenhar um duplo papel: de controlador e controlado. É que os resultados da sétima avaliação ao país vão estar em debate. O que é que Centeno tem a dizer a Centeno?
“Se um dia Mário Centeno, que eu considero muito competente, se tornar presidente do Eurogrupo, deve saber que provavelmente vai ter de assumir por vezes alguma distância da sua atual função” — o aviso já tem seis meses, mas é de Pierre Moscovici, que estará hoje diligentemente sentado à mesma mesa do ministro das Finanças português, a representar a voz da Comissão Europeia na avaliação a Portugal.
Perante os seus colegas do euro e do seu secretário de Estado das Finanças Ricardo Mourinho Félix — que passará a estar na reunião para representar o ponto de vista do país — Mário Centeno terá de avaliar os desenvolvimentos recentes da economia nacional, nomeadamente os progressos nas medidas para resolver os desequilíbrios macroeconómicos identificados. A julgar pelo relatório preparado pelos peritos de Bruxelas, haverá elogios a fazer, mas também alertas.
Os elogios que Centeno pode dizer ao espelho
Estará lá o comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros para apresentar as conclusões da Comissão sobre a sétima avaliação pós-programa de ajustamento. Mas querendo, Centeno — ou Mourinho Félix a fazer as vezes do ministro — pode usar o relatório para mostrar os progressos que o país tem feito. Aqui ficam os argumentos mais simpáticos.
A retoma económica ganhou fôlego
“A atividade económica acelerou e ganhou uma sustentação mais alargada, com uma retoma no investimento e nas exportações a par de um crescimento continuado no consumo”, lê-se no relatório. “O emprego cresceu ainda mais rápido do que o PIB, nomeadamente em serviços de trabalho intensivo relacionados com o turismo”, enquanto o crescimento dos salários se manteve de um modo geral contido”, somam ainda os peritos.
A atividade económica acelerou e ganhou uma sustentação mais alargada.
Mourinho Félix pode levar o trabalho de casa feito e trazer alguns números para consolidar esta imagem de progresso. Pode lembrar que no primeiro semestre a economia nacional cresceu 3% e que no terceiro trimestre acelerou para um crescimento em cadeia de 0,5%, dos anteriores 0,3%. Sobre o mercado de trabalho, pode notar que a taxa de desemprego caiu para 8,5% entre julho e setembro, o valor mais baixo desde o final de 2008.
O sistema financeiro continua a recuperar
“A recuperação do sistema bancário português continua”, dizem os peritos de Bruxelas. A favor de Portugal, também valerá a pena notar que a avaliação da Comissão e do Banco Central Europeu dá contra de “uma redução marcada” dos riscos de curto-prazo que resultam da banca, quando comparado com há um ano. “Os bancos maiores conseguiram atrair novo capital”, lê-se ainda nas conclusões da avaliação.
Como exemplos destes progressos, o ministro ou o seu secretário de Estado, pode lembrar a resolução do problema do Banif logo quando o Governo assumiu funções; a venda do Novo Banco com a respetiva injeção de capital por parte do Lone Star, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Pode ainda lembrar que o BCP atraiu capital chinês — a Fosun já é dona de um quarto do banco — que o BPI foi comprado pelos espanhóis do Caixabank, e que até o Montepio viu o seu capital reforçado com 250 milhões de euros da Associação Mutualista.
Valerá também a pena recordar as medidas em curso para atacar o problema do malparado acumulado pelos bancos e como a grande maioria destas iniciativas está aprovada ou já em fase inicial de implementação.
Dívida privada está a baixar
A dívida privada apresenta uma tendência de redução consistente desde 2012, nota o relatório. O rácio de dívida privada no PIB baixou de 210,3% no final de 2012 para 171,4% no final de 2016, sendo a quebra comum tanto às famílias, como às empresas.
Há medidas para promover a competitividade
O Executivo tomou medidas para melhorar o valor acrescentado das exportações portuguesas, pode sublinhar Mourinho Félix, recordando os vários pacotes lançados: Indústria 4.0, Start-up Portugal, Capacitar a Indústria e Programa Interface.
O secretário de Estado português também pode recordar ao ministro, que estará no papel de líder do Eurogrupo, as vantagens do Programa Qualifica e como a percentagem de indivíduos com baixas qualificações caiu dos 61% registados em 2011 para os 48% de 2016. Ou ainda os benefícios do Simplex+ na simplificação administrativa e na diminuição dos custos tanto para as empresas como para os cidadãos.
Medidas para racionalizar a despesa estão a andar
O exercício de revisão da despesa pública, inicialmente considerado pouco explicitado, começa a dar frutos. Há iniciativas em curso para lidar com o absentismo excessivo e os custos que lhe estão associados, há reformas para conter os custos do Serviço Nacional de Saúde e o setor empresarial do Estado está a implementar um mecanismo de reporte de contas e atividade mais apertado.
Os puxões de orelha que terá de dar a si mesmo
Mas nem tudo será fácil, na reunião. Portugal é um dos 12 países que estão na mira da Comissão Europeia por desequilíbrios macroeconómicos. Na reunião desta segunda-feira, um dos pontos que estará em cima da mesa — porque também fez parte da sétima avaliação pós programa de ajustamento — será precisamente avaliar os progressos, e as dificuldades, que Portugal tem revelado na resolução desses desequilíbrios.
É certo que não é Centeno quem representa a Comissão, mas como presidente e representante do grupo dos países da moeda única deverá defender a implementação das reformas estruturais necessárias para estabilizar o país, um objetivo que favorece toda a união económica. Estes são os avisos que Centeno terá de fazer a si mesmo.
Orçamento do Estado para 2018 não convence
Estará em cima da mesa dos ministros das Finanças do euro o aviso feito a Portugal sobre as contas deste ano. Mais precisamente, “o risco de desvio significativo” das regras comunitárias, que implicam que o país deve reduzir o défice estrutural a um ritmo de 0,6% por ano.
Faltam reformas no mercado de trabalho
Apesar das melhorias no mercado de trabalho português, ainda continuam a faltar as reformas que a Comissão tem defendido há muito. Centeno terá de lidar com o facto de Bruxelas notar que o emprego tem sido sobretudo criado em setores de mão-de-obra intensiva e baixas qualificações, o que prejudica a produtividade.
Além disso, o problema da segmentação do mercado de trabalho mantém-se e a abordagem do Governo — que passa sobretudo por desincentivar a contratação a prazo — não resolve a rigidez dos contratos permanentes que desincentiva, no ponto de vista de Bruxelas, os empresários a criar emprego mais estável.
O elevado stock de malparado continua a ser uma vulnerabilidade chave do sistema financeiro.
Mantém-se um elevado stock de malparado
“O elevado stock de malparado continua a ser uma vulnerabilidade chave do sistema financeiro”, avisa o relatório da Comissão Europeia — um alerta que Centeno não deve, enquanto presidente do Eurogrupo, ignorar. Caberá ao ministro manter a pressão elevada para que o plano de abordagem a este problema seja implementado sem atrasos e com um ímpeto reforçado.
Hospitais continuam a acumular dívidas
Os pagamentos em atraso aos fornecedores dos hospitais continuam a acumular-se. Apesar dos 400 milhões de euros destinados a liquidar as dívidas que foram anunciados no final do ano passado, juntamente com reforços de capital de 500 milhões tanto em 2017, como previstos para 2018, “o padrão de injeções periódicas de fundos para limpar os pagamentos em atraso parece deixar por resolver as razões subjacentes à acumulação de atrasos”, nota o relatório da sétima avaliação pós-programa.
Falta uma abordagem sistemática às empresas públicas
A Comissão nota que “ainda é precisa uma abordagem sistemática das transferências orçamentais para as empresas públicas.” Este é um capítulo onde a implementação de medidas é considerada “lenta” e onde se pedem esforços para melhorar a monitorização. “Em alguns casos, o crédito dado às empresas pela administração central é depois convertido em capital, reduzindo-se o endividamento”, explica o relatório. Mas “isto cria riscos na medida em que as empresas estão menos motivadas a melhorar a sua eficiência e performance financeira”, critica o documento.
Melhorias no sistema judicial e menos barreiras à concorrência
Para haver “melhorias na competitividade é necessário mais esforço, como por exemplo uma melhoria generalizada do sistema judicial, nomeadamente através de procedimentos mais curtos em tribunal ou uma redução nas restrições dos serviços”, diz o relatório de Bruxelas. Além disso, os peritos também notam que se mantêm barreiras à concorrência em determinadas atividades, como é o caso dos contabilistas, arquitetos e advogados, notando que a legislação é “menos ambiciosa” do que o seu enquadramento de base.
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