Comprar shoppings está na moda em Portugal. Porquê?
2018 começou com o anúncio de várias aquisições no setor imobiliário. Resultado, muitos centros comerciais mudaram de mãos. Porque é que todos querem ir a jogo?
Portugal está na moda e os centros comerciais não são exceção. Do Sintra Retail Park, Forum Sintra e Forum Montijo ao Albufeira Shopping e ao centro comercial Continente de Portimão, passando pelo Dolce Vita Tejo, todos têm um novo dono em 2018. As imobiliárias, a Sonae Sierra, como um dos grandes vendedores, e a equipa que assessorou a venda do Dolce Vita Tejo, o segundo maior centro comercial do país, explicam o interesse dos investidores e garantem que não tem nada de invulgar.
A azáfama das compras já não se fica apenas pelo interior dos centros comerciais. Agora, os próprios empreendimentos passaram a produto e circulam entre as mãos dos investidores. Só no primeiro mês de 2018, já foi anunciada a venda de seis ativos. O Albufeira Shopping e o centro comercial Continente de Portimão foram vendidos por um fundo da Sonae Sierra ao CA Património Crescente, um fundo gerido pela Square Asset Management. O Sintra Retail Park, o Forum Sintra e o Forum Montijo deixaram o portefólio do Blackstone Group para integrar o do Grupo Auchan. E o maior centro comercial do país, o Dolce Vita Tejo, é agora propriedade da AXA. O Almada Forum deverá ser uma das próximas confirmações, a transitar das mãos do Blackstone Group para o Merlin Properties.
Pouco antes do ano começar, já a Sonae Sierra — através de outro fundo — tinha negociado a venda do Maiashopping e GuimarãeShopping à seguradora Ocidental. Um movimento oposto ao que ocorreu em março: a Sonae Sierra, numa parceria com a CBRE Global Investment Partner, adquiriu o Albufeira Retail Park e o hipermercado Continente do AlgarveShopping, que estavam antes sob a alçada da Sonae RP e um fundo de investimento cotado, o REIT.
Não é um interesse novo. O raro é existirem tantas oportunidades ao mesmo tempo.
E a palavra aquisições rima, de facto, com milhões. O Dolce Vita Tejo foi vendido por 230 milhões de euros à AXA Investment Managers. O Sintra Retail Park, o Forum Sintra e o Forum Montijo, chegaram ao grupo Auchan valorizados em 400 milhões de euros. A venda do Albufeira Shopping e o centro comercial Continente de Portimão rendeu à Sonae Sierra 35 milhões, avançou o Jornal de Negócios esta terça-feira. “Não há razão nenhuma para falar em valores especulativos”, defende, ao ECO, Paulo Sarmento, partner e diretor de capital markets da Cushman & Wakefield, pois estes “dependem de muita coisa e não são inéditos”.
Para os especialistas, esta corrida aos centros comerciais também não é surpresa. “Não é um interesse novo. O raro é existirem tantas oportunidades ao mesmo tempo”, observa o diretor de investimento da CBRE, Nuno Nunes. E justifica: “Há muita pressão investidora. Os proprietários aproveitaram para reciclar capital“. A Sonae Sierra, um dos grandes vendedores, confirma que a reciclagem de capital tem feito parte da sua estratégia. Vender “ativos maduros e não estratégicos” e adquirir outros “com potencial para criação de valor” de modo a “fazer crescer o seu negócio”, explica ao ECO Manuel Morete, diretor da Área de Investimento e Gestão de Ativos da Sonae Sierra em Portugal.
E este é um daqueles casos em que os últimos têm oportunidade de se tornar o número um. “Portugal chegou tarde a este mercado”, conta Paulo Sarmento. Isto significa que este tipo de imobiliário, em território nacional, está menos explorado do que na restante Europa. “Há muita liquidez e pouco produto para investir”, comenta. A variedade da oferta, colocada no mesmo saco que a subida do rating da dívida soberana nacional, são o pacote ideal para chamar a atenção dos investidores estrangeiros, resume.
Um bom investimento
“Portugal é uma referência a nível mundial”, assegura o diretor de capital markets da Cushman & Wakefield, referindo-se à qualidade destes ativos. A prova está na resistência: “em larga escala, sobreviveram à crise”, assinala. E os números são de facto animadores. A força da economia diminui o desemprego e mostra um consumo em crescendo: em 2017, as vendas aumentaram 9%, depois de uma subida de 7% em 2016. “Alguns centros registaram mesmo um aumento de 15% nas vendas”, frisa Nuno Nunes, da CBRE.
Segundo o especialista, os centros comerciais portugueses vendem, em média, mais por metro quadrado que um centro espanhol ou um holandês. Os portugueses assumem-se assim fãs destes estabelecimentos, com 69% a preferi-los em detrimento de outros formatos. Esta é uma percentagem “muito elevada” comparativamente a outros países, acrescenta a consultora imobiliária. Os turistas trazem mais poder de compra et voilà: o cocktail perfeito.
Este é, historicamente, o setor que tem dado mais retornos aos investidores, de longe.
Para além de contribuir para a solidez do investimento, o aumento das vendas traz outro “brinde” a quem faz esta aposta. “Quanto mais vendas, mais altas podem ser as rendas“, explica a CBRE. Dado o crescimento das rendas e a valorização dos ativos, “este é, historicamente, o setor que tem dado mais retornos aos investidores, de longe. Mais que os escritórios e a logística”, afirma Nuno Nunes, com base nos dados do indicador da MSCI, que monitoriza a evolução das rentabilidades setor.
As taxas de rentabilidade são variáveis, mas a yield prime é a referência, aplicada ao melhor centro comercial do mercado. Segundo a Cushman & Wakefield, no quarto trimestre de 2017 esta situou-se nos 4,9%. Em teoria, todos os outros centros comerciais serão transacionados a yields mais altas.
A Sonae Sierra confirma que a fasquia é alta. “Em termos agregados, podemos referir que o portefólio global da Sonae Sierra em Portugal teve um retorno direto de 18,3% ao longo de três anos consecutivos até dezembro de 2016“, explica a empresa. Nota ainda que este desempenho supera a média do mercado em cerca de 3%.
Dolce Vita lembra que nem tudo é doce
A equipa da Cuatrecasas, que assessorou a venda do Dolce Vita Tejo, concorda que este é um setor muito atrativo e com visíveis melhorias. Contudo, a negociação não foi simples e ultrapassou os doze meses. Isto porque, para além de cruzar fronteiras — foi fechada entre a AXA, o britânico Eurofund e o americano Baupost –, incluiu um plano de desenvolvimento que visa a restruturação do centro comercial. José Diogo Horta Osório, sócio coordenador que trabalha em M&A na Cuatrecasas, explica que a restruturação é essencial numa altura em que o e-commerce é cada vez mais uma ameaça. “O comprador considerou este plano um fator importante da transação e fez um investimento significativo para atrair pessoas e consumidores”, relata.
Mas há coisas que não mudam. “É importante sublinhar que, regra geral, temos mantido a gestão dos ativos nos quais reduzimos a nossa participação, o que demonstra a confiança dos investidores nas nossas competências de criação de valor para os ativos“, realça a Sonae Sierra. Também no caso do Dolce Vita Tejo, apesar do fundo Baupost ter passado o testemunho à AXA, os britânicos do Eurofund mantiveram-se associados ao novo acionista.
Quem quer comprar?
Segundo Nuno Sá Carvalho, sócio coordenador da área de Direito Imobiliário da mesma sociedade, o facto de o Dolce Vita Tejo contar com um plano, já em fase de implementação, fez com que este não fosse “um processo competitivo à semelhança dos que tivemos de assistir nos média”. Mas assume que, dada a pouca volatilidade destes ativos, é natural que conquistem compradores de perfil mais conservador, como as seguradoras.
"O investimento em ativos imobiliários de qualidade, em conjunto com a uma gestão pró-ativa, que a parceria com a Sonae Sierra proporciona, permite rentabilizar o investimento com um perfil de risco baixo.”
Nuno Nunes da CBRE identifica três tipos de investidores. Começa por aqueles que procuram “centros muito bons e muito consolidados, com um pricing muito agressivo”, que é um investimento menos arriscado. Em segundo lugar, operadores como o grupo Auchan, especialistas neste mercado, que olham sobretudo a centros de desempenho médio e esperam melhorá-los com a sua experiência. Por fim, existem ainda os interessados em ativos com má performance, normalmente private equities, que fazem obras e mudam inquilinos para “dar a volta” antes de os vender a um preço muito superior ao da aquisição. A Cushman & Wakefield acredita que este último cenário é o menos provável por agora. “Em 2014/2015 terão sido feitas compras mais oportunistas pois os preços eram mais baixos. Agora seria mais difícil esse tipo de negócios com a quantidade de investidores a querer realizar”, comenta Paulo Sarmento.
A Sonae Sierra adotou outra estratégia para agilizar o reconhecimento dos possíveis investidores. “Temos consolidado um conjunto relevante de parcerias com investidores institucionais“, revela Manuel Morete, tanto “internacionais como locais”. No geral, diz que estão interessados em concretizar um investimento de longo prazo. “O investimento em ativos imobiliários de qualidade, em conjunto com a uma gestão pró-ativa, que a parceria com a Sonae Sierra proporciona, permite rentabilizar o investimento com um perfil de risco baixo”, explica a empresa.
Há mais negócios no carrinho?
“Este é um mercado que há muito tempo desperta e vai continuar a despertar interesse”, diz Paulo Sarmento. Nuno Nunes concorda e avança: “Vão ocorrer pelo menos duas ou três operações deste género já no primeiro semestre“. Já a Sonae Sierra prefere comentar os negócios apenas quando estão concretizados, mas garante que pretende manter o rumo. “É nossa intenção prosseguir a estratégia de realocação de capital e, ao mesmo tempo, continuar a beneficiar deste interesse dos investidores pelo imobiliário de retalho”, diz Manuel Morete.
A tendência é, porém, que o volume de transações diminua. Nuno Nunes revela que, regra geral, “os melhores ativos mantêm-se na posse do comprador pelo menos dez anos. Os que vêm ao mercado com alguma frequência são os piores“, afirma, antes de assinalar o último ano como exceção, dado os vários perfis disponíveis.
Os advogados da Cuatrecasas concordam que a intensidade das aquisições neste setor vai diminuir, num futuro próximo. Acreditam que a aposta dos investidores será, sobretudo, ao nível da reabilitação urbana, onde notam “aquisições muito significativas“, e no setor turístico, no qual “os grupos internacionais estão a ganhar posições no mercado”. Da perspetiva de Paulo Sarmento, escritórios, logística e residencial serão as opções de investimento mais óbvias dentro do imobiliário, mas aponta ainda outras menos convencionais — que podem ir desde a saúde a estabelecimentos para seniores.
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