IKEA Mar Shopping: O mar de burocracia que chegou a bom porto

O Mar Shopping Algarve é um complexo criado pelo IKEA que além da loja de imobiliário sueca, inclui ainda um centro comercial e um outlet. A PLMJ explica os meandros do negócio.

O maior centro comercial da região abriu as portas a 25 de outubro – cerca de nove anos após o início do processo. O escritório encarregue do projeto, a PLMJ, explica como conseguiu trazer este investimento a bom-porto.

Tudo começou com trinta terrenos dispersos – uma área total de quarenta hectares onde viria a erguer-se o Mar Shopping Algarve. “O projeto foi extremamente difícil e desafiante, em especial na fase de estruturação, aquisição de terrenos e contactos iniciais, dada a dimensão e caráter inovador do projeto para a região”, conta Vasco Franco, associado coordenador da PLMJ Imobiliário. Apesar do destaque como difícil, esta primeira fase demorou apenas cerca de um ano a estar concluída.

As “soluções inovadoras e fora da caixa que muitas vezes não são percetíveis”, como Vasco Franco as descreve, foram necessárias dadas as características do estabelecimento, refere. O cliente queria dois lotes independentes – um da loja IKEA e outro com o centro comercial e o outlet — ao mesmo tempo que a comunicação entre os dois tinha de ser garantida. “Não sei se será o único, mas será dos primeiros do grupo com esta configuração”, estima o associado da PLMJ.

Outra das singularidades do Mar Shopping Algarve é a área exterior, a maior do grupo IKEA, que já conta com 43 lojas em 15 países. São 8.000 m2 onde os clientes podem atravessar pontes suspensas, caminhos de pedra, túneis nas árvores e fazer slide ou escalada. Já no interior do centro comercial contam-se mais de 200 lojas. A sociedade procurou acautelar contratualmente o cumprimento de prazos, para evitar impactos negativos na abertura das loja. A uniformidade contratual, para facilitar a gestão do centro comercial, foi outra das preocupações.

Um projeto destas dimensões não coube numa só jurisdição: para além de Portugal, também contou com o envolvimento do país vizinho. O apoio da equipa de desenvolvimento do IKEA Espanha e dos colegas juristas que lá acompanharam processos equivalentes “foi essencial”, assegura Vasco. Isto porque o modelo de Espanha foi o escolhido como a referência para a construção do Mar Shopping Algarve, apesar das adaptações necessárias.

Na altura de pôr mãos à obra, muitos foram chamados “ao terreno”, dadas as várias especialidades necessárias. Entre as equipas de imobiliário e construção, urbanismo, corporate, fiscal, laboral e contencioso, a PLMJ contou com a colaboração de vinte advogados. Segundo Vasco Franco, só com uma “postura proativa” e uma “articulação eficiente” se consegue “levar a cabo um projeto desta natureza”. A vasta equipa teve de enfrentar alguns obstáculos que não vinham no guião e improvisar rumo ao “final feliz”— que incluíram desde mudanças na legislação a providências cautelares.

Um regime que engordou os prazos

“Este é o problema dos processos que se estendem no tempo”, explica Vasco Franco. Geralmente, se o processo se inicia com um regime, mantém-se com as mesmas linhas orientadoras até estar concluído. Mas neste caso, “tendo em conta a dimensão do projeto”, as regras mudaram e por isso mesmo foi necessário refazer a análise ambiental.

Foi precisamente o ano de 2013 que trouxe alguma “má sorte” ao processo. Após a aprovação do plano de urbanização e da avaliação ambiental estratégica, com o selo de sete autoridades competentes, foi publicado o Novo Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental. Este decretou uma “alteração e harmonização de procedimentos e práticas em sede de AIA (Avaliação de Impacte Ambiental), reforçando-se assim a eficácia, robustez e coerência deste instrumento fundamental da defesa preventiva do ambiente e da política de desenvolvimento sustentável”, lê-se em Diário da República.

Assim, apesar da primeira avaliação ambiental estratégica já se encontrar concluída, o novo regime obrigou a mais um estudo relativo ao loteamento. Além das Câmaras Municipais de Faro e Loulé e da própria IKEA Portugal, a nova comissão de avaliação era composta por quatro organizações da área da cultura e da proteção ambiental. O estudo não dispensou ainda a consulta de várias entidades externas, tendo em conta o parecer da EDP, Estradas de Portugal e Águas do Algarve, entre outras organizações. Um ano depois, deu-se início à última fase: o licenciamento e construção.

As associações que agitaram a maré

Não só a lei impôs atrasos ao processo. “O projeto, pela sua dimensão e especificidade, foi objeto de um especial escrutínio por todas as entidades”, reconhece a PLMJ. As associações empresariais estiveram atentas e decidiram agir interpondo providências cautelares, numa tentativa de impedir a construção deste megaempreendimento.

A ACRAL, Associação de Comércio e Serviços da Região do Algarve, procurou “proteger os pequenos comerciantes” diz Álvaro Viegas, o atual presidente que na altura acompanhou o processo como membro da Assembleia Geral. A ACRAL apresentou como argumento um estudo próprio que nomeia o Algarve como a região da Europa que possui mais metros quadrados de grande superfície por habitante. Isto, tendo em conta a população residente, pois “o impacto que o empreendimento terá no comércio não é só sobre aquele que está a funcionar em agosto mas o que está a funcionar o ano inteiro”, defende.

Apesar disso, do seu ponto de vista, “na altura, as associações foram longe demais na defesa”. Posto isto, quando subiu ao cargo de presidente reuniu com a administração do IKEA e concordou recuar na providência cautelar – sob a condição do IKEA recuar no pedido de indeminização. “Poderia ter criado um problema gravíssimo à própria associação porque a entidade responsável pelo empreendimento avançou com uma ação em tribunal a exigir uma indeminização de 2,5 milhões de euros”, conta Álvaro Viegas. O valor da indeminização serviria para compensar a perda de lucros decorrente do atraso de um ano provocado pela providência.

“Não quer dizer que estejamos de acordo com aquele megaempreendimento”, ressalva, contudo, o presidente da ACRAL. “Do meu entender, o IKEA não é negativo e podia funcionar como uma atividade âncora para a nossa região e para atrair consumidores. O problema são as 220 lojas”. O objetivo agora é que parte dos dez milhões de visitantes anuais do Mar Shopping visitem também as cidades.

Para já, os efeitos no comércio local ainda não se fizeram sentir, facto que Álvaro Viegas atribui a uma “economia pujante” e a uma altura de grande consumo com a aproximação do Natal. “A partir do mês de janeiro, aí sim, penso que já será possível perceber o efeito que terá sempre, obviamente” diz. E justifica: “o dinheiro não é elástico. Se as pessoas gastam no Mar Shopping, Ikea e Outlet, não irão gastar no comércio local”, diz.

Para além da ACRAL, outras associações foram chamadas a intervir – e fizeram-no pela mesma via. A Associação dos Hóteis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), diz ter atuado por solidariedade e por não concordar com o aumento de tráfego numa zona que considera nobre tendo em conta a natureza das infraestruturas, que incluem um hospital. Agora, o presidente, Elidérico Viegas, É perentório: “a questão está ultrapassada. Houve uma desistência conjunta”, conclui.

A sociedade de advogados diz ter encarado as “sucessivas providências cautelares” com “tranquilidade” e “confiante nas decisões judiciais”. Vasco Franco remata realçando que “o Tribunal confirmou sempre que o projeto cumpria integralmente a legislação aplicável”.

Em resposta à questão “Houve dúvidas se o processo tinha condições para avançar?” a PLMJ relembra que “o desenvolvimento do projeto coincide com a grave crise financeira que Portugal atravessou” mas assegura que o cliente “sempre demonstrou plena confiança no projeto“. Da parte da equipa de advogados, Vasco Franco destaca o empenho apoiado na convicção de que este seria “um investimento essencial para o país e um fator de desenvolvimento para o Algarve”. A criação de emprego de natureza não sazonal é uma das grandes vantagens que antevê para a região. Parte dos interiores do Mar Shopping foi da autoria do atelier de design de interiores de Nini Andrade Silva.

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