No ECO24, o presidente da Frezite diz faltar sustentabilidade à economia nacional e que, apesar das virtudes do turismo, este não é estruturante. Gestor defende aposta seletiva em certos setores.
“A figura com que vejo a economia e a sua evolução é a do cometa. Há setores que vão na frente, na cabeça do cometa e arrastam tudo”. É desta forma que José Manuel Fernandes, CEO da Frezite, caracteriza os motores de crescimento sustentável da economia. Um papel que o gestor considera não caber ao turismo desempenhar porque defende que este não é “estruturante”.
“O cometa do turismo é brilhante em termos de flash instantâneo, mas não é estruturante“, diz a esse propósito o presidente da empresa de ferramentas de corte, em entrevista ao ECO24, um programa do ECO e da TVI24. Ainda assim, reconhece o efeito de alavanca que o setor tem desempenhado na recuperação da economia portuguesa.
O peso do turismo sobre a economia continua em expansão, sendo que os últimos dados disponíveis indicam que os cerca de 11,5 mil milhões de euros de receitas geradas em 2016 pelo setor correspondiam já a 7% da economia nacional.
“Temos estado a recolher bons resultados“, diz o gestor lembrando ainda a “mensagem multiplicadora da imagem do país” que a vinda de turistas a Portugal desempenha. Mas, ao mesmo tempo, alerta para as fragilidades que o setor tem. “Basta haver um conjunto de fatores de instabilidade regional para o afetarem instantaneamente e terem um efeito fulminante sobre essa área”, defende.
Desempenho económico não é sustentável
Questionado sobre o atual estado da economia, José Manuel Fernandes diz que “não é possível fazer muito mais face ao que se tem feito”. “Há todo um cenário no pós-troika: o reajustamento na economia, o abrir das portas a novas oportunidades, ao mesmo tempo com o comércio internacional a abrir e a gerar crescimento. A economia nacional tem respondido“, diz. Ainda assim reconhece que a componente industrial e dos serviços tem sido “mais lenta a responder”, sobretudo, quando comparada com o turismo.
Temos uma Europa, para onde exportamos cerca de 68% a 70%. Se a União Europeia tiver um abrandamento, qual será o nosso comportamento? A nossa economia tem alicerces para responder num contínuo crescimento, ou ajusta-se à depreciação da economia na Europa?
De acordo com o gestor do setor metalúrgico e metalomecânico, apesar dessas virtudes a economia portuguesa carece de sustentabilidade, o que constitui uma ameaça. “Temos uma Europa para onde exportamos cerca de 68% a 70%. Se a União Europeia tiver um abrandamento, qual será o nosso comportamento? A nossa economia tem alicerces para responder num contínuo crescimento, ou ajusta-se à depreciação da economia na Europa?”, questiona.
É preciso discriminação positiva de setores
Para dar a volta à falta de sustentabilidade económica do país, o gestor considera que há algo que ainda não foi feito e que poderia gerar essa tração: apostar na discriminação positiva de alguns setores. “Estão identificados setores na nossa economia que devem ser ativados de uma forma seletiva“, diz, mostrando-se defensor da identificação de clusters específicos onde apostar.
“Há setores que vão na frente, na cabeça do cometa e arrastam tudo. E, por consequência, todo o resto se compõe. A parte industrial, se tiver um crescimento agressivo ou bem identificado, em clusters estruturantes, automaticamente a componente dos serviços é beneficiada”, especifica.
Um dos setores que considera merecerem essa aposta é aquele em que opera: o setor metalúrgico e metalomecânico, que exporta cerca de 15 milhões de euros por ano. Mas elege mais. Nomeadamente, a área dos bens de equipamento ou de preparação de matérias-primas sofisticadas.
Descoordenação na captação de investimento
No que respeita ao investimento estrangeiro, o gestor alerta para a existência de alguma descoordenação entre o Governo e a AICEP, que afeta negativamente essa captação, mas também o rumo que as exportações devem seguir de modo a oferecer sustentabilidade à economia nacional.
“As nossas exportações têm de estar 60% acima do PIB, até 2030, para termos uma economia sustentada”, refere José Manuel Fernandes. O Executivo tem definida como meta que as exportações venham a ter um peso superior a 50% do PIB até 2020, mas o Banco de Portugal duvida da exequibilidade deste objetivo. O empresário reconhece que é difícil, mas é possível, desde o momento em que “haja uma concertação muito bem afinada em relação às ações a desenvolver pelos vários organismos do Estado”. Ou seja, “desde a parte fiscal, passando pela estruturação dos incentivos, até mexer, de uma forma ousada, com os setores e os clusters“, refere.
“Como é que se faz essa concertação, se o IRC está a aumentar por um lado e a AICEP, por outro, anda a tentar captar investimento estrangeiro?”, questiona-se, lançando uma crítica à opção de aumentar a derrama de IRC que penaliza as grandes empresas.
Há falta de mão-de-obra qualificada
Uma das questões sobre a qual o presidente da Frezite revela preocupação é a falta de mão-de-obra qualificada no setor em que opera: o metalúrgico metalomecânico. Na passada segunda-feira, o Público (acesso condicionado) noticiou que o setor precisa de 28 mil novos funcionários, para alimentar uma atividade que já representa quase 30% das exportações nacionais. Uma carência que já tinha sido denunciada, ao ECO, pelo presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Aníbal Campos, em março do ano passado. Uma situação que apenas se agravou com o passar dos meses.
Segundo José Manuel Fernandes, esse défice de funcionários representa uma ameaça para a sustentabilidade da economia. De acordo com o gestor, esse défice resulta, em parte, da “carga de trabalho muito elevada“, mas o Governo não está isento de responsabilidades. “Estamos a viver um problema dramático. O Estado numa ótica de gestão do défice cortou verbas para a formação profissional qualificada“, explica.
Em causa está a formação prestada pelos centros protocolados do Estado geridos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional: os CENFIM. “É um setor estatal. Rege-se pelas leis do Estado”, diz, acrescentando que “as atividades dos seus diferentes polos são definidas pelo próprio instituto que obedece, por sua vez, a plafonds e até a cativações“.
José Manuel Fernandes atribui assim a responsabilidade a Mário Centeno e ao seu ministério. “Em 2017, o ministro Mário Centeno provocou cativações em relação à qualificação e a formação profissional, e o setor absolutamente de défice a querer crescer e não poder”. Mário Centeno revelou esta quarta-feira que deixou 560 milhões de euros por gastar do Orçamento de 2017.
Autoeuropa? Faria o mesmo
Confrontado com a atual situação na Autoeuropa e questionado se também imporia um horário de trabalho perante a falta de acordo laboral, José Manuel Fernandes é perentório: “Faria, completamente“.
“Se os trabalhadores já têm as suas posições salvaguardadas naquilo que está estabelecido, está regulamentado, na contratualização e em acordos anteriores, o que querem mais? Querem pôr em causa cerca de 70% da estrutura de valor da empresa para onde estão a trabalhar?”, critica o gestor.
José Manuel Fernandes salienta a ameaça da concorrência que acaba por obrigar a este tipo de decisões. “Há uma coisa de que não se fala na discussão da Autoeuropa, é que estão a competir com a China e com muitos lados. Eles têm de ter variáveis para puderem ter sucesso naquilo que estão a planear. Isto é muito importante”, salienta.
Há crédito, mas também mais rigor
Relativamente ao papel da banca no que respeita à disponibilização de crédito, o presidente da Frezite diz que a porta não tem estado fechada, nota sim que os bancos “estão a ser muito mais rigorosos, muito mais seguros“.
De salientar que a concessão de crédito às empresas não tem conseguido acompanhar o ritmo de forte crescimento do dinheiro que tem sido disponibilizado às famílias em empréstimos para a compra de casa e consumo. A concessão para este segmento está em máximos de 2010.
Contudo, o líder da Frezite não considera que as empresas estejam a ser preteridas na corrida ao crédito. “Se a banca identificar projetos bem estruturados e credíveis, continua a competir entre si para agarrar esses projetos“, defende.
José Manuel Fernandes concorda, aliás, com a atual estratégia dos bancos. “Precisamos de um sistema financeiro credível e que tenha pés sólidos”, conclui.
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“O cometa do turismo é brilhante, mas de flash instantâneo”
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