E se o Bloco e o PCP tiverem razão na TSU?

Os comunistas e bloquistas estão contra a proposta de baixar a TSU para as empresas que contratem sem termo. E se calhar têm razão.

A legislação laboral talvez seja o último grande pilar das reformas da troika que se aguentou de pé depois da fúria de reversões do Governo socialista apoiado pela esquerda radical.

Em matéria de mercado de trabalho, quase tudo o que o Governo tem feito, tem feito bem. E o que não tem feito, não tem feito bem.

O que fez bem? Não mexeu nas indemnizações por despedimento, no valor das horas extras, não mexeu na majoração das férias, não eliminou a figura do despedimento por inadaptação e não revogou as alterações no despedimento por extinção de posto de trabalho como exigem os comunistas. Não mudou a norma do Código de Trabalho que prevê a caducidade das convenções coletivas, o que seria um retrocesso de 15 anos na legislação laboral.

Mexeu, e bem, nas políticas ativas de emprego que deixaram de dar bónus às empresas que optam pela contratação a prazo e acelerou a publicação das portarias de extensão para tentar dinamizar a contratação coletiva. Uma das primeiras medidas que António Costa tomou foi lançar um concurso para inspetores da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). Para que serve ter boas leis se depois não há quem zele pelo seu cumprimento?

Do lado do código contributivo, mas com repercussões no mercado de trabalho, o Governo vai revolucionar os recibos verdes, com as empresas que forem responsáveis por 50% da remuneração de um trabalhador independente a terem de responder pelos descontos para a proteção social desse mesmo trabalhador. O próprio Estado, como empregador, deu o exemplo através de uma mega operação de regularização de vínculos precários na Função Pública.

As duas medidas que estão na calha

Dito isto, o Governo prepara-se para lançar duas das medidas bandeira do seu programa: por um lado, revogar o banco de horas individual e, por outro, mudar a TSU para penalizar as empresas com maior rotatividade de trabalho e beneficiar as empresas com contratos por tempo indeterminado.

Em relação ao banco de horas individual, o Governo tem razão. É uma figura que, além de ter uma utilização residual em Portugal, coloca o trabalhador numa posição desigual e de desvantagem total face à entidade patronal já que perde a força da negociação coletiva para tentar fazer valer a sua vontade, seja ela qual for.

Sobre as alterações na TSU, Vieira da Silva quer ressuscitar uma lei de 2010 do próprio Vieira da Silva e que já está no Código Contributivo, embora esteja suspensa: a ideia é agravar a TSU a cargo do empregador que contrata a prazo em três pontos (de 23,75% para 26,75%) e reduzir em um ponto a TSU de quem contrata sem termo (de 23,75% para 22,75%).

Bloquistas e comunistas não querem

É neste ponto que a geringonça começa a tremer por todos os lados já que os partidos à esquerda do PS até aceitam uma subida da TSU para as empresas com maior rotatividade de trabalho, mas rejeitam uma compensação para os empregadores que garantam vínculos estáveis.

Bloquistas e comunistas são contra porque ideologicamente não gostam de dar grandes abébias às empresas, porque na conceção da extrema-esquerda estas só servem para explorar os trabalhadores. Não quiseram baixar a TSU como contrapartida do aumento do salário mínimo nacional e não querem baixar agora para combater a precariedade. Além disso, argumentam, e com alguma razão, que os acordos de Governo assinados com os Verdes e com o Bloco garantem que a TSU não baixa. Palavra dada devia ser palavra honrada.

Pelas más razões, a verdade é que Bloco e PCP provavelmente têm razão, como tiveram razão quando travaram a ideia peregrina do programa eleitoral do PS de descer temporariamente a TSU suportada pelos trabalhadores em troca de baixar o valor futuro das suas pensões.

Vamos por partes:

1) Aumentar a TSU para penalizar as empresas com contratos a termo pode fazer sentido, não como forma de arrecadar receitas, mas como forma de induzir comportamentos e evitar a utilização abusiva dos contratos a termo certo. O Governo tem razão quando argumenta que uma parte substancial do subsídio de desemprego é pago a quem vê terminado o seu contrato a prazo. Como tal, parece ser justo que essas empresas paguem mais pela proteção desses trabalhadores. Isto desde que o Governo acautele na lei uma norma de diferenciação setorial para não penalizar os custos de atividades como a agricultura e o turismo que, pelas suas características, precisam de trabalho sazonal.

Claro que estaríamos todos mais descansados se o Governo fizesse algum tipo de estudo que secundasse esta medida, até para perceber que problema estamos a tentar resolver. O pior que pode acontecer é o Governo estar a tentar resolver um problema que não existe. Se é verdade que o peso dos contratos a prazo e falsos recibos verdes na economia é hoje de 22,2%, também é verdade que provavelmente sempre assim foi, o que não tem a ver com a maldade dos patrões ou com uma política maquiavélica de contratações, mas com a estrutura e com o peso das atividades sazonais na própria economia.

2) Baixar a TSU para premiar as empresas que contratam sem termo é uma medida simpática e voluntarista, mas que pode ter efeitos perversos. Dado que a esmagadora maioria dos contratos em Portugal são sem termo, o Governo ver-se-á a braços com uma monumental perda de receitas. E se o objetivo for usar a taxa para induzir comportamentos, então é provável que os comportamentos sejam induzidos. Se as empresas que hoje contratam a prazo passarem a contratar sem termo (visto que a diferença da TSU de um e outro contrato será de quatro pontos), então o rombo orçamental será ainda maior. Numa altura em que se fala tanto na sustentabilidade da Segurança Social, não será contraproducente? O Governo pode sempre argumentar que perde na TSU, mas ganha na descida dos subsídios pagos aos desempregados. Mas será que compensa? Não sabemos, e o pior é que o Governo também não.

Usando a imagem popular do burro, da cenoura e do chicote, o que o Governo está a tentar fazer é que o burro (a empresa) não se desvie para o caminho da precariedade, caso contrário leva com o chicote (a subida da TSU para os contratos a prazo). Se for pelo caminho certo, recebe uma cenoura (a descida da TSU para contratos sem termo). O problema é que se todos os burros decidirem ir pelo caminho certo, as contas públicas não terão cenouras que cheguem para todos.

Resumindo, aumentar a TSU para evitar abusos nos contratos a prazo pode ser uma boa medida, mas baixá-la para premiar as empresas, que mais não estão a fazer do que preencher lugares permanentes com trabalho permanente, pode ser uma aventura orçamental. Transformar a descida da TSU num cavalo-de-batalha – ou num burro de batalha – é comprar uma guerra inútil com o PCP e com o Bloco.

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