O representante histórico dos trabalhadores da fábrica de Palmela, António Chora, diz que "negociar para fazer mais carros é fácil, manter empregos quando não há trabalho é que é difícil".
António Chora reformou-se em janeiro de 2017, após 48 anos de descontos, 24 deles à frente da Comissão de Trabalhadores (CT) da Autoeuropa. Em conversa com o ECO, o representante histórico dos trabalhadores reflete sobre a fábrica da Volkswagen em Palmela mais de um ano depois de ter saído — um ano que foi de tumulto, com o chumbo de pré-acordos, a demissão de uma CT e eleição de uma outra, a imposição de novos turnos sem haver acordo, greves, e a Autoeuropa nas bocas do país.
No primeiro verão depois da sua saída da Autoeuropa começou a intensificar-se o conflito, que alguns interpretaram como uma guerra de sindicatos e de partidos. Como é que vê essa interpretação?
Com a demissão da comissão de trabalhadores, após a reprovação do pré-acordo de agosto, houve uma tentativa clara de alguém tomar conta daquilo. Mas não ganharam os sindicatos, nem da UGT porque de facto não tem muita expressão, nem os da CGTP, que têm cerca de 9% de expressão. Portanto, digamos que era uma guerra fratricida entre sindicatos se continuassem a tentar entrar por aí. Também se falou muito que era uma guerra de partidos, entre o PCP e o Bloco, mas na verdade os partidos que falavam nisso eram partidos que se queriam posicionar na guerra, estavam era do outro lado. Queriam-se posicionar do lado do patrão.
Quem acabou por vencer havia de ser o populismo. As pessoas que foram a plenários dizer que não acreditam nem em partidos políticos nem em sindicatos ganharam as eleições a seguir para a Comissão de Trabalhadores. Quando uma pessoa é eleita para uma Comissão de Trabalhadores com a responsabilidade de uma empresa como é a Volkswagen, a Autoeuropa, não pode prometer às pessoas aquilo que não é capaz de cumprir.
Acha que a atual Comissão de Trabalhadores prometeu o que não podia cumprir?
Aquela Comissão de Trabalhadores, os que ganharam, que tiveram quatro lugares em 11, promete que ninguém vai trabalhar aos sábados, que ninguém vai trabalhar aos domingos, era tudo muito bonito.
E ganham, e depois chegam lá e confrontam-se com uma empresa que extremamente dura a negociar — eu negociei 22 anos com eles, sei perfeitamente do que estou a falar — e viram que afinal têm de fazer sábados, e que afinal ainda vão ter de fazer domingos, muito provavelmente. Seria para o bem de todos, e pelo menos para o bem dos que entraram agora, porque o emprego deles depende de a empresa ter muita produção… As pessoas começaram a cobrar as promessas, e isso criou uma desorganização de tal maneira que já ninguém se entendia.
E o ambiente na fábrica?
Deteriorou-se por completo. Ninguém acreditava na Comissão de Trabalhadores, que chegou a entrar às 7:00 da manhã e ter um papel na porta, afixado, a dizer “demitam-se”. Ainda hoje há um abaixo-assinado que exige a demissão da Comissão de Trabalhadores, que ela ainda não fez cumprir. Já devia ter marcado um plenário e ter feito a votação, independentemente de qual for o resultado, mas pelo menos cumpria os estatutos.
Agora que existe um acordo salarial, a situação acalmou?
Agora a questão parou um bocadinho, efetivamente fizeram um acordo, extremamente inteligente, que foi aprovado e ainda vai manter a paz social na empresa pelo menos até lá para maio ou abril, até começarem a negociar os horários futuros, o horário de domingo, que é o que falta neste momento.
O que lhe parece o acordo que foi negociado?
Preferia não comentar, mas foi um acordo inteligente na sua divulgação, foi um acordo inteligente no seu conteúdo. Um acordo que tem 3,2% de aumento para 15 meses, o que não é nada mau. O resto é copy paste dos acordos anteriores, tudo exceto uma ou outra coisa. Muito honestamente, estou feliz por ter havido acordo, e quero que fique claro: ainda bem que o acordo passou, porque pelo menos deixaram de falar tanto na Autoeuropa.
Negociar para fazer 240 ou 250 mil carros… isso é facílimo. Agora manter os empregos quando não há trabalho, isso é que é difícil.
Como assim?
A minha aflição não é o que se fala da Autoeuropa em Portugal, mas o que estava a atravessar as fronteiras. Falar muito na Autoeuropa além-fronteiras pode criar alguns obstáculos a decisões futuras, e as decisões futuras são feitas sempre com quatro, cinco ou seis anos de antecedência.
Eu não sou daqueles que defendem que a Autoeuropa vai para Marrocos. A Volkswagen não utiliza esse sistema de deslocalização, mas utiliza outros sistemas, como a redução da produção.
A Volkswagen pode apostar mais noutras fábricas?
Se pensar que não pode pôr aqui um carro a produzir 200 e tal mil unidades, mete um que produz 80 mil. Eu passei ali anos difíceis, eu e os meus colegas da Comissão de Trabalhadores, a negociar produções de 80 ou 90 mil carros com pessoas para fazer 130 ou 140 mil. Isso é que é difícil de negociar. Negociar para fazer 240 ou 250 mil carros… isso é facílimo. Agora manter os empregos quando não há trabalho, isso é que é difícil.
Parece-lhe que na negociação coletiva é preciso, por vezes, pensar um pouco fora da caixa?
Neste momento, os negociadores merecem-se a si próprios. Os sindicatos têm uma teoria, que é defender os direitos adquiridos mas não aplicados. Os patrões preferem não ter contratação coletiva nenhuma, é porreira esta lei da caducidade que, diga-se de passagem, existe em quase toda a Europa, mas com outros termos. Aqui é grave porque para além da caducidade temos o problema de que caducam também os direitos mais favoráveis do que o Código de Trabalho. Há países onde tudo o que seja mais favorável do que o Código de Trabalho fica, mas cá caduca tudo. E os sindicatos podem negociar coisas abaixo do que está no Código de Trabalho. Assim para que é que a gente o quer?
No período de confusão que se seguiu à saída, havia muita gente que dizia que se António Chora estivesse lá, não teria acontecido. O que acha que é, no seu trabalho e em si, que fez falta nestas negociações?
Há alguma confusão no meio disso tudo. Para já, o nosso trabalho foi sempre um trabalho de equipa. Tentámos sempre trabalhar todos, na Comissão de Trabalhadores, mesmo as quatro pessoas que lá representavam os sindicatos, três da CGTP e um da UGT nos 11 elementos da CT. Trabalhámos sempre em conjunto e o que levávamos à empresa era muito discutido por nós. Esse era o principal trabalho.
Depois tinha outro que era o seguinte: a partir de 1999 nós entrámos para o comité europeu e comité mundial de trabalhadores da Volkswagen. É preciso saber conquistar essas pessoas, pelo menos os dirigentes desses comités. Na Volkswagen, eles representam 50% do poder de decisão, portanto, tendo-os do nosso lado, temos um poder interno dentro da Autoeuropa.
Quando a dimensão do carro é muito grande e nos começam a incentivar a lutas, cuidado, porque alguém quer o carro.
Eu fui uma pessoa que sempre me dei muito bem com eles, sempre consegui deles aquilo que lhes pedi — também nunca exagerei nos pedidos que lhes fazia. Desde a necessidade de robotização ser aplicada apenas em subidas de produção para não haver desemprego até à necessidade de produzirmos aqui novos produtos ou partes de produtos para não parar máquinas que custavam milhões de euros, como é o caso das prensas — estiveram muito tempo a fazer peças para o polo, a fazer peças para o Golf, porque aquelas prensas, para produzir para 80 mil carros como nós fazíamos, um dia por semana chegava.
Sempre tive esse apoio e esse suporte. Tínhamos uma rede montada em que sabíamos exatamente, desde o Brasil à República Checa, como é que todas as fábricas tinham negociado e qual o caminho que estavam a seguir. Neste momento a pessoa que lá está não é sindicalizada. Numa organização daquelas, a desconfiança é muito grande quando se é anti-sindicatos, porque todos eles são sindicalizados. Por mais solidariedade que lhes enviem, por mais cartas que lhes escrevam, eu conheço-os bem… aquela solidariedade real que é preciso ter, é preciso ganhá-la, conquistá-la.
Também é um trabalho muito importante, o de criar laços com os comités estrangeiros?
É o trabalho mais importante de todos. O resto aqui é negociar, até um determinado ponto. Depois também é preciso saber que, quando a dimensão do carro é muito grande e nos começam a incentivar a lutas, cuidado, porque alguém quer o carro. Havia um princípio em que as produções acima das 230 mil unidades deviam ser sempre feitas na Alemanha. Este é um carro muito simples e o Golf estava-se a vender muito bem, e houve uma decisão, mas quando o Golf começou a ter problemas, começou a haver uma solidariedade… de vão de escada. Alguma do género: ‘Vai para a frente, para ver se isto anda para trás, a decisão que já tomámos’. Quando estamos a negociar, é preciso saber perceber o que é que querem. E isto, são os anos e a prática que nos dão, e as pessoas que lá estão neste momento não têm nem os anos nem a prática suficientes para saber isso. Esse é o meu receio.
Falando do sindicalismo na atualidade, como é que os sindicatos podem enfrentar o desafio de defender os direitos dos trabalhadores nesta altura de crescente informalização do mercado de trabalho?
É o grande desafio dos sindicatos. Isso prova-se até pelas adesões aos sindicatos que estão baixíssimas, nunca estiveram tão baixas ao longo de toda a história do trabalho como estão neste momento.
As escolas técnico-profissionais eram um bom caminho para mostrar a importância do sindicalismo. Não basta mostrar a importância do capital e de arranjar trabalho e de ter uma profissão. É preciso também mostrar a importância de ser sindicalizado, até para os próprios patrões.
Acha que o discurso organizado dos trabalhadores também é um benefício para os patrões?
É um benefício para os patrões. A sociedade capitalista chegou até onde chegou hoje em dia graças aos sindicatos. Se não fossem os sindicatos a moderar isto ainda estávamos como no final do século XIX, em que quando o pessoal estava descontente partia as máquinas todas e destruía as fábricas. Foram os sindicatos que vieram pôr um travão nisso, com os contratos coletivos de trabalho, organizando os trabalhadores, falando com eles.
É claro que hoje em dia, com os contratos a prazo, é muito difícil organizar os trabalhadores, mas é preciso ir ao encontro deles. É preciso fazer ver aos trabalhadores a necessidade de estarem sindicalizados. Vai dar mais trabalho do que estar sentado atrás de uma secretária à espera que o trabalhador lá vá. Tem de se ir aos call centers, aos teatros, a muitos sítios, falar com os trabalhadores.
Notícia corrigida às 17:00: António Chora reformou-se com 48 anos de descontos, 24 dos quais na Autoeuropa. A entrada da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa para o Comité Europeu de Empresas foi em 1999, e não em 1989.
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António Chora: “Populistas ganharam a eleição para a comissão de trabalhadores da Autoeuropa”
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