Bernardo Hernández integrou a equipa inicial do Idealista em 2000, passou pela Google e pela Flickr e, agora, é o homem que tem o dinheiro na mão. E está disposto a deixá-lo no nosso país.
Bernardo Hernández integrou a equipa do Idealista, uma plataforma online de compra e arrendamento de imóveis. Aí iniciou-se na vida de empreendedor, mas não foi por lá que ficou. Passou pela Google, pela Flickr e conta agora com cerca de duas dezenas de empresas em portefólio.
O investidor esteve em Lisboa para participar no encontro mundial de alumni do IE Business School e o ECO esteve à conversa com ele. Falou-se da cidade, dos negócios em Portugal, do Facebook e da importância do fracasso no caminho para o sucesso.
Esteve na equipa inicial do Idealista em 2000. O que mudou no mundo e no empreendedorismo nestes 18 anos?
Mudou praticamente tudo. A penetração da internet passou de 15% para 90%, a monetização é uma realidade, os modelos de negócio na internet são uma via de gerar valor monetário. Antes existiam só os computadores, agora temos telemóveis em todo o lado. Não havia talento que surgisse da internet, nem modelo de negócio, nem investimentos, nem quase tecnologia. Agora há capacidades dentro destas áreas. E, a única coisa que não mudou foi a capacidade da tecnologia se ir transformando a uma velocidade muito rápida e de ir ameaçando todo o paradigma antigo de uma forma que nos permite fazer o mesmo, mas mais rápido.
Era mais desafiante do que agora?
Era mais difícil porque nunca se tinha feito e estava tudo por definir, pelo que não havia muita concorrência. Agora é relativamente mais fácil porque está tudo mais claro, mas há muito mais concorrência. São dificuldades diferentes.
Então é mais fácil ser empreendedor agora do que antes?
Têm a mesma dificuldade, com desafios distintos. Mas um empreendedor tem de continuar a conseguir identificar um problema, a desenvolver boa tecnologia, a ter foco, a conseguir dinheiro e… fazer tudo isto bem. Mas com apenas 4% das empresas a terem sucesso, a complexidade é distinta.
Como vê este entusiasmo em relação ao empreendedorismo em Lisboa?
Lisboa está a fazer tudo muito bem, está-se a converter num hub de tecnologia muito bom, que tem muitos elementos similares a São Francisco. As pessoas chamam-lhe “pequena São Francisco” pelo surf, a ponte, a água… É uma cidade relativamente barata para viver, o que para as startups é bom porque necessitam de um ambiente com recursos acessíveis. Tem muito talento e está a ser capaz de atrair talento técnico e negócios muito bons de todo o mundo.
Passou de empreendedor para investidor. Quando se faz esta passagem, esquece-se de como é ser empreendedor ou esse espírito fica sempre?
Continuo a utilizar muitas das coisas que utilizava para ser empreendedor. Sou um bom investidor porque antes fui empreendedor, mas há muitos investidores que nunca foram empreendedores, principalmente nos Estados Unidos, porque necessitam de entender coisas distintas.
" Sou um bom investidor porque antes fui empreendedor, mas há muitos investidores que nunca foram empreendedores, principalmente nos Estados Unidos, porque necessitam de entender coisas distintas.”
Mas ajuda?
Ajuda, mas não é suficiente. É uma posição distinta. Tem que se fazer um estudo detalhado da ideia, compará-lo, tomar decisões de uma forma fria, diversificar o risco… Atitudes distintas das de um empreendedor, que está mais num sítio, está focado numa só coisa, faz “whataver it takes”. Ajuda, porque ajuda a entender a complexidade dos investimentos, mas são profissões distintas.
Quais são os fatores que mais valoriza quando está a decidir se investe ou não num projeto?
Eu gosto de identificar cinco coisas nos projetos: tem de solucionar um grande problema, um problema que afete centenas de milhões de pessoas, porque custa mais solucionar um problema grande do que um problema pequeno. Além disso, tem de ter vantagem técnica competitiva, um foco e dedicação, dinheiro suficiente, ou pelo menos financiamento suficientemente para se poder refazer, porque as soluções nunca saem à primeira, precisa-se de tempo para poder refazer E, por fim, que de alguma maneira estejam obcecados na resolução desse problema.
E em todas as empresas em que já investiu, houve alguma que falhou?
Sim, várias. Acredito que o fracasso seja uma parte fundamental do caminho, não acredito num caminho feito exclusivamente de êxitos. Conheço poucos que alcançaram logo o sucesso. Apenas quatro ou cinco iniciativas em que investi saíram bem à primeira. Mas a verdade é que com o fracasso também se aprende “o que não fazer”. E a evitar cair na mesma pedra várias vezes, aprendendo com o primeiro erro.
"Nas culturas latinas, se fracassas já não segues em frente. Eu acredito que a perseverança é provavelmente uma das características mais importantes de um empreendedor.”
Então não foi dinheiro deitado ao ar?
Houve alguns investimentos em que perdi dinheiro. Mas, ainda que se perca dinheiro, há lições aprendidas, porque nem sempre se ganha. Não conheço nada que ganhe sempre.
Há uns tempos atrás, falou-se muito cá em Portugal de uma empresa aclamada que acabou por falhar, tendo-se debatido muito sobre a cultura da falha. O que acha disto?
Um empreendedor pode evitar falhar de uma forma muito grande, mas o que tem de mudar é a perceção relativa ao fracasso. O fracasso, sobretudo em culturas latinas, tem uma componente pejorativa. Ter fracassado é como se já não fosse possível ter êxito. Temos de ser capazes de mudar isso. Walt Disney fracassou muito antes de construir o seu império e há muitos exemplos, Steve Jobs fracassou antes de ter êxito. Incorporar o fracasso como uma parte fundamental do caminho, sem componentes pejorativos, é muito importante. Nas culturas latinas, se fracassas já não segues em frente. Eu acredito que a perseverança é provavelmente uma das características mais importantes de um empreendedor.
E será essa uma das principais diferenças que existe entre o ecossistema de Lisboa e o de São Francisco?
Há muitas diferenças. São Francisco tem quase cem anos de história como local de desenvolvimento tecnológico e Lisboa acabou de começar. Há aí questões de maturidade que são importantes.
"Todos os meus projetos me deixaram um sabor doce na boca.”
Qual foi o investimento que fez até agora e de que mais se orgulha?
A Idealista. Foi o primeiro e, graças ao trabalho dos sócios no princípio e àqueles que estão lá agora, transformou-se num grande produto. Quase vinte anos depois continua a ser. Em Lisboa também o utilizam certo?
Sim.
E foi provavelmente aquele através do qual mais aprendi. Mas noutra etapa tive a .tuenti, uma rede social que foi maior que o Facebook, a maior de Espanha com 13 milhões de utilizadores, e que também me deixou muito orgulhoso. Todos os meus projetos me deixaram um sabor doce na boca.
Ia falar-lhe agora da Glovo, que entrou há pouco tempo em Lisboa. Concorda com o modelo que tem seguido?
Faz todo o sentido que se tenha descentralizado a mobilidade de produtos e serviços, e Lisboa será um dos melhores mercados, um dos primeiros onde entrámos internacionalmente e é uma aposta muito importante.
Mas é um produto que tem muita concorrência, é só olharmos para as ruas de Lisboa.
A vantagem competitiva da Glovo é a excelência operativa, não há nenhuma diferença tecnológica, não há uma diferenciação em termos de produto. A diferença está mesmo em ter uma boa oferta, a diferença no tempo da entrega.
Vê alguma empresa ou startup em Portugal em que poderia investir, ou que está mesmo com intenções de investir?
Sim, há uma empresa que se chama Aptoide da qual gosto muito e que sou sócio através do meu fundo alemão. Há também outra de golfe chamada Hole19 da qual também gosto muito. Diria essas duas.
Esteve sete anos na Google. Como é que foi trabalhar lá e quais foram as lições que retirou?
Foi uma experiência incrível porque trabalhei na empresa num dos melhores momentos, em 2005. Entrei, construí a Google Europa, passei para a central, trouxe a Google Maps e trabalhei em funções como o marketing. Foi extraordinário. A perspetiva mundial de escala que ganhas ao trabalhar em empresas como estas é extraordinário.
Continua a utilizar ferramentas que aprendeu lá?
Continuo a utilizar todos os dias coisas que aprendi na Google, saí há cinco anos mas continuo a utilizar. Não continuei ligado à empresa, mas tenho grandes amigos.
E está ligado através dos produtos…
Sim, claro. (risos) Através do email e de outras coisas.
"Já há algum tempo que digo que a grande ameaça da internet é a questão dos dados e a gestão da privacidade. Durante muitos anos deu-se o benefício da dúvida às grandes empresas, porque com um grande poder vem uma grande responsabilidade. ”
Vivemos um momento decisivo no que diz respeito à privacidade e à proteção de dados. Como é que vê este tema?
Já há algum tempo que digo que a grande ameaça da internet é a questão dos dados e a gestão da privacidade. Durante muitos anos deu-se o benefício da dúvida às grandes empresas, porque com um grande poder vem uma grande responsabilidade. Até agora todas as empresas grandes têm tido um respeito escrupuloso pela questão da privacidade, porque não podem cometer grandes erros como cometeu o Facebook.
Estará condenado por causa disso?
Não acredito tanto que esta seja uma falha estrutural, mas que tenha sido uma negligência específica. O risco de que alguma coisa assim acontecesse era muito grande e acabou por acontecer. E atuou como um efeito multiplicador desta questão que afeta todos os produtos de tecnologia e consumo, ou seja, de como se lida com a questão dos dados. Inevitavelmente vai gerar uma onda de reformas legislativas em todos os países para se regular de maneira muito especifica o uso da informação privada dos indivíduos. Vão forçar estas empresas a pôr à disposição do público geral o valor dos dados que têm e a que não sejam eles os que beneficiam única e exclusivamente dele. É semelhante ao que já aconteceu noutras indústrias, na ferrovia, nas elétricas, na banca. É preciso regular com uma perspetiva de bem público.
"Temos de primeiro identificar a doença e depois criar a vacina. Lamentavelmente vamos ter alguns sustos mais que nos ajudem a construir os mecanismos de defesa para que tudo isto exista de uma forma mais segura e com mais proteção.”
E não será já muito tarde para falar em regulação? Já não deveria ter sido pensada e aplicada antes?
Nunca é muito tarde. Estes são temas complexos e ainda estamos numa fase inicial. Antes não sabíamos a dimensão e a complexidade do problema e agora que sabemos já podemos regular. Já conseguiu a atenção dos legisladores, para trabalharem no tema.
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Em relação à abordagem de Mark Zuckerberg ao escândalo, esta foi certa ou haveria outra maneira?
A complexidade era tanta que ele poderia ter falado antes, poderia ter falado depois, poderia ter explicado de uma maneira melhor, mas penso que o que ele quis fazer era primeiro recolher toda a informação possível e depois falar. No final, pediu desculpa, disse que se esforçará totalmente para que não volte a acontecer e resolver tudo isto. Os Governos também irão agir, uma vez que não foi a forma mais idónea ou eficiente de abordar o problema, mas perante a complexidade, penso que fez bem em não se precipitar e tirar tempo para pensar.
Consegue afirmar com certeza que algo assim não vai voltar a acontecer?
Nunca se sabe. O risco existe, mas serão criadas ferramentas para limitar e tornar mais difícil. Mas isto é um processo, tal como noutros setores e noutras indústrias e noutros momentos da historia, são os erros que acabam em soluções. Temos de primeiro identificar a doença e depois criar a vacina. Lamentavelmente vamos ter alguns sustos mais que nos ajudem a construir os mecanismos de defesa para que tudo isto exista de uma forma mais segura e com mais proteção.
Se tivesse acontecido com uma empresa sua, teria agido da mesma forma?
Não sei, ele demorou muitos dias a dar a cara, mas acho que de alguma maneira o que ele estava a tentar fazer era dar uma boa resposta e não dar uma resposta rápida.
Parte do problema da privacidade é também a falta de instrução das pessoas para lidar com ela. Quais são os esforços que têm de ser feitos pelos consumidores?
Ser consciente de que estamos a dar muita informação a todos estes produtos e serviços e saber muito bem como podemos controlar essa informação, como podemos apagá-la ou movê-la. É necessário entender muito bem quais são as características dos produtos antes de os utilizar e não os utilizar de uma forma cega e inconsciente. Não podemos atribuir toda a responsabilidade ao fornecedor do serviço, termos também de nós, como utilizadores, ter uma responsabilidade de entender como se utiliza a nossa informação, com que fins, e fazer tudo isto.
Entrevista retificada com informação de que Bernardo Hernández não foi fundador do Idealista mas integrou, sim, a equipa inicial do projeto.
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“Lisboa é uma pequena São Francisco”, diz Bernardo Hernández, investidor e empreendedor
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