Negociação do novo quadro comunitário “será difícil”. Veto? “É cedo para extremismos”

Pedro Marques, ministro do Planeamento, diz que as negociações com Bruxelas para o novo quadro comunitário serão difíceis. Reconhece que o processo vai ser longo, mas para já não fala em vetos.

Pedro Marques, ministro do Planeamento e Infraestruturas, reconheceu no ECO24, um programa que resulta da parceria entre o ECO e a TVI24, que a negociação para o novo quadro comunitário de apoio será difícil. O ministro diz que Portugal não pode abrir mão da política de coesão e da PAC, onde a Comissão Europeia quererá fazer cortes, e admite que as negociações serão mais prolongadas do que inicialmente previa. Ainda assim não querer falar na hipótese do veto, uma arma que pode ser utilizada pelos estados membros, porque diz que isso é “um mau começo“.

O ministro do Planeamento afirmou ainda que Portugal estaria disponível para aumentar a contribuição para o bolo europeu esperando assim retirar mais benefícios.

O governo fez um acordo em matéria de fundos comunitários com o PSD, para o próximo quadro comunitário de apoio para o período de 2020-2027, com uma fasquia mínima de 25 mil milhões de euros. Face ao atual draft da Comissão Europeia ainda acredita que Portugal pode receber o mesmo valor?

Quero esclarecer que não está em sítio nenhum essa fasquia mínima para Portugal. O que lá está, e bem, é que vamos lutar para que a política de coesão e a PAC não tenham reduções de valores no contexto europeu.

Já está em cima da mesa um corte…

Sempre defendi que o contexto inicial era dificílimo por causa do Brexit, o que aliás se acabou por ver na proposta inicial da Comissão que tem cortes na PAC e na coesão, mas é duplamente difícil porque mesmo dentro da coesão há regiões enormes como a Andaluzia, que regressam a regiões menos desenvolvidas passando a ser outra vez beneficiadas com dezenas de milhões de euros conforme o modelo que vier a ser definido. Assim, mesmo que o valor fosse o mesmo, teríamos sempre este problema, de dividir por mais regiões e mais população, o bolo da coesão. A negociação vai ser mesmo muito difícil, confirmou-se na proposta inicial.

Não se compromete, portanto, com o valor dos 25 mil milhões de euros?

Não. O que me comprometo, e aquilo com que o Governo português se compromete, é a defender intransigentemente os interesses dos portugueses.

Não se espera outra coisa…

Não me pode colocar a questão se me comprometo com determinado valor porque vamos estar a negociar a 27. A boa notícia é que fizemos o trabalho de casa com tempo, estivemos quase um ano a fazer um debate que nos permitiu consensualizar com a sociedade portuguesa e, neste caso, com o maior partido da oposição, aquilo que queremos fazer na próxima década neste país. Apresentámos os nossos objetivos na Comissão, e dissemos que estamos disponíveis e interessados que as novas políticas de inovação e ciência sejam reforçadas. E até de segurança.

E vão ser.

Exatamente, mas a falta de ambição do orçamento global não pode implicar que isso seja feito à custa de cortes nas políticas de coesão e na PAC, políticas que foram importantíssimas para o reforço das qualificações no espaço europeu. O que julgo que a Europa tem que compreender é que depois de tudo o que passámos nos últimos anos, desta Europa que esteve muito dividida no período da crise, dos populismos, dos anti-europeísmos primários que sofremos nalguns países, no fim disto, e a caminho de uma eleições europeias, a Europa ter uma proposta orçamental que divida os europeus e não os una, não é um bom caminho. Por isso é que dizemos que é preciso mais ambição.

A Europa ter uma proposta orçamental que divida os europeus e não os una, não é um bom caminho

Pedro Marques

Ministro do Planeamento e das Infraestruturas

O ministro Santos Silva disse que este processo começou mal, exatamente porque há cortes de 5% na coesão e 7% na PAC. Qual é a estratégia do Governo para que se passe para outro patamar?

Desde logo, a nossa disponibilidade — que afirmamos desde o princípio e que também consensualizamos no país — do lado da receita. Defendemos mais receitas para o orçamento europeu, o que quer dizer que devemos contribuir com mais receitas para esse orçamento e até defendemos taxações, mecanismos de recursos próprios que a UE possa definir.

Portanto, de um lado uma maior contribuição do lado da receita, eventualmente com receitas próprias ou com mais contribuições nacionais, e estamos disponíveis para fazer a parte que nos cabe enquanto país mas, sobretudo, não aceitar aqueles cortes que foram determinados no orçamento global, e reclamar os recursos que ficaram alocados a estas políticas. E isso faz toda a diferença porque vamos estar a distribuir os recursos por 27, os estados de desenvolvimento dos países não são os mesmos e parte do que fez com que as variáveis chave tenham evoluído de determinada maneira em cada país são completamente diferentes.

Exemplos?

O PIB per capita português pode ter evoluído nalgumas regiões mas porque diminuiu a população dessas regiões. Há regiões que diminuíram o PIB per capita porque diminuíram drasticamente as suas populações. Isso tem que ser tido em conta. É preciso discutir as dotações globais, mas é preciso discutir a forma como está a ser preparada a distribuição de recursos entre países, porque não nos podemos esquecer que a política de coesão é crítica para completarmos o mercado interno, mas é crítica também para a própria coesão do mercado europeu.

O PIB per capita vai deixar de ser o único critério. Que peso é que Portugal considera razoável para este critério na distribuição de fundos? Fala-se em 75% do total a ser distribuído em função dessa riqueza criada por habitante, é um número razoável para Portugal?

Essa é exatamente o tipo de debate que estamos a ter agora e, é por aí que está a passar a nossa estratégia negocial. Conhecida aquela proposta inicial, temos estado a trabalhar junto das instituições comunitárias para demonstrar que grandes afastamentos do modelo de distribuição de recursos com base no PIB per capita pode determinar distribuições inusitadas de recursos que põem em causa a tal coesão entre os países europeus. Mas também estamos a trabalhar para que mesmo critérios como o do PIB per capita sejam lidos à luz das variações populacionais, estamos a querer discutir com a Europa que alguns dos critérios adicionais não podem ser de natureza conjuntural. Tipicamente um dos critérios usados adicionalmente é o desemprego, mas este tem flutuações brutais ao longo de sete anos, como aliás felizmente está a acontecer em Portugal. Temos que utilizar critérios mais estruturais, associados à demografia, critérios como o desemprego de longa duração, as qualificações da população. Estamos a falar de variáveis mais estáveis e que refletem melhor a situação de um país e não da conjuntura.

Esta é uma negociação que estará terminada até ao final do ano?

Essa é a ambição de várias instâncias europeias, e desde logo da Comissão.

Mas não é exatamente a sua crença?

Portugal, desde logo, defendeu uma negociação rápida até porque não se compreende bem o Parlamento Europeu que sairá das próximas eleições… Uma coisa é clara: sairá um Parlamento Europeu muito mais pulverizado, por isso mais difícil de encontrar blocos estáveis de negociação. Mas depois da apresentação da proposta da Comissão Europeia, fiquei eu, pessoalmente, e ficou o governo português, muito mais cético quanto à possibilidade de um acordo rápido perante uma proposta que foi recebida desta forma em toda a Europa.

Os países têm o direito de usar o veto. Com esta proposta, como está atualmente, o Governo português usaria o veto para impedir um acordo?

Seria inadequado da minha parte, utilizar essa expressão ou fazer qualquer… Podia soar a uma ameaça. Não me parece que isso seja interessante. Deixámos claro que este era um mau ponto de partida, mas mostrámos a nossa disponibilidade para um processo negocial. De qualquer forma avisámos que nos parecia que ia ser mais longo [o processo de negociação] do que nós próprios inicialmente antecipávamos. Deve ser assim que nos devemos posicionar. Há muitos pontos de veto, há muitos países que podem vir utilizar essa arma negocial, mas acho que é muito cedo para estarmos a colocar as coisas nesses termos. E começar já com esse tipo de extremismo de processo negocial é um mau ponto de partida.

Falou em aumentar as receitas. De onde é que poderiam vir esses aumentos?

Várias soluções foram equacionadas e a Comissão Europeia apontou algumas delas. Há as taxações na área do mercado de carbono, há mecanismos que têm a ver com a aproximação das bases fiscais e, em particular, tinha sido discutida de forma mais intensa a questão da taxação da economia digital de natureza transnacional, aquela que não pode ser taxada numa base nacional, mas também os lucros do Banco Central Europeu seriam outra possibilidade para financiar a capacidade orçamental na Zona Euro. É outro dos embriões de receitas que podiam ser equacionados. Ideias para mecanismos de receita existem é preciso é haver vontade política para termos mais Europa e não uma Europa dividida.

Essas ideias são sempre muito interessantes e faz-me lembrar a ideia de tributação de mercado de capitais, mas que têm um problema e que é a deslocalização. Empresas como as tecnológicas, por exemplo, podem ir para outro sítio.

Depende de forma como tributação é feita. Se a tributação é indexada ao local onde é feito o consumo desse produto, ou se é feito na origem da produção… Mas é complexo. Por isso é que não pode ser feito na base nacional. Agora, obviamente que é difícil e é por isso que a UE tem feito um longo caminho no estudo das várias soluções possíveis. E devo dizer que acho que o trabalho que se possa fazer no sentido da menor desigualdade ou menor concorrência fiscal entre os estados membros irá sempre no bom sentido.

Falou na possibilidade de o Estado aumentar o seu esforço face ao atual, mas de onde é que viriam essas transferências?

Necessariamente da nossa receita global. Teríamos de aumentar a fatia para o orçamento europeu, se acreditamos que as políticas europeias beneficiam os portugueses. Teríamos que alocar um pouco mais de receitas nossas, mas também para ter mais benefícios.

Novos impostos?

Não julgo que essa questão esteja em cima da mesa. Teríamos de fazer um esforço sabendo que em troca disso estávamos a beneficiar de novas políticas e da manutenção das políticas de coesão e da PAC que tanto têm feito pelo nosso país.

Não se quer comprometer com um objetivo financeiro e com os 25 mil milhões?

Temos necessariamente que deixar em aberto o quadro global. Não achamos aceitável os cortes na política de coesão e na PAC. Mas somos realistas face ao resultado global. Sabemos que é muito difícil.

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