Geringonça portuguesa pode ensinar algo a Espanha e Itália? Sim e não
Dois novos governos. Um em Espanha e outro em Itália. Um sem maioria no Parlamento e outro um caldeirão político. A geringonça de Costa pode ajudar Sánchez e Conte a encontrar soluções governativas?
Espanha e Itália têm desde a semana passada novos governos. O primeiro não tem maioria e o segundo resulta de uma coligação improvável. Ninguém sabe ao certo quanto tempo vão durar e, por isso, as comparações com o que se passou em Portugal em 2015 são imediatas. Mas será que a geringonça portuguesa criada por António Costa pode dar lições a Pedro Sánchez e a Giuseppe Conte?
“A principal lição que Portugal já deu a Espanha é que o Parlamento tem vida própria”, diz ao ECO o filósofo Viriato Soromenho-Marques. Na sexta-feira, o líder do PSOE conseguiu juntar 180 deputados e através de uma moção de censura deitou abaixo o Governo de Mariano Rajoy. Em 2015, Costa reuniu 122 votos para derrubar o Executivo de Passos Coelho. Ambos chegaram a líder do Governo sem terem vencido as eleições.
"A principal lição que Portugal já deu a Espanha é que o Parlamento tem vida própria.”
António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, acrescenta que apesar das diferenças, Pedro Sánchez pode aproveitar alguns dos ensinamentos da geringonça de Costa. “O grande desafio do PSOE é recuperar o eleitorado que perdeu – tal como aconteceu em 2015 com Costa. No caso de Espanha a tarefa é mais fácil, porque o PP radicalizou-se. Mas Sánchez precisa de encetar modelos negociais”, que permitam resolver o principal desafio – a questão catalã.
Em Portugal, Costa esteve desde o início em permanente negociação com os parceiros que o apoiam no Parlamento. Em Espanha, o tema central é outro – o renascimento da tendência independentista da Catalunha -, mas a arte para negociar é vista como fundamental para atingir o objetivo. “Em Espanha não há grande desafio económico e social, nem uma clivagem entre direita e esquerda”, diz Costa Pinto.
"Em Espanha não há grande desafio económico e social, nem uma clivagem entre direita e esquerda.”
A capacidade para unir — que Costa pode emprestar a Sánchez — é também sublinhada por Viriato Soromenho-Marques. “Portugal não tem um problema nacional. Espanha tem. O novo chefe do Governo espanhol tem de levantar o país mas num campo diferente” daquele onde Costa trabalhou quando assumiu a liderança do Executivo, explica o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Para Viriato só virando-se para o espaço europeu é que Sánchez conseguirá resolver os problemas internos. “Se Sánchez conseguir unir uma base de apoio e comprometer a oposição ganhando protagonismo no palco europeu poderá ter ganhos internos”, defende o professor, argumentando que, com Rajoy, “Espanha fechou-se no armário”, sendo necessário agora reposicionar o país nos debates europeus.
Se a gestão da crise nacionalista é prioritária em Espanha, Sánchez terá de perceber também que “não se pode fazer tudo ao mesmo tempo”, avisa Soromenho-Marques. Uma estratégia muito usada em Portugal por António Costa, que para conseguir a quadratura do círculo entre as suas ideias e a dos seus parceiros implementou várias políticas de forma gradual. “A ilusão de que é possível tudo para todos já não existe”, dizia em novembro último.
Apesar de reconhecerem que nalguns pontos específicos a geringonça pode inspirar Espanha, Costa Pinto lembra que no país vizinho esta não é a primeira vez que há um Governo minoritário. E Viriato sublinha que, perante a falta de maioria no Parlamento, a “capacidade de apresentar propostas será sobretudo decisiva para preparar as próximas eleições” que podem ser já em 2019.
Quanto a Itália, o caso muda de figura. “O sistema partidário já implodiu várias vezes”, diz Costa Pinto, concluindo que não há grandes lições que Guiseppe Conte possa tirar da solução governativa portuguesa. O novo primeiro-ministro italiano, um independente, foi proposto pelo Movimento 5 Estrelas e pela Liga Norte que se coligaram depois das eleições de 4 de março.
A chegada ao poder de partidos anti-imigração e com eurocéticos assustou os mercados na semana passada e as autoridades europeias lembram que Itália é um fundador da União Europeia. “As regras são iguais para todos os estados-membros e são muito robustas”, disse o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno.
“A situação económica em Itália é politicamente insustentável”, escreveu o economista Ricardo Cabral no Público (acesso pago) esta segunda-feira, lembrando que o desemprego atinge 31,7% dos jovens e desde 2008 emigraram 1,5 milhões de italianos, sobretudo jovens qualificados. Cabral cita o economista Vladimiro Giacché para dizer que “a Itália atravessa a pior crise e tempos de paz desde 1861”.
Apesar de quadro económico e social complicado que será enfrentado por um partido populista e um de extrema-direita, Viriato considera que o pior que poderia acontecer era a Itália ser ostracizada. “António Costa poderia ter um papel importante. Porque Portugal tem uma possibilidade de atuação diplomática para ajudar a construir uma frente de países do Sul mas que atravessam crises de liderança profundas”, diz o filósofo.
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