Fundada em 2001, OutSystems passou por várias crises e sobreviveu. Na semana passada, a empresa fundada pelo português Paulo Rosado tornou-se unicórnio. Visita ao processo, passo a passo.
Uma semana depois e Paulo Rosado ainda não mudou de ideias. Ser unicórnio não muda nada, a não ser quando… muda. “Nada, não muda nada. Não muda absolutamente nada, à exceção de, à medida que a empresa se expande e aparecem mais nomes por trás, aquilo que já era verdade passa a ser mais óbvio para os outros: somos uma empresa para ficar, muito segura, base de clientes extraordinária, equipa extraordinária”, diz, em conversa com o ECO.
Na semana passada, a empresa fundada pelo português em 2001, em Linda-a-Velha, fechou nova ronda de financiamento, liderada pelo KKR e pelo Goldman Sachs. Trezentos e oitenta milhões depois, passou a ser unicórnio, denominação usada no mundo das startups que define uma empresa avaliada em pelo menos mil milhões de dólares. Sim, leu bem. Mas Paulo diz que o nome é, mais do que uma mudança, uma maneira de prosseguir o caminho. “É só mais uma confirmação. Numa altura em que o mercado está a crescer a um ritmo muito acelerado, precisamos de manter a qualidade sobretudo com o nosso serviço a clientes, e de aproveitar as oportunidades de estarmos à frente na maioria dos mercados internacionais. Reforçar os Estados Unidos e suportar esta expansão muito grande. Este dinheiro vem dar uma alavanca grande e um suporte mas, de resto, na empresa não muda nada”, sublinha.
Anos antes, era o mesmo Paulo que dizia a um amigo, em plena estância de ski onde ambos estavam a assistir a uma conferência de empreendedorismo, que o potencial da empresa seria tornar-se no animal imaginário. “Ele lembra-se de eu lhe ter dito que achava que isto ia valer um bilião. Eu já nem me lembrava, foi em 2001, mesmo no início”.
Fundada pouco tempo depois de Paulo deixar a Altitude Software, empresa a quem tinha vendido a sua startup em 1999, o português queria mudar alguma coisa. “Durante esse tempo, a Altitude esteve quase a entrar na bolsa de Amesterdão, e eu vivi muito aquilo. E apercebi-me também de uma série de coisas necessárias para começar uma empresa que conseguisse crescer em curva acelerada quando os mercados permitissem”. Desse processo, aprendeu duas lições fundamentais: a primeira, que para crescer, uma empresa precisa de mercados bem maiores do que o português. A segunda, que devia forcar-se em criar uma empresa “de produto” para facilitar a escalabilidade.
“A minha ideia em termos de negócio era essencialmente a que tenho agora. Havia, na experiência que eu tinha tido, uma maioria de projetos de IT entregues fora de horas e com uma quantidade descomunal de custo adicional. Nunca se conseguia entregar nada a tempo e, na minha outra empresa, tive uma série de clientes e nunca consegui entregar um projeto a tempo. Aquilo era uma coisa que me chateava profundamente“.
Esse foi o objetivo que o perseguiu ao criar a OutSystems: de uma ideia “relativamente simples”, Paulo chegou à conclusão que, construindo software, era “impossível conseguir acertar à cabeça”. “Isso significava que o modo como era feito o software era como se se construísse uma ponte. Só que, como os requisitos estavam sempre a mudar, era o equivalente a mudarem as margens do rio enquanto se construía a ponte”, explica.
A ideia peregrina da nova empresa era, por isso, em vez de tentar fazer com que o software que é construído pelo IT esteja certo à cabeça, assumir que ele está sempre errado. E que o que se pode fazer é baixar o custo da mudança. “Construímos um produto que baixava em cerca de dez vezes o custo da alteração do software. E a partir daí, descobrimos que conseguíamos comprimir projetos com custos muito mais pequenos. Hoje em dia, a plataforma acaba por ter muito sucesso porque toda a construção de software dentro da empresa é feita por iterações muito curtas, o que significa que, na prática, qualquer projeto de software é um exercício de mudança contínua”.
Mas nem tudo foram planos bem-sucedidos. Ao longo da “jornada”, conta o fundador da OutSystems, foram muitas as provas superadas mas também os recuos. Além das “típicas dores que vêm do processo de se irem juntando pessoas” à equipa, a OutSystems passou por “coisas mais ou menos típicas”.
“Tivemos as nossas coisas de estarmos à frente do mercado: o produto era muito raro e estranho. Quando o produto apareceu, fundamentalmente não tinha concorrência. E não ter concorrência é um problema em si porque quem compra gosta de perceber que está a comprar de uma categoria que já está relativamente definida. Tivemos de esperar cerca de 13 anos até que aparecesse uma categoria que nos definisse. Na prática, acabámos por ser os fundadores desta categoria”, assegura. Outro, foi a definição do mercado alvo: na altura da sua criação, a empresa começou a trabalhar na verticalização do mercado-alvo, focado nas telecom.
Quando o produto apareceu, fundamentalmente não tinha concorrência. E não ter concorrência é um problema em si (…). Tivemos de esperar cerca de 13 anos até que aparecesse uma categoria que nos definisse.
“Levantámos um milhão em 2001 e o nosso plano era, em 2003, ir buscar mais três milhões para investir em vendas e marketing. No entanto, a crise ocorreu basicamente nos Estados Unidos, logo a seguir ao 11 de setembro. E, na Europa, apareceu mesmo em força no início de 2002. A empresa começou a desenvolver-se em plena crise, que demorou depois dois anos. Estávamos vocacionados para vender a telcos e o mercado das telcos basicamente evaporou-se. Deixámos de ter mercado e o nosso pipeline de vendas desapareceu. Tínhamos feito uma série de contactos mas basicamente todas pararam de investir e depois mudámos para o entreprise. Só conseguimos vender o primeiro cliente fora das telcos a meio de 2003″, recorda Paulo, assinalando tempos de grandes dificuldades.
Falhar e voltar a tentar
Foi nessa altura que teve de repensar o negócios: os números ao fim do mês eram vermelhos e Paulo e a equipa tomaram uma decisão. O CEO da empresa ficou sem receber salário durante seis meses, os restantes viram os ordenados reduzidos. “Estávamos a consumir dinheiro. Estes primeiros anos são todos muito aflitivos para uma startup. Principalmente quando se entra em plena crise”, recorda Paulo Rosado. Face a isso, um exercício de empreendedor: “ativar uma série de redes de segurança”.
“Fomos baixando os salários de modo a diminuir o burn rate, quando começámos a ver que não íamos conseguir levantar mais três milhões, naquele momento, tivemos de entrar em break even. Naquele momento, altera-se. Juntámo-nos todos, tínhamos salários muito abaixo do que conseguiríamos ter noutros sítios mas, com isso, conseguimos diminuir ao máximo. O burn rate ia diminuindo até que atingiu zero, e conseguimos entrar no zero ainda com dinheiro do banco”.
Findo 2003, foi altura de crescer: a OutSystems começava finalmente a fazer dinheiro. “Precisávamos de dinheiro para poder crescer, e fomos buscar investimento à PME Investimentos”, conta. Na altura, com 30 clientes empresariais, chega a ronda da Armilar. “Com isso ficámos ali com uma almofada de dinheiro. Éramos muito frugais com os gastos e acabámos por nem sequer gastar metade daquilo que tínhamos, a nossa folha de balanço estava equilibrada, permitia-nos investir. Fizemos a expansão toda, levou muito tempo porque este mercado demorou muito a descolar, mas conseguimos fazer tudo com aquele dinheiro inicial”.
O resto da história, já se sabe. Passo a passo, 52 países, 22 indústrias e mais de 245 parceiros globais, e uma carteira de clientes onde se incluem nomes como a Axa, a Logitech, a Randstad e a Fidelidade, entre muitos outros. Quanto a futuro, o unicórnio só olha para a frente. “Entrar em bolsa, com empresas com esta estrutura, é sempre uma hipótese. Mas entrar em bolsa nesta altura para capitalização não faz sentido”, assegura Paulo Rosado. Num mercado como aquele que lidera a OutSystems que, segundo as previsões mais pessimistas, vale cerca de 20 mil milhões de dólares, importa à OutSystems dormir descansada.
“Os produtos desenvolvem-se a um ritmo também muito mais elevado, há uma série de coisas que nos sentimos muito confortáveis a fazer, e este dinheiro acaba por nos dar um colchão adicional que é útil. Permite-nos competir com empresas muito grandes que estão a pensar apanhar-nos. Mercados muito grandes permitem criar empresas muito valiosas. Quem se queira chegar à frente ganha a corrida, e nós estamos a tentar que ninguém nos passe à frente”.
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“Ser unicórnio não muda nada”, diz Paulo Rosado ao ECO. Mas é alavanca para o crescimento da OutSystems
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