Prova dos 9: A dívida pública vai mesmo “descer daqui por uns meses”, como diz o Presidente da República?
A dívida pública atingiu um valor histórico acima dos 250 mil milhões. Governo, e entidades públicas estão a endividar mais este ano. Mas será que o endividamento vai descer, como diz o Presidente?
A dívida pública voltou para o centro do discurso político. O Banco de Portugal revelou que o endividamento público atingiu em maio um recorde absoluto acima dos 250 mil milhões de euros. Não tardaram os comentários de figuras de vários quadrantes políticos. Desde o Governo até ao maior partido da oposição, e ao Presidente da República, cada um deixou o seu enquadramento relativamente ao assunto.
“A evolução da dívida mede-se anualmente e não pela conjuntura do mês, porque as operações são diversas ao longo de todo o ano”, disse o primeiro-ministro, António Costa.
De uma perspetiva politicamente mais independente, também a presidente do Conselho de Finanças Públicas desvalorizou o agravamento da dívida este ano. “Não é nada de especial. O que aconteceu foi que, embora o défice tenha descido consideravelmente, foi necessário amortizar dívida do passado”, explicou Teodora Cardoso.
Mais divergente foi a opinião do líder do PSD, Rui Rio: “Não fico nada surpreendido, ficava surpreendido é se ela baixasse. (…) A dívida pública portuguesa, particularmente a dívida pública líquida, atingirá sempre máximos históricos enquanto Portugal tiver um défice no orçamento, que é a soma do crescimento da dívida”.
O assunto também não escapou ao Presidente da República. O que é que Marcelo Rebelo de Sousa disse?
A afirmação
“Quando for a altura do reembolso, daqui por uns meses, desce o montante da dívida. Perguntar-se-á: mas porque é que não se espera por essa altura para ir contrair dívida para reciclar e substituir a anterior? Porque se pensa que, neste momento, é preferível ir ao mercado a esperar por outros momentos.”
Os factos
Os dados do Banco de Portugal não deixam dúvidas: a dívida pública atingiu em maio o valor bruto mais elevado de sempre. Quanto é que as entidades públicas portuguesas devem exatamente? 250.313.000.000 euros, depois de um ligeiro aumento de 300 milhões de euros face ao mês anterior.
Face a dezembro de 2017, o aumento do endividamento público é bem mais expressivo: são mais 7,6 mil milhões de euros em dívida pública bruta acumulada ao longo dos cinco primeiros meses do novo ano. O seguinte gráfico mostra com maior pormenor a evolução da dívida pública nos últimos 12 meses:
Fonte: Banco de Portugal
Além da dívida bruta — a que é considerada por Bruxelas nos Procedimentos por Défices Excessivos e que surge a vermelho no gráfico –, as estatísticas do Banco de Portugal demonstraram que também que a dívida líquida atingiu um recorde de 226,3 mil milhões de euros (linha a castanho). Qual a diferença entre as duas linhas?
Basicamente, a dívida líquida exclui os ativos de depósitos das administrações públicas, que totalizavam os 24 mil milhões de euros no mês de maio — valor que resulta da diferença entre dívida bruta e dívida líquida e que inclui depósitos de vários organismos públicos, como autarquias ou até o IGCP, que é quem faz a gestão da dívida pública.
Voltando à afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa, nomeadamente ao ponto dos reembolsos: “Quando for a altura do reembolso, daqui por uns meses, desce o montante da dívida”. O IGCP divulga regularmente o calendário com todos os pagamentos que terá de efetuar aos mercados ao longo do tempo, à medida que as diferentes linhas de dívida forem atingindo a maturidade, o qual mostramos de seguida:
Identificámos o último reembolso feito aos investidores: foi a 15 de junho deste ano. Nesse dia venceu uma linha de obrigações do Tesouro a 10 anos e o IGCP teve de reembolsar os respetivos investidores em 6.642 milhões de euros.
De acordo com o calendário do IGCP, a próxima grande devolução surgirá dentro de um ano. A 14 de junho de 2019 vai atingir a maturidade de outra linha de obrigações a 10 anos e aí o cheque a devolver aos mercados será maior: 8.771 milhões de euros. Nos anos a seguir, os reembolsos serão significativamente mais volumosos.
Prova dos 9
Marcelo Rebelo de Sousa talvez não seja o maior entendido em matéria de previsões económicas. E mesmo os maiores especialistas no assunto também falham. Mas para fazer a “prova dos 9” vale a pena ter em consideração aquilo que são as expectativas de evolução da dívida pública dos diferentes organismos nacionais e internacionais. Vale também a pena explicar uma boa parte daquilo que foi a trajetória do endividamento público desde o início do ano. E é por aqui que começamos.
Como vimos, o endividamento público engordou 7,6 mil milhões de euros em 2018. Fonte do Ministério das Finanças já havia explicado ao ECO que Portugal esteve a encher os cofres para fazer face ao reembolso de 6,6 mil milhões em junho — sem colocar em causa a almofada que o IGCP considera ser confortável para fazer uma adequada gestão da nossa dívida.
Ou seja, depois deste reembolso de junho, a dívida bruta vai apresentar uma descida já em junho, assim espera o ministro Mário Centeno. E neste caso, Marcelo Rebelo de Sousa só não terá razão no que disse porque não será preciso esperar pelos próximos meses para observarmos uma queda da dívida — a 1 de agosto o Banco de Portugal atualiza as estatísticas da dívida pública relativa a junho e nesse reporte já vai estar refletido este reembolso.
Por outro lado, importa sublinhar o exercício de gestão da dívida pública por parte do IGCP. A regra do financiamento dos soberanos aponta para o financiamento no primeiro semestre corresponder a pelo menos 65% das necessidades do ano. A justificação desta regra: no segundo semestre há menos dois meses para emitir (agosto e dezembro), como explicou Casalinho ao ECO. Ou seja, tendencialmente, a dívida pública cresce mais na primeira metade do ano… para depois descer na segunda metade.
Outro pormenor de contexto que ajuda a enquadrar a importância de uma estratégia mais ativa no que toca à gestão da dívida: o Banco Central Europeu prepara-se para colocar um ponto final aos estímulos monetários no final do ano. Isto deverá implicar uma subida dos juros da dívida e aumentar os encargos com dívida pública, fornecendo argumentos para os países procurarem um maior financiamento agora antes de ele encarecer no próximo ano.
Agora as perspetivas para a evolução da dívida pública de Portugal. Socorremo-nos das previsões oficiais e todas apontam para o mesmo: vai mesmo descer em 2018. E as subidas conjunturais ocorridas no primeiro semestre serão isso mesmo.
Fontes: Programa de Estabilidade, Conselho das Finanças Públicas, FMI
O gráfico acima mostra o rácio da dívida pública em função do Produto Interno Bruto (PIB) — um indicador usado para medir o peso da dívida pública porque incorpora a capacidade de gerar riqueza de um país. Para o caso português, Governo, Conselho das Finanças Públicas e Fundo Monetário Internacional (FMI) concordam todos que o nível de endividamento público vai descer nos próximos anos.
O ano de 2017 fechou com um nível da dívida pública nos 125,7% do PIB. Deverá baixar este ano para os 123%, de acordo com a perspetiva menos otimista do Conselho das Finanças Públicas. Em 2020, este rácio reduzir-se-á para 116,4% — uma evolução positiva para a qual vai contribuir não só a redução do stock da dívida bruta mas também o aumento do PIB.
Marcelo Rebelo de Sousa diz que a dívida vai descer nos próximos meses. E tem razão, confirmando-se as perspetivas oficiais.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Prova dos 9: A dívida pública vai mesmo “descer daqui por uns meses”, como diz o Presidente da República?
{{ noCommentsLabel }}