Aqui podia morar um partido. E mora…
Chegou o momento de avaliar as propostas do BE pelo que elas valem (e tantas vezes valem tão pouco), em vez de serem valorizadas pelo que o BE diz dos outros.
Já quase tudo se escreveu sobre os talentos imobiliários de Ricardo Robles, o deputado municipal do Bloco de Esquerda que é contra a especulação imobiliária e aproveita, como poucos, a dinâmica de mercado que tanto critica. Mas pouco se escreveu sobre o que é realmente importante, o BE a sua coerência política, sobre a moralidade política que Catarina Martins (e Francisco Louçã) impõe aos outros, mas não aceita para si e para os seus.
O negócio imobiliário de Ricardo Robles — sim, é um negócio, mesmo quando não há negócio, porque o deputado bloquista já ganhou com a valorização do seu património como ganham os detentores de ações mesmo quando não as vendem — acaba com o mito do Bloco de Esquerda puro e moral, um ‘apartido’ dentro do sistema partidário que o quer renovar por dentro, aliás, a condição que o fez crescer nos últimos 20 anos.
Os partidos são essenciais à democracia, mas têm, sabemos, os seus defeitos, são tantas vezes centros de poder e de influência, de acesso a negócios que de outra forma não existiriam, de acesso a lugares e a informação. São redes de contactos que se alargam e, sobretudo, se protegem. E são estas, tantas vezes, as condições de acesso ao poder. No caso do Bloco de Esquerda, um partido de partidos, o caso Robles mostra isto tudo, acaba com o mito, com a ilusão (ainda havia quem tinha) de que o BE não é um partido. É, com os defeitos que todos têm, com as contradições que são geridas por puro interesse partidário e eleitoral.
As reações de Catarina Martins (e Francisco Louça) chegam a ser pungentes. Há uma cabala, pois claro. Porque um dos seus foi apanhado a fazer um grande negócio imobiliário (o que, para o BE. tipifica regra geral a especulação imobiliária), mas não só: a apostar no Alojamento Local (o que, para o BE, normalmente é a gentrificação dos bairros tradicionais), a negociar saídas de inquilinos (o que, noutras ocasiões, para o BE, são despejos sem coração), a mostrar as virtudes de enriquecimento patrimonial (quando, tantas vezes, o BE assinalou a necessidade de ir buscar o dinheiro onde ele está). E poderíamos continuar. Chegou o momento de avaliar as propostas do BE pelo que elas valem (e tantas vezes valem tão pouco), em vez de serem valorizadas pelo que o BE diz dos outros.
O Bloco de Esquerda tem toda a legitimidade para apresentar as propostas de mudança legislativa no mercado imobiliário, mas o problema é que não se limita a isso. Nem neste dossiê, nem em nenhum outro. Trouxe o pior para a política, a superioridade moral para suportar as suas propostas, a legitimidade das leis que apresenta são sempre acompanhadas do dedo apontado a alguém, a algum empresário malvado e cego pelo lucro, a um qualquer gestor de uma daquelas empresas que está sempre no discurso, porque as suas ações só podem estar mal-explicadas e, pior, são se justificam por más razões. Já as decisões absolutamente legítimas de Robles têm um bom fundo, são devidas a motivos de ordem familiar. É que os outros não têm família, como se sabe.
As contradições de Robles são uma exceção? Acham mesmo!? Mas não é isso que Catarina Martins anda a fazer há três anos, a criticar o sistema político, mas a dele beneficiar, a criticar as opções do governo, mas a sentar-se à mesa do orçamento? E Louçã, o julgador-mor que pulula dos estúdios de televisão para as ondas da rádio, das páginas dos jornais para o conselho consultivo do Banco de Portugal, tudo sítios mal frequentados, nas suas próprias palavras?
Os negócios imobiliários de Robles tem esta virtude. Mostraram a verdadeira natureza do Bloco de Esquerda, agora sim, a verdadeira ascensão ao arco de poder. Daqueles arcos que fazem os partidos. Por isso, na linha das pinturas que o próprio Bloco tantas vezes promoveu nas paredes de prédios nos centros de Lisboa e Porto, aqui podia morar um partido. E mora mesmo.
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