Do PIB ao défice, da dívida à banca. O raio-x da S&P
A agência de notação financeira reviu em alta a perspetiva para o rating de Portugal. E, ao mesmo tempo que abriu a porta à subida do rating, fez um retrato do país. E deixou as suas projeções.
A Standard & Poor’s surpreendeu, há um ano, quando retirou Portugal de “lixo” sem pré-aviso. De um momento para o outro, o país passou a ser um investimento de qualidade para uma das três maiores agências de notação financeira, movimento seguido depois pela Fitch — falta a Moody’s. Foi um momento de viragem, assente na melhoria das perspetivas para a economia nacional. Uma visão que se mantém, deixando a dívida nacional mais perto de uma nova revisão em alta.
Com a economia a crescer, mas também o défice a encolher, a S&P prepara “terreno” para retirar, pelo menos, o “-” do “BBB-“, a classificação mais baixa entre os ratings considerados de qualidade. É que apesar da desalavancagem registada nos últimos anos, o endividamento português continua a ser um travão a uma nota mais elevada.
Mas a agência está confiante na manutenção dos esforços, tanto públicos como privados. E quer ver também esse mesmo empenho por parte do setor financeiro.
Veja o retrato, bem como as perspetivas, que a S&P faz, e tem, para Portugal.
PIB vai desacelerar. S&P vê crescimento de 2% ao ano até 2021
Portugal está a crescer. Depois de o PIB ter acelerado 2,7% em 2017, “o maior crescimento em quase duas décadas”, como nota a S&P, este ano a expansão deverá ser mais comedida. Ainda assim, “Portugal deverá crescer 2,3% este ano”, prevê a agência, antecipando que com o mercado de trabalho a “fortalecer-se, o saldo migratório positivo pela primeira vez desde a crise”, haja um impulso ao consumo interno. Isto ao mesmo tempo que “o investimento em maquinaria continua a expandir-se a uma taxa acima dos 10%”.
No entanto, este fôlego vai abrandar. “Estimamos que a o PIB vai desacelerar para 1,7% em 2021“, diz a S&P, acrescentando que “todos os setores irão dar um contributo para este desempenho”. Apesar dos constrangimentos do elevado nível de dívida pública, mas também do malparado da banca, os custos de financiamento das empresas estão a convergir com os das congéneres europeias, o que deverá ajudar ao investimento. Assim, mesmo com o abrandamento, a S&P vê o PIB a crescer a uma média anual de 2% até 2021
Défice? É para reduzir, mesmo com as eleições
“Prevemos que a economia portuguesa cresça perto de 2% ao ano até 2021, com o défice a melhorar para 0,4% do PIB em 2020, dos 0,7% este ano”, nota a agência, salientando que “a consolidação orçamental tem sido uma prioridade” por parte do Governo liderado por António Costa.
"Esperamos que o Governo mantenha o seu compromisso com a política orçamental e que continue a consolidar as contas públicas até ao final do seu mandato.”
Sem contar com a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em 2017 Portugal “superou as suas metas”, diz a S&P, que aponta o crescimento da economia como explicação para o feito. E esse crescimento “inclui o efeito positivo da melhoria no mercado laboral”, salienta.
“Esperamos que o Governo mantenha o seu compromisso com a política orçamental e que continue a consolidar as contas públicas até ao final do seu mandato”, que acontece dentro de cerca de um ano. “Não prevemos qualquer alteração na política orçamental à medida que avançamos até às eleições legislativas de outubro de 2019, nem depois“, diz a S&P.
Descongelar carreiras não afasta país da meta
A S&P nota que as medidas adotadas pelo Governo de António Costa para reduzir o défice, o que lhe permitiu sair do Procedimento por Défices Excessivos, foram amplificadas pelo crescimento do PIB, descida dos juros da dívida e cortes nos investimentos públicos. “Estes fatores compensaram aumentos na despesa corrente, nomeadamente por causa do aumento da despesa com os salários” no Estado.
“Prevemos que o défice encolha para 0,7% em 2018, apesar dos aumentos na despesa previstos — nomeadamente o aumento das transferências para a Segurança Social e o descongelamento das carreiras — e alguma quebra nas receitas resultantes da descida do IRS”
Salário mínimo mais alto. “Portugal é competitivo” no preço
Descongelar carreiras custa muito dinheiro ao Estado, mas não é um problema para o país. E subir o salário mínimo nacional? Também não, diz a S&P.
“Na nossa opinião, os consecutivos aumentos do salário mínimo, tendo o mais recente sido de 4% em janeiro de 2018, acompanhados por medidas que anulam alguns custos adicionais para os empregadores, dificilmente terão enfraquecido o competitivo custo dos bens e serviços portugueses“, refere a agência, lembrando que os custos da mão-de-obra em Portugal estavam 47% abaixo da média da Zona Euro em 2017.
Os consecutivos aumentos do salário mínimo, tendo o mais recente sido de 4% em janeiro de 2018, acompanhados por medidas que anulam alguns custos adicionais para os empregadores, dificilmente terão enfraquecido o competitivo custo dos bens e serviços portugueses.
O problema não está nos salários mais altos. Está no envelhecimento da população. “Consideramos que o envelhimento da população portuguesa representa um desafio maior para as perspetivas de longo prazo da economia”, salienta a agência de notação norte-americana.
Reformas no mercado laboral semearam a queda do desemprego
A S&P destaca a quebra acentuada da taxa de desemprego em Portugal. “Em julho, a taxa caiu para 6,8%, o nível mais baixo desde 2002, ficando abaixo da média da Zona Euro de 8,3%”. Mas como é que Portugal conseguiu este feito? A agência atribuiu o mérito às reformas feitas no mercado laboral.
“Atribuímos esta tendência positiva nas dinâmicas do mercado de trabalho, em parte, às reformas levadas a cabo durante o programa de ajustamento económico” quando Passos Coelho era primeiro-ministro. Foram reformas que, diz a S&P, dificilmente António Costa irá reverter, isto apesar “da adoção de outras medidas como os consecutivos aumentos do salário mínimo, ou o regresso às 35 horas em algumas áreas do setor público”.
Mesmo com o desemprego em queda, a S&P nota que o crescimento real dos salários continua a ser “fraco, refletindo em parte o aumento dos preços do petróleo e dos bens alimentares”. E este “fraco aumento dos rendimentos reais poderá traduzir-se em constrangimentos nos ganhos de produtividade”, nota.
Exportações? Vão chegar a 50% do PIB em 2021
“Além da recuperação na procura interna, o forte crescimento das exportações tem sido um dos contribuintes-chave para o crescimento da economia, com Portugal a superar todos os seus pares”, diz a S&P, notando que o aumento da quota de mercado de Portugal bate países como Espanha, Irlanda e até a Alemanha. E a agência prevê que “um crescimento [de quota nas exportações] ainda maior” até 2021.
“Prevemos que, sem choques externos, o desempenho de Portugal nas exportações continue forte entre 2018 e 2021. Esta estimativa reflete o sólido crescimento na procura externa, bem como novos ganhos de quota de mercado por parte do país”, refere a S&P, antecipando que as exportações possam chegar a 45% do PIB este ano, de 30% em 2007. “Poderão ficar perto de 50% do PIB em 2021”, remata.
Dívida é um fardo. Mas custo vai cair
A dívida pública portuguesa é elevada. São quase 250 mil milhões de euros, mais do que o PIB de Portugal, mas a perspetiva é de que comece a encolher. “Prevemos que a dívida pública líquida de depósitos encolha para 107% do PIB em 2021, dos 113% estimados em 2018”, diz a agência de notação financeira. E, ao mesmo tempo, “os juros suportados deverão encolher para cerca de 8% da despesa global do Estado à medida que este se refinancia a taxas mais baixas”, remata.
Perspetivas animadoras por parte da S&P que elogia a evolução do perfil da dívida nacional. “Nos últimos anos, o perfil da dívida portuguesa melhorou significativamente”, salientando que “a maturidade média ascendeu a 8,1 anos no final do ano passado”, algo para o qual contribuíram os pagamentos antecipados ao FMI que permitiram, ao mesmo tempo, “baixar o fardo com os juros”.
"Prevemos que a dívida pública líquida de depósitos encolha para 107% do PIB em 2021, dos 113% estimados em 2018.”
Mas enquanto a dívida pública vai descer, o endividamento global da economia portuguesa, apesar de ter encolhido, continua a ser avassalador. “Portugal tem das dívidas externas, líquidas dos ativos externos, mais elevadas entre os países que avaliamos”, diz a S&P, notando que o elevado endividamento do setor privado “está a impedir uma recuperação mais dinâmica” da economia portuguesa.
Banca cheia de malparado. E lucros?
A S&P salienta os esforços do Governo socialista para “ajudar a fortalecer o sistema financeiro portuguesa de várias formas, incluindo a recapitalização da CGD, mas também através da aprovação de várias medidas no sentido de facilitar reestruturações e acelerar processos de insolvência” de empresas.
Mas a banca continua a ser motivo de preocupação. “Apesar dos recentes progressos em termos de rentabilidade e eficiência, as operações domésticas dos bancos portugueses continuam a debater-se para gerarem retornos satisfatórios”, diz a agência, alertando que a substituição do financiamento do BCE por outras fontes vai ditar um aumento dos custos o que tornará ainda mais complicado apresentarem resultados positivos.
“A capacidade de os bancos gerarem lucros continua sob pressão”, diz a S&P, apontando não só para o contexto de juros muito baixos, bem como de ausência de crescimento do volume de crédito, mas também para o fardo do malparado que continuam a carregar, apesar de todos os esforços para se verem livres destes ativos. “Calculamos que o malparado represente cerca de 16% do crédito total”, aponta a S&P
“Os bancos continuam a implementar medidas para reduzir o elevado nível de malparado. Estas levarão, eventualmente, a uma melhoria das condições de acesso a financiamento e a um fortalecimento dos mecanismos de transmissão da política monetária do Banco Central Europeu, mas prevemos que este será um processo lento“, remata.
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