Ana Teresa Pulido: “E agora? Agora vou para Direito porque posso ajudar os outros”
São muitos os seus anos de casa na PLMJ, onde tem tido um percurso em grande: entrou como estagiária e hoje é sócia. Especialista em IP, Ana Teresa Pulido é a advogada do mês de setembro da Advocatus.
Ocupada e feliz. De costela alentejana vincada, Ana Teresa Pulido é especialista em IP reconhecida lá fora. Os prémios são bons, mas os desafios que lhe esperam são o melhor – para esta advogada tudo se faz. À Advocatus conta como Direito foi segunda opção, a PLMJ é para si uma casa e como o estado natural das coisas a encanta. Nas viagens e no curso da vida.
“Eu costumo dizer que na minha vida tudo vai acontecendo mais ou menos por acaso. A vida vai-nos pondo opções à frente”. Ana Teresa Pulido, hoje sócia da PLMJ e especialista em propriedade intelectual, adora o que faz e não o esconde: para todos os desafios que vão chegando esta advogada está sempre pronta a enfrentá-los.
O curso de Direito, porém, não foi sonho de pequenina. Na verdade, é na ligação entre a terra e o sol forte do Alentejo, de onde é natural, que essa vocação lhe terá surgido por motivos de força maior.
De um imaginário pueril a desejar ser engenheira agrónoma, tudo se desmorona quando se dá o 25 de abril. “Ficámos sem nada”. O trabalho no campo fica para trás, bem como as propriedades, as enxadas e toda uma vida em torno da agricultura. Tinha 13 ou 14 anos, não consegue precisar, mas das memórias resta a frustração e o medo do desconhecido com que a sua família se viu confrontada. “Foi a minha primeira lição de vida: aprendi que a solidariedade e a família são duas coisas valiosíssimas e que os nossos bens, tudo o que temos, nada é constante”.
O Direito serve “para ajudar os outros”
Terá sido nesse ponto que a decisão foi tomada. “Chegou a altura de escolher e eu pensei: “bom, mas aquilo que eu queria é aquilo que eu não tenho”, porque estava tudo ocupado, expropriado, não sabíamos quando é que íamos voltar. Não sabíamos para onde é que o país ia. Abandonei a ideia da agricultura e pensei “e agora?”. Agora Direito, porque posso ajudar os outros”.
Foi num misto de impotência e incompreensão profunda. “Não conseguia bem perceber o porquê das coisas. Pensei “se se eu não posso ajudar o meu pai agora porque não posso fazer nada, então se calhar com Direito eu vou conseguir ajudar mais tarde pessoas a resolver os seus problemas e injustiças da vida”. Portanto, se calhar fui por um lado romântico da coisa, mas foi assim que eu fui para Direito”, conta.
Não havia uma única mulher ali, naquela mesa, sentada. Pensei para mim: mas onde é que estão as mulheres nesta profissão? Hoje em dia, felizmente, essa realidade já mudou, sofreu uma grande diferença até aos dias de hoje.
O curso na Clássica não a apaixonou. Foi só quando começou a exercer que ser advogada passou de uma ideia longínqua e entusiasmante para um frenesim a sério. Foi na PLMJ que teve a sua “evolução natural”: entrou em 1997, como estagiária; hoje é sócia. “Vim estagiar aqui e permaneci desde sempre. Comecei a gostar de Direito quando nos apresentaram os primeiros casos práticos e quando comecei a perceber que este era um desafio intelectual constante”.
No seu primeiro dia no escritório, percebe que é a única mulher entre os jovens contratados. “Para mim foi o choque. Quando comecei só cá havia duas advogadas, de resto era tudo homens. Nunca me esquecerei de que quando fui apresentada aqui, entrei numa sala onde estavam todos os estagiários e olho: tudo homens. Não havia uma única mulher ali, naquela mesa, sentada. E eu penso “Meu Deus. Onde é que estão as mulheres nesta profissão?” (risos).
Hoje em dia, felizmente, essa realidade já mudou, sofreu uma grande diferença até aos dias de hoje”, conta a atual sócia, dando conta da importância de mulheres em cargos de administração e posições de topo. A área de IP foi uma agradável surpresa.
“O que me fascinou desde logo em propriedade intelectual foi que, quando comecei, esta área era praticamente inexistente em Portugal. Havia muito poucos advogados que se dedicavam a esta área, para não dizer quase nenhuns, e, portanto, foi um enorme desafio. Desde o dia número um. Hoje em dia, e ainda bem, a IP já é reconhecida mundialmente, porque naquela altura era coisa rara, ninguém sabia o que era propriedade intelectual. É um ramo do direito que está sempre em evolução e numa evolução desafiante porque se conjuga com o progresso e com as novas descobertas e tecnologias”, explica.
Desde as marcas ao marketing, esta área toca em todas. Passou de desconhecida a “sexy e relevante”, e é transversal a todas as matérias da advocacia. “Desde litígios às aquisições de empresas, fusões, em tudo isso a propriedade intelectual está ou pode estar envolvida. Toca muito também na área farmacêutica, que me interessa muito. Está em todo o lado”, revela a advogada.
“Está muito bom, menina, mas vai perder”
Quanto a casos marcantes, Ana Teresa Pulido conta uma história de início da sua carreira. “Era um processo de uma grande multinacional e eu era advogada há pouco tempo. Era um processo difícil e eu fartei-me de ser criativa, porque o cliente, no fundo, tinha razão moral, mas juridicamente aquilo era difícil de enquadrar. Então eu fiz a contestação e recebi um telefonema. Era o Dr. Jorge Cruz, grande senhor de IP“, descreve a jurista.
“E ele disse-me o seguinte: “olhe, menina, eu venho dizer-lhe uma coisa: primeiro venho dar-lhe os parabéns pela excelente peça processual e, a seguir, venho dizer-lhe que vai perder. Sabe, é que está muito boa e inovadora, mas os juízes são conservadores e, portanto, não lhe vão dar razão. Daqui a uns anos poderá ter razão, mas não agora. Agora não consegue”.
“E aquilo marcou-me. Não só porque ele era das pessoas que mais sabia de IP em Portugal, como pela simpatia de me telefonar a dar os parabéns. E é verdade, ele tinha razão, eu perdi. Perdi e aprendi a importância da advocacia preventiva”, conta a sócia, devido à frustração que sentiu por ser um cliente que até tinha moralmente razão, mas por não ter encaminhado bem as coisas na prática, não conseguiu ganhar.
Passado este tempo olho para trás e acho que consegui. Acho que o facto de ter uma carreira também lhes serviu de exemplo e que, no fundo, é um exemplo de vida que lhes consegui transmitir. Essa é a parte mais importante: é o exemplo e o legado que eu deixei para as minhas filhas.
“Foi a primeira ação que eu perdi, por isso claro que me marcou também (risos). Marca sempre. A partir daí tenho ganho muitas, felizmente, mas digamos que aquilo que mais me marca hoje em dia é o reconhecimento dos outros para connosco. Acho que é isso que é importante”.
Com duas filhas já crescidas, a advogada conta como a sua profissão pode ser bastante exigente e stressante, mas que isso não é problema para si. “Eu gosto de estar ocupada, tem muito a ver com a minha personalidade, e é o que me estimula também. Eu gosto de trabalhar sob pressão e por isso este ritmo não me choca. Além do mais porque a minha vida sempre foi assim, e eu gosto de desafios. Acho que cada caso novo é um novo desafio”.
Quando questionada sobre se isso lhe pesou no tempo em família, é peremptória: “na vida tudo se consegue. Se é difícil? Diria que sim, mas hoje em dia cada vez é mais fácil. Quando comecei era mais difícil. Se me pergunta se tive conflitos por estar no escritório a trabalhar e não estar em casa com as minhas filhas? Claramente que sim”, afirma.
“Mas passado este tempo olho para trás e acho que consegui. Acho que o facto de ter uma carreira também lhes serviu de exemplo e que, no fundo, é um exemplo de vida que lhes consegui transmitir. Essa é a parte mais importante de toda a minha carreira: é o exemplo e o legado que eu deixei para as minhas filhas”, conclui, satisfeita.
Porque “parar é morrer”
No fim, o tempo que sobra também é importante para cuidar de si e dos seus. Seja a ler um livro de Guilherme Siloé, um romance histórico ou a viajar. O sonho é um Erasmus tardio, do qual ainda não perdeu a esperança. Estar parada é que não é para si. “Quando não trabalho tenho que ter alguma coisa em atividade. Não prescindo dos meus amigos também, gosto muito de fazer jantaradas e programas”.
Além da advocacia, Ana Teresa Pulido faz parte do conselho de administração da Fundação D. Pedro IV. “É uma IPSS que ajuda crianças e idosos. Temos cerca de 700 crianças e cento e tal idosos e deficientes. Esta é para mim uma parte importante da minha vida, a da solidariedade. Quero continuar a desenvolver essa parte, até porque começámos uma investigação científica na área do idoso e da criança e é uma coisa que me fascina, é diferente do direito, mas fascina-me. Estar ao auxílio dos outros e, portanto, vejo essa meta a continuar e a avançar”.
O objetivo que precisamente a levou à advocacia. Qual será o próximo? “Alguma profissão que ainda não tenha mulheres?”, atira, divertida. “Será continuar o trabalho na PLMJ e trazer justiça a todos, ou pelo menos aos que conseguir, porque para mim é isso que significa ser-se um bom advogado”, remata.
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