Eduardo Catroga escreveu as suas memórias, mas continua a olhar para o futuro. Elogia a redução do défice, mas critica o caminho, e pede reformas estruturais. E não poupa o Governo na EDP.
Eduardo Catroga tem uma vida cheia. Economista, gestor, político, lançou esta semana as suas memórias. Em entrevista ao ECO24, um programa da TVI24 em parceria com o ECO, Catroga admite os méritos de Mário Centeno na redução do défice público, mas aponta a má qualidade da consolidação orçamental. E sublinha que Portugal apresenta uma evolução do crescimento económico “na cauda da Europa”. O economista e gestor é membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, indicado pelos chineses da China Three Gorges. Crítico do Governo, pergunta: “Acha natural que este Governo esteja a fazer correções retroativas a cálculos já ratificados!?”. Catroga em discurso direto.
A proposta de Orçamento para 2019, o último da legislatura, será apresentada nos próximos dias. Já se pode dizer que o Governo ultrapassou as melhores expetativas?
Depende da perspetiva. Em relação às expetativas iniciais criadas pela Geringonça, e atendendo à diferente filosofia política dos seus componentes, admitia-se que poderia ser um resultado desastroso. O que aconteceu foi que o primeiro-ministro tem uma habilidade para controlar os partidos da esquerda radical, que acabaram por não fazer tanto mal, mas fizeram muito mal, à economia portuguesa como poderiam ter feito. Graças à habilidade política de António Costa.
A habilidade foi ter um ministro como Mário Centeno?
Não. Foi a habilidade de fazer com que os partidos da esquerda radical acabassem por aceitar as regras orçamentais da União Europeia e continuassem o programa de austeridade, de ajustamento, chamado de programa de rigor ou contenção que vem desde 2011. Com muitos custos, que nem sempre são visíveis a curto prazo, mas são visíveis a médio longo prazo. [O Governo] provocou um aumento da carga fiscal, impostos extraordinários… Provocou um adiamento constante de medidas estruturais para melhorar a produtividade e competitividade.
Não se avançou nada em termos de reforma das políticas públicas, no sentido de alterar a quantidade e qualidade da despesa pública. Um discurso anti–empresas que mais tarde ou mais cedo se paga. Aproveitando um comboio favorável dos ventos externos, a economia cresceu, mas cresceu na cauda da Europa. Não podemos… tivemos um mau desempenho económico, porque, seja de uma empresa ou de um país, temos de [nos] comparar com os nossos pares, tínhamos de nos comparar com Espanha, Irlanda, República Checa, Polónia, com países do nosso campeonato.
Isso exige reformas no quadro de uma economia de mercado, reformas para estimular o investimento privado, o motor da economia, reformas microeconómicas e macroeconómicas. Como é que essas reformas podem ser feitas com partidos que são anti-globalização, anti-economia de mercado, anti-Europa e anti-euro?
O facto de chegarmos a um défice de 0,2%, histórico, não o convence?
Isso também é um contra senso da Geringonça… Alguém dessa área política dizia que “há mais vida para além do défice”. Eu digo que “há toda a vida para além do défice”. A economia portuguesa precisa de crescer e melhorar a competitividade das suas empresas, precisa de mais investimento produtivo, de atrair mais capital estrangeiro, investimento produtivo nacional e estrangeiro. Precisa de criar condições para vencer na globalização. Isto é, condições para ser mais competitiva no quadro europeu e na economia global.
Se não foram criadas essas condições, a quem atribui responsabilidade? Aos partidos à esquerda ou ao PS?
É preciso criar riqueza de uma forma sustentada, e para isso precisamos de ter empresas cada vez mais competitivas. Isso exige reformas no quadro de uma economia de mercado, reformas para estimular o investimento privado, o motor da economia, reformas microeconómicas e macroeconómicas. Como é que essas reformas podem ser feitas com partidos que são anti-globalização, anti-economia de mercado, anti-Europa e anti-euro? Isto representou um período de inação estrutural, como foi o de António Guterres e outros primeiros-ministros, que mais tarde ou mais cedo a economia portuguesa virá a pagar.
Muitos consideram que os socialistas e a esquerda “não são de boas contas”, mas afinal, podemos chegar ao fim destes quatro anos e afirmar que também são “de boas contas” e criaram as condições para essas reformas?
As “boas contas” são uma condição necessária, mas não suficiente, para vencermos no quadro da economia europeia e global. Estamos a perder o campeonato europeu, estamos a crescer na cauda da Europa…
Estamos em linha com a média da União Europeia e a Zona Euro…
…O problema é que temos de nos comparar com os países do nosso campeonato, com aqueles que precisam de crescer mais do que a média como está a crescer a Espanha, a República Checa ou a Polónia, todos os países que estão em processo de ‘catching-up‘. No nosso campeonato, estamos a perder, em terreno negativo na terceira posição a contar do fim. Mesmos nas contas públicas, os países da Zona Euro, a maior parte deles, já está em equilíbrio ou excedente orçamental, aproveitando o contexto externo.
Eu dou o mérito na área de cumprimento dos objetivos puramente orçamentais, foi bom, aproveitando todo o processo… Eu recordo que Pedro Passos Coelho, em 2010, herdou um défice na casa dos 10%, e deixou-o nos 3%. Este Governo teve o mérito de passar para equilíbrio orçamental, mas não seria possível sem se passar de 10% para 8%, para 7%, para 5% e 3%.
O Governo teve o mérito, sobretudo o senhor ministro das Finanças, de ter interiorizado que tinha de cumprir…
E cumpriu?
Cumpriu a consolidação orçamental, mas com o aumento da despesa pública levou a um aumento da carga fiscal numa situação de excesso da carga fiscal. Mas congratulo-me com isso. O sinal mais positivo que vi da experiência da Geringoça foi os segmentos de esquerda do PS, mais o PCP e o BE, a pouco e pouco, aderirem à consolidação orçamental… só lhe falta saudar e fazer a continência ao Tratado Orçamental. Bem-vindos à incorporação do objetivo da disciplina financeira, no quadro das políticas estruturais para melhorar a produtividade e competitividade da economia portuguesa.
Este orçamento de 2019 perspetiva a mudança de ciclo?
Em 2019 vamos ter eleições, já houve um antigo colega meu do Governo que já evidenciou que todas as indicações apontam para um orçamento eleitoralista. Mas também tenho a esperança que Mário Centeno não deixe a indisciplina financeira ultrapassar um certo limite. Estou convicto que vai ser um orçamento a tender para o eleitoralismo, que não toma em consideração que as perspetivas para 2019/2020 apontam para um arrefecimento da economia. Mas esse arrefecimento já deveria ter obrigado o Governo a estar em situação de equilíbrio orçamental e a criar uma almofada financeira para a situação de abrandamento da atividade económica que aí virá.
Rui Rio ainda não apresentou o seu programa. Nunca vi um partido que estivesse na oposição a apresentar um programa do Governo. O que temos visto são partidos da oposição a criticarem pontualmente a execução do programa do Governo em funções. Há que dar tempo ao tempo,
Estamos nas mãos de Mário Centeno para garantir o controlo das contas públicas?
Mário Centeno interiorizou a necessidade de cumprirmos os objetivos face aos nossos parceiros. Temos ainda a continuação da vigilância pós-troika, das agências de rating, instituições europeias, do Conselho das Finanças Públicas que eu em 2011 propus na altura, e Pedro Passos Coelho criou. Hoje já existem organismos independentes, os “polícias” estão mais atentos. Centeno tem o mérito de ter interiorizado que teria de cumprir. Não interessa como cumpre, se antecipa receitas, se vai buscar mais dividendos ao Banco de Portugal, se faz mais impostos extraordinários à esquerda e à direita, se faz cativações, se diminui a qualidade dos serviços públicos… Tem é de cumprir. Mas teria sido mais positivo se tivesse feito uma reforma da despesa pública, se tivesse criado condições para acabar com os impostos extraordinários que penalizam o investimento produtivo
O PSD de Rui Rio faria essas reformas?
É sempre difícil… Os governos são como melões, só depois é que nós vemos a sua qualidade. O que eu digo é o seguinte: Portugal precisa de reformas políticas no sistema politico eleitoral, de reformas económicas, macro e micro, e precisa de criar condições para as empresas serem cada vez mais competitivas
Já percebeu o que Rio quer?
Rui Rio ainda não apresentou o seu programa. Nunca vi um partido que estivesse na oposição a apresentar um programa do Governo. O que temos visto são partidos da oposição a criticarem pontualmente a execução do programa do Governo em funções. Há que dar tempo ao tempo, ainda não vou fazer um juízo definitivo sobre Rui Rio. Eu sou um independente dessa área politica, tanto posso apoiar as politicas tipo ‘a’, ‘b’ ou ‘c’. O meu critério de analise é o que e bom para o crescimento potencial da economia portuguesa, para melhorar a prazo o nível de vida dos portugueses, para que seja vencedora no quadro da economia. No quadro de uma economia de mercado, como e a europeia, face à qualidade da politica orçamental, isso para mim é que é fundamental. O que me preocupa, independentemente do Governo, é que criem mais riqueza para melhorar a prazo o nível de vida dos portugueses.
Eduardo Catroga é membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, em nome da China Three Gorges, o maior acionista da elétrica. A Oferta Pública de Aquisição (OPA) que os chineses estão a lançar sobre a EDP pode contribuir ou não para esse aumento do potencial económico?
Como economista e português, vou dar a minha opinião de forma muito franca. No caso da EDP, temos que tentar evitar, embora sejam os mercados que acabem por determinar isso, os exemplos estratégicos negativos que tiveram o destino de outras empresas portuguesas de grande dimensão. Vejamos o exemplo das empresas das telecomunicações, do setor bancário, dos cimentos e, no setor elétrico, vejamos o caso da Endesa espanhola, agora integrada no grupo italiano [Enel].
O setor da energia está a ser objeto de um movimento de concentração. Neste momento, o capital estrangeiro em permanência controla 93% da EDP, capitais chineses, americanos, árabes. Os portugueses representam, em média, apenas 7%, dos quais apenas 2% ou 3% têm carácter permanente. O problema que se põe é o seguinte: Qual é a recomposição da estrutura acionista estrangeira que vai permitir à EDP contribuir para o crescimento a prazo da economia portuguesa?
As condições são as seguintes: que seja uma empresa que consiga continuar a crescer, continue a pagar impostos em Portugal, com capacidade de internacionalização. Pode ser chinês, pode ser americano, seguramente não é espanhol, não é francês nem é italiano. Olhando para os exemplos, se fossem essas empresas a assumirem uma posição dominante, transformava-se numa mera filial confinada ao setor doméstico. Foi o que aconteceu no setor das telecomunicações e no setor bancário.
A EDP continua a ser uma empresa atraente para o capital chinês ou americano depois da decisão do governo que cortou cerca de 280 milhões de euros de apoios à produção?
Repare… Tenho para mim que os governos passam enquanto as empresas são instituições e ficam. Tenho para mim que as empresas devem defender objetivos económicos, financeiros e sociais permanentes, no quadro da lei, das regras de funcionamento dos mercados e dos setores. O facto de haver uma divergência pontual entre gestão executiva da empresa e este Governo em particular ou alguns elementos deste Governo não influencia nos raciocínios estruturais. São medidas ‘one off‘ que têm impactos negativos nos resultados e podem destruir a confiança dos investidores… os americanos [Capital Group] já venderam. O segundo maior acionista já vendeu. Sobretudo quando são medidas ilegais, inconstitucionais e contrárias aos direitos constituídos, como os tribunais ou as arbitragens internacionais a determinado momento vão decidir.
Qual é a recomposição da estrutura acionista estrangeira que vai permitir à EDP contribuir para o crescimento a prazo da economia portuguesa? As condições são as seguintes: que seja uma empresa que consiga continuar a crescer, continue a pagar impostos em Portugal, com capacidade de internacionalização. Pode ser chinês, pode ser americano, seguramente não é espanhol, não é francês nem é italiano.
Este Governo tem enganado os acionistas da EDP?
Esta pressão sobre as empresas, para impôr impostos extraordinários e taxas e taxinhas e interpretações legais, não incide só sobre o setor elétrico e energético. Há outros setores que sentem essa pressão intensa… esse é o tal sinal negativo da Geringonça…
Mas o Governo enganou os acionistas?
Os governos são autónomos. Eu falo essencialmente em nome da empresa, independentemente do acionista A, B ou C. A empresa tem interesses a defender independentemente dos acionistas, no quadro da lei e dos contratos existentes. O que posso dizer é que a EDP, não são os seus acionistas, a EDP sempre pauta as suas posições por critérios de rigor técnico e legal…
Não é o que diz o Governo.
Está bem… Acha natural que este Governo esteja a fazer correções retroativas a cálculos já ratificados!? É anormal. Há alguma indignação dentro da empresa, dos acionistas da empresa, em relação ao Governo, há a esperança que seja passageiro, porque a confiança é um elemento determinante.
Neste quadro, é possível que os chineses deixem cair esta OPA sobre a EDP?
Eu não vou falar sobre essa OPA que está no mercado.
No seu livro, fala sobre as missões que desempenhou ao longo da sua vida profissional. Qual foi a missão mais difícil?
No meu livro falo das missões que tive na área das empresas, fui gestor desenvolvendo projetos empresariais de grande importância na economia portuguesa, e depois aceitei missões cívicas, como cidadão independente. A mais difícil foi ser ministro das Finanças [no Governo de Cavaco Silva]. No contexto de 1993, a economia estava em recessão, tínhamos de continuar a preparar o país no quadro da economia europeia, desenvolvemos politicas estruturais para iniciar um novo ciclo de expansão. Foi a missão mais difícil e uma missão muito estimulante.
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