Portugal continua com situação de pobreza e exclusão social preocupantes
Há quase 1,9 milhões de portugueses pobres, "apesar das melhorias significativas que se verificaram nos últimos anos", diz o professor e investigador Carlos Farinha Rodrigues.
Portugal mantém uma situação de pobreza e exclusão social preocupantes, considera o professor e investigador Carlos Farinha Rodrigues, segundo o qual as melhorias económicas ainda não foram suficientes, havendo quase 1,9 milhões de portugueses pobres.
Em entrevista à Lusa, a propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala esta quarta-feira, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), e investigador com profundo trabalho sobre o tema, afirmou estar preocupado por as questões da pobreza terem passado para “um estágio secundário”.
Carlos Farinha Rodrigues apontou que, como houve nos “últimos dois, três anos alguma recuperação dos principais efeitos da crise em termos de indicadores de pobreza”, isso como que “adormeceu” a necessidade de discutir esta questão. “Apesar das melhorias significativas que se verificaram nos últimos anos, continuamos a ter uma situação de pobreza e exclusão social e de desigualdade social que é extremamente preocupante”, defendeu.
De acordo com o especialista, apesar das melhorias económicas, Portugal ainda não conseguiu regressar aos valores registados antes da crise de 2008, altura em que a taxa de pobreza se situava nos 17,9%, 0,4 pontos percentuais abaixo dos 18,3% registados em 2016, e que significam mais de 1,8 milhões de pessoas em situação de pobreza.
Farinha Rodrigues explicou que houve “um agravamento muito grande” dos principais indicadores da pobreza durante a crise económica, sobretudo até 2013, tendência que se começou a reverter a partir de 2014. “Os últimos resultados conhecidos referem-se a 2016 e esses resultados foram simultaneamente promissores e com fatores de preocupação”, apontou, explicando que foram promissores porque uma “forte repressão na taxa de pobreza das crianças e jovens”, “alguma redução” na taxa de privação material severa e uma redução ligeira na taxa global de pobreza.
Por outro lado, os fatores de preocupação têm a ver com o facto de a taxa de pobreza ainda não se ter reduzido para valores anteriores à crise económica. “Há sinais promissores, que indicam que, desde 2014, com particular incidência em 2016, houve uma melhoria dos indicadores, mas isso ainda não é suficiente”, defendeu, acrescentando que é em períodos de “ligeira recuperação” que se deve olhar com atenção para questões como a pobreza.
Nesse sentido, sublinhou que Portugal continua com uma taxa de pobreza “muito elevadas no contexto europeu”, à qual se juntam “fatores de preocupação” como uma taxa de pobreza superior a 11% entre as pessoas que trabalham. Defendeu que o país precisa urgentemente de uma estratégia nacional de combate à pobreza, que tenha em conta as políticas sociais, mas também as políticas económicas de uma maneira geral, bem como as questões da saúde ou da educação. “É esta visão de conjunto que eu continuo a achar que falta no nosso país”, concluiu.
Marcelo quer estratégia contra pobreza
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu esta quarta-feira que é preciso uma estratégia autónoma de combate à pobreza, à semelhança do que já acontece com as pessoas sem-abrigo, sublinhando que o momento de o fazer é agora.
“A pobreza e a sua erradicação não podem ser assuntos aos quais voltamos apenas nos momentos de crise. Agora que o tempo é de recuperação económica e financeira é o momento para agir”, lê-se na nota publicada na página da internet da Presidência da República, a propósito do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza.
Para o Presidente, trata-se de uma data que deve ser lembrada por todos os portugueses, sobretudo nos bons momentos, e aponta que a “erradicação da pobreza e o combate às desigualdades sociais são dois dos problemas para os quais a sociedade portuguesa tem de olhar com determinação e vontade de agir”. Vai mais longe e diz mesmo que em Portugal é preciso criar e defender a noção de responsabilidade coletiva sobre estes temas.
Lembra que ainda este mês Portugal foi elogiado pelo Conselho da Europa pelo esforço feito no sentido de os mais pobres acederem à justiça, sendo destacado “o facto de o universo de pessoas abrangidas pelo apoio judiciário em Portugal ser muito superior ao de outros países europeus”.
Marcelo Rebelo de Sousa admite que esses elogios são bons e que estimulam, mas não chegam. “É necessário ir mais longe e criar uma estratégia autónoma de combate à pobreza. Uma estratégia transversal, que olhe para a justiça, mas também para o trabalho, para a educação, para a saúde, para a habitação”, defende o Presidente.
Marcelo Rebelo de Sousa dá como exemplo o que já acontece para as pessoas sem-abrigo, para as quais já há uma estratégia multidisciplinar, “com objetivos traçados (e alguns já atingidos) e um prazo temporal para avaliação”. “É um exemplo no caminho para o combate às desigualdades, juntando os esforços e os meios do Estado à experiência das estruturas da sociedade civil e ao voluntariado de tantos cidadãos anónimos”, lê-se na nota.
O Presidente da República sublinha também que a pobreza não é uma estatística, mas uma realidade, apontando que os dados mais recentes apontam para a existência de perto de dois milhões de portugueses que são pobres, muitos deles com emprego.
“Ou seja, o risco de pobreza não é uma situação marginal, que atinge apenas os mais vulneráveis ou aqueles que em determinado momento da vida se encontram em risco de exclusão. O risco de pobreza é uma realidade social à qual nenhum português pode virar as costas”, conclui.
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