Fizemos bem em nacionalizar o BPN há dez anos? O Não de Cadilhe e o Sim de Teixeira dos Santos

Foi há dez anos que o BPN foi nacionalizado. Teixeira dos Santos continua a defender decisão que já custou 3,6 mil milhões aos contribuintes. Miguel Cadilhe, presidente do banco, lamenta "erro".

Teixeira dos Santos mantém decisão de nacionalizar BPN 10 anos depois. Miguel Cadilhe nem por isso.Fotomontagem Lídia Leão

Quando Miguel Cadilhe soube que o Governo tinha decidido nacionalizar o Banco Português de Negócios (BPN), no dia 2 de novembro de 2008, o então presidente do banco ia a caminho de Ponte da Barca para uma visita ao cemitério que não tinha podido fazer no dia anterior. Recebeu o telefonema de Lisboa para se reunir de emergência com o ministro das Finanças Teixeira dos Santos, fez marcha atrás e voltou imediatamente para a capital. “A reunião serviu apenas para me comunicar a deliberação do Conselho de Ministros de nacionalizar o BPN”, confidencia Miguel Cadilhe ao ECO.

Uma década depois daquela que foi a primeira nacionalização após o PREC, em 1975, ainda hoje os dois antigos ministros têm visões completamente diferentes quanto a essa decisão de colocar o BPN na esfera do Estado (através da incorporação do banco na Caixa Geral de Depósitos), e às implicações que trouxe para o bolso dos portugueses.

O BPN continua a custar muito dinheiro aos contribuintes. Até 2016, o Estado já havia gastado mais de 3,6 mil milhões de euros com a instituição (o equivalente ao atual valor de mercado do BCP, o maior banco privado português), de acordo com os últimos cálculos do Tribunal de Contas. Mas a fatura para os cofres públicos está longe de ficar fechada.

O Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, acompanhado pelo Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, durante a conferência de imprensa, após o Conselho de Ministros extraordinário ter decidido propor a nacionalização do BPN, 02 de novembro de 2008, Lisboa.Inácio Rosa/Lusa 2 novembro 2008

Debilitado? Sim. Too big to fail? Não

Foi no dia 5 de novembro de 2008, completam-se hoje precisamente dez anos, que a Assembleia da República aprovou a nacionalização do BPN, pedida poucos dias antes pelo Executivo de José Sócrates.

O jornal Público do dia 3 de novembro de 2008 dava um contexto pormenorizado do que se tinha passado dia anterior e dos motivos que levaram à tomada da decisão: “Foi numa reunião extraordinária do Conselho de Ministros que a decisão foi tomada, depois de terem falhado as negociações com os quatro maiores bancos portugueses, que se recusaram, no entanto, a encontrar uma solução para a instituição. Práticas de ‘legalidade duvidosa’ de anteriores administrações conduziram o banco a uma situação que a crise financeira mundial acabou por agravar. Neste quadro, a atual administração, liderada por Miguel Cadilhe, não conseguiu completar o plano de recuperação que tinha delineado. O ministro das Finanças diz que todos os depósitos dos clientes do banco estão garantidos“.

Mas “a nacionalização não foi decidida de um dia para o outro”, conta Teixeira dos Santos ao ECO. “O BPN estava a ser acompanhado desde meados desse ano pelo Banco de Portugal, que todos os meses reportava informação ao Governo. O banco já tinha recorrido a financiamento de emergência e linhas concedidas pela banca, mas estava muito debilitado e com problemas de liquidez para honrar os seus compromissos do dia-a-dia“, recorda.

Edição do jornal Público no dia 3 de novembro de 2008. Manchete: bancos privados não quiseram salvar BPN e o Governo optou pela nacionalização.

“Não foi a dimensão do banco que justificou esse tipo de intervenção porque o BPN não era propriamente um daqueles bancos too big to fail. Era mais o ambiente que se vivia após a falência do Lehman Brothers. Podia ser uma fagulha que, num ambiente carregado de combustível, podia provocar um incêndio de proporções maiores“, argumenta ainda.

Para Cadilhe, que ocupava do cargo de presidente do BPN há apenas cinco meses, substituindo Abdool Karim Vakil (que saltou do Banco Efisa para a liderança do BPN após a saída de José Oliveira e Costa, por motivos de saúde, em fevereiro desse ano), foi o próprio Governo quem acabou por “provocar um alarme social” em torno da situação do banco, provocando uma “sangria de depósitos e uma sangria de liquidez”.

Ainda hoje aquele que viria a ser o último presidente do BPN considera que o banco foi nacionalizado por razões “insondáveis”, por “opção política”, como teve oportunidade de dizer no Parlamento na comissão que ficou de apurar as responsabilidades pela falência da instituição.

"Não foi a dimensão do BPN que justificou esse tipo de intervenção porque não era propriamente um daqueles bancos too big to fail. Era mais o ambiente que se vivia após a falência do Lehman Brothers.”

Teixeira dos Santos

Antigo ministro das Finanças

Bancarrota do Lehman Borthers? Perigo de contaminação dos problemas para outros bancos nacionais? “O BPN representava 2% do sistema bancário português. Falar em risco sistémico a propósito do BPN é querer um pretexto para aquilo que não deveria ter sido feito. Foi um erro, ponto final”, diz o antigo ministro de Cavaco Silva.

Com os custos finais da nacionalização ainda longe de estarem fechados, Teixeira dos Santos acredita que se evitou ainda maiores prejuízos para o Estado. Miguel Cadilhe nem por isso.

Após a nacionalização, o Governo ainda tentou vender o banco logo em 2010, com as avaliações a apontarem para um encaixe de 180 milhões de euros. Sem interessados na altura, a parte boa do BPN acabaria por vendida só em 2011, já com a troika em Lisboa, e por apenas 40 milhões ao BIC, hoje em dia liderado por Teixeira dos Santos.

"O BPN representava 2% do sistema bancário português. Falar em risco sistémico a propósito do BPN é querer um pretexto para aquilo que não deveria ter sido feito. Foi um erro, ponto final.”

Miguel Cadilhe

Antigo presidente do BPN

“Foi muito difícil vender o banco porque vivemos aquele período de crise financeira, de muita instabilidade. Não era uma conjuntura fácil”, recorda o antigo governante.

Estes 40 milhões de euros foram apenas uma pequena parte do que foi possível recuperar até ao momento. O que sobra do BPN estão em três veículos criados com o intuito de maximizar as vendas de ativos que faltam vender: a Parvalorem gere os créditos problemáticos do antigo banco; a Parups tem à sua responsabilidade os imóveis, obras de arte e outros ativos do BPN; e a Participadas gere as participações do BPN noutras empresas e fundos, como o Banco Efisa.

Agência do Banco Português de Negócios, Porto.José Coelho/Lusa 19 janeiro, 2011

BPN tem custo “maior do que na altura seria razoável esperar”

De ano para ano, os veículos criados para ficarem com o BPN continuam a consumir despesa que vem diretamente do Orçamento de Estado: prevê-se mais de 600 milhões de euros este ano e outros 550 milhões no próximo. Isto para lá das garantias concedidas pelo Estado à Parvalorem (1.994,83 milhões de euros) e à Parups (307,17 milhões) que, sendo executadas, vão castigar ainda mais os bolsos dos contribuintes.

Saldo das receitas e despesas orçamentais relativas ao BPN

Fonte: Tribunal de Contas

Com a fatura nos 3.600 milhões em 2016, Teixeira dos Santos reconhece que “o BPN acabou por impor um custo aos contribuintes maior do que na altura seria razoável esperar”, sendo que na altura da nacionalização se esperava recuperar grande parte do valor do banco.

“Mesmo assim, atentos aos riscos que havia, estou convencido que evitamos uma crise financeira que se poderia estender para lá do BPN e impor um custo superior àquele que estamos a suportar com o banco”, frisa.

Cadilhe contrapõe. Em vez de se ter nacionalizado o banco há dez anos, “o Governo poderia ter apostado no nosso plano e nós assumíamos a responsabilidade”, diz. “De certeza que o Estado não gastaria mais do que veio a gastar, pelo contrário“.

“Mas é claro que com a nacionalização do banco não houve depositante que quisesse deixar lá o dinheiro. Não há nenhum banco que resista“, sublinha.

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