Salgado Zenha admite que os 30 milhões não resolvem tudo na SAD. Revela que vai voltar a sentar-se com os bancos para renegociar o acordo inicial, mas também que o orçamento vai ter de encolher.
O Sporting está no mercado para tentar obter 30 milhões de euros no retalho. E o vice-presidente com a área financeira da SAD, Francisco Salgado Zenha, acredita no sucesso da operação, afirmando que apesar da perda de credibilidade nos últimos tempos, os pequenos investidores continuam a confiar no clube. A taxa, que diz ser “demasiado elevada”, ajuda a atrair o financiamento necessário para saldar o empréstimo obrigacionista que está agora a vencer.
Em entrevista ao ECO24, programa realizado em parceria entre o ECO e a TVI24, Francisco Salgado Zenha admite que estes 30 milhões não resolvem tudo na SAD. Pagam o empréstimo que deveria ter sido saldado em maio, mas a situação financeira do clube continua debilitada. É neste sentido que, diz, vai voltar a sentar-se à mesa com os bancos para renegociar o acordo inicial.
Ao mesmo tempo, o responsável pelas finanças do clube de Alvalade defende uma estratégia de maior rigor nas contas. Por isso, admite que o próximo orçamento do Sporting tem que ser mais realista, afirmando que não pode dar como garantido o acesso à Liga do Campeões. “Assumir que o Sporting vai entrar na Champions todos os anos é um pressuposto muito arriscado”, diz. Prefere um orçamento que conta com a entrada, “pelo menos, na Liga Europa”.
O Sporting tem em curso uma emissão de 30 milhões de euros. É um empréstimo obrigacionista que, de alguma forma, cala os críticos que dizem que o clube está falido?
O objetivo não era calar críticos nem deixar de calar. A nossa postura desde que entrámos foi sempre cumprir com os nossos objetivos. Tínhamos um programa eleitoral muito claro, sabemos o que queremos para o Sporting e o primeiro passo era, obviamente, o empréstimo obrigacionista. Era um tema que estava pendente. Era uma emissão cujo objetivo é refinanciar a emissão que está ainda viva.
A situação financeira do Sporting é, ou não, crítica?
Não. A situação financeira do clube é muito melhor agora do que há alguns anos. Hoje em dia temos, a nível de ativos, que são passes de jogadores de futebol, muito valor que ainda por cima, do ponto de vista contabilístico, não está refletido.
A emissão foi no limite do prazo para o Sporting ter condições para pagar o reembolso de 30 milhões que tinha pedido emprestado há uns anos. Não me recordo de ver um prospeto com tantas identificações de risco — são 24. Isto é um problema de tesouraria ou estrutural?
Há uma coisa que temos de chamar a atenção aqui: o próprio futebol, e a própria atividade, é sui generis. Essa métrica está lá, porque é um fator de risco, os prospetos têm fatores de riscos, é suposto terem. É suposto, no fundo, avaliarem os vários cenários de risco. Faço esta pergunta retórica: qual é o ativo mais líquido de um clube de futebol ou, neste caso, de uma SAD? São os jogadores. Se analisarmos, anualmente, o mercado de transferências de jogadores de futebol é de cerca de 6.000 milhões de euros, e a verdade é que o grande ativo — que considero, do ponto de vista estratégico, o passe de jogador de futebol –, é quase um ativo corrente pela forma e pela facilidade com que existe a transacionabilidade.
O haircut não deixou de ser benéfico ou não ser benéfico. As pessoas têm de olhar para o haircut como uma situação de solução para ambas as partes saírem de um impasse. E essa foi a solução. Os bancos beneficiaram de ter tomado aquela decisão.
Mas muito instável, certo!? Há clubes que dependem menos da venda de jogadores do que, por exemplo, depende hoje o Sporting? O Benfica depende menos da venda de jogadores porque tem outro tipo de receitas consolidadas que o Sporting não tem.
Sim. Mas porque é que diz que o Benfica depende menos de jogadores? O Benfica tem, em termos de atividade operacional, se calhar até está em break even, mas depois, em termos de amortização de jogadores que entra quase dentro da despesa corrente anual, tem um valor muito superior ao Sporting. O Benfica também depende da venda de jogadores.
Há uma excessiva dependência da venda de jogadores e daí isso ser um dos primeiros, se não mesmo até o primeiro, risco apontado pela CMVM aos investidores?
Eu não vejo assim. Nós temos que saber o mercado em que trabalhamos. E cada mercado tem as suas características. Qual é que tem de ser a estratégia dos clubes portugueses e qual é que tem sido nos últimos anos? Se não temos essa receita que têm os clubes da Premier League, temos de puxar por outro tipo de ativos.
O que é uma SAD de um clube de futebol e no que trabalha? Trabalha futebol. O que é futebol? Core business. O que é um passe de um jogador? É core business. Nós temos de olhar para o desenvolvimento de um jogador de futebol e temos essa capacidade e essa plataforma para trazer receita que não conseguimos de outra maneira. Por isso é que esta tem sido a estratégia e, na minha opinião, tem resultado bem.
Aliás, nos últimos anos — e se formos ver o caso do Sporting em 2014 que teve uma reestruturação financeira –, houve muitas dúvidas e muito zum zum de que os bancos estariam a ajudar o Sporting, mas a verdade é que os bancos beneficiaram dessa reestruturação financeira.
Entre perder 100 e perder 50, era preferível perder 50…
Atenção, eu não estou a falar do passado, mas sim desde 2014.
O haircut foi benéfico para a credibilidade do Sporting e do futebol português junto da banca?
O haircut não deixou de ser benéfico ou não ser benéfico. As pessoas têm de olhar para o haircut como uma situação de solução para ambas as partes saírem de um impasse. E essa foi a solução. Os bancos beneficiaram de ter tomado aquela decisão.
O cidadão português que, se não pagar a sua casa, vê a sua casa ser resgatada do ponto de vista bancário. Aceita uma situação dessas num clube de futebol? Seja o Sporting ou outro clube qualquer.
Na minha opinião isto tem que ver com o cidadão português necessariamente. O que é perdoar a dívida? Perdão de dívida só acontece se for do interesse do banco. Nesta fase onde estamos, os últimos anos foram revolucionários do ponto de vista da banca, não só em Portugal, mas a nível europeu e mundial.
Hoje em dia existe uma supervisão e um compliance de tal ordem que os bancos não fazem nada se não fizer sentido. Acabaram-se as filantropias dos bancos, isso já não existe. E não existia em 2014. Portanto, o que foi feito na altura é sempre feito como uma solução que é melhor para os bancos do que a outra alternativa, e isso é que é uma negociação. Uma negociação é quando ambas as partes saem bem.
Que confiança é que os investidores podem ter em voltar a emprestar 30 milhões? A um clube que, ainda por cima, precisa desses 30 milhões para pagar dívidas passadas, não é para investir nem criar novas linhas de receita.
Primeiro, nós estamos com capitais próprios positivos de cerca de meio milhão de euros, mas já para este trimestre seguinte temos a mais-valia da venda do Rui Patrício. Portanto, isso é já capital de confiança que passa para o trimestre seguinte. Por outro lado, temos os refinanciamentos. E em todas as empresas, o chamado refinanciamento é usual. Aliás, do ponto de vista do credor, estão mais reticentes a emprestar dinheiro a alguém que quer crescer um passivo do que a alguém que quer manter o passivo.
"O caso do FC Porto, esse sim tem capitais próprios negativos, e não cumpre o fair play financeiro… e nós estamos a pagar mais do que eles. O prémio já está indiciado que nós estamos a fazer o esforço por recompensar e devolver a credibilidade que foi perdida nestes últimos meses. ”
E, finalmente, as pessoas quando investem no Sporting têm uma taxa de rentabilidade. Não é por acaso que pagamos um prémio, por exemplo, sobre o FC Porto. São 0,5 pontos. Mas não é pela situação do FC Porto — e não quero estar aqui a falar da minha concorrência –, mas em todos os setores de atividade as pessoas têm os comparáveis. Tenho que olhar para o que existe à minha volta.
O caso do FC Porto, esse sim tem capitais próprios negativos, e não cumpre o fair play financeiro… e nós estamos a pagar mais do que eles. O prémio já está indiciado que nós estamos a fazer o esforço por recompensar e devolver a credibilidade que foi perdida nestes últimos meses. Isto, obviamente, são palavras, mas foi dito na campanha eleitoral e eu digo-o aqui também: a nossa forma de trabalhar é muito mais rigorosa do que foi no passado, nomeadamente em abril e maio.
Qual é a diferença?
Eu não financio um empréstimo de 30 milhões de euros, que representa cerca de 10% do passivo do Sporting, um mês antes de vencer. Porque, senão, dá naquilo que aconteceu. Isto não é, na minha opinião, do ponto de vista financeiro, o rigor que tenho. Aliás, uma empresa high yield, seja qualquer uma, faz um melhor planeamento e é isso que queremos daqui para a frente.
E temos vários instrumentos para o fazer: temos um empréstimo, temos uma renegociação com os bancos, temos contratos, nomeadamente com a Nos, que podem ser securitizados… e que os nossos concorrentes já fizeram. Fala-se muito do nosso, outra vez. Houve esta tentativa, nos últimos meses, de criar aqui um pânico.
Houve um antecipar de receitas por parte das outras SAD?
Houve. Mas uma coisa é antecipar receitas de forma pontual, outra coisa foi uma tranche significativa de 100 a 108 milhões [respetivamente o Benfica e o FCPorto]. Esta informação é pública… 100 a 108 milhões, por aí. Portanto, estamos a falar já de operações significativas.
E o Sporting não tem?
O Sporting não o fez. Aliás, está no prospeto da emissão obrigacionista. Temos cerca de 350 milhões de euros do contrato da Nos. Depois, do lado do clube, temos o contrato com a Sporting TV, também da Nos.
Quantas dívidas a fornecedores?
O Sporting deve 40 a 50 milhões de euros.
Já tem um plano de pagamento?
Temos, temos.
É que esses pagamentos estão com um atraso de seis meses…
Não, não nem pensar. Não estão atrasados. Há sempre dívida vencida. No futebol há, muitas vezes, atrasos de pagamentos a fornecedores. Há em várias atividades. Mas não é assim que eu trabalho. E atenção que os 40 milhões são dívidas a fornecedores a médio prazo. O que são fornecedores? Clubes de futebol. Quando compramos um jogador, o passe do jogador não é pago à cabeça. Como a nós também não nos pagam. Aí é que entra essa dívida.
O que fizemos quando entrámos? Renegociámos prazos de pagamento. Se queremos manter uma tesouraria forte, temos que fazer uma gestão muito rigorosa dos prazos de pagamento e fizemo-lo. E, naturalmente, vamos continuar a gerir os processos de pagamentos à medida que formos construindo o nosso processo de tesouraria.
Tem ficado surpreendido com algumas das conclusões da auditoria forense que lhe têm chegado?
Não. Não há ainda rigorosamente feedback nenhum de uma auditoria de gestão. Eu não tenho. Mas, do ponto de vista financeiro, aliás as primeiras reuniões que tive foi com a PwC, os números batem todos certo.
Não há surpresas escondidas?
Não. Já ouvi falar em buraco, mas não há nada disso. Que eu tenha visto e, inclusivamente conversado com a auditora, não vimos nada que indiciasse isso. Não vimos rigorosamente nenhum problema, nenhum buraco financeiro. Nada.
Quanto é que o Sporting deve à banca (BCP e Novo Banco)?
A SAD deve sensivelmente 80 milhões de euros.
Há um processo em curso de renegociação de um pagamento que já soma cerca de 40 milhões. Esse processo de renegociação vai correr em que termos? Isto é, o Sporting tem condições de os pagar?
Como fator de risco, colocamos lá [no prospeto]. Há uma coisa que é importante, esses 40 milhões são com base no acordo-quadro que foi negociado em 2014 e, de facto, ficaram. Foi um crédito vencido, que vem na sequência daquele montante de venda de jogadores acima de determinado valor que não é entregue aos bancos. Uma parte é reembolsada, outra vai para uma conta-reserva.
O que é que acontece? Isto [os 40 milhões] que está aí nem sequer tem em conta o princípio de acordo que foi negociado em abril. Isto é de 2014. O princípio de acordo já era mais favorável para o Sporting. O que é que isso permitia? Este valor de 40 milhões já era mais baixo.
O que vamos fazer? Vamos negociar. Ainda não entrámos em negociação. Não está a haver nada neste momento. Mas um bom negócio para ambas as partes é que o Sporting tenha oxigénio para desenvolver o seu negócio para, assim, poder reembolsar os credores. É assim que funciona.
É preciso que a bola entre?
Não só.
No limite, é preciso vender bons jogadores?
Não só, há aqui outras alternativas. É a mesma coisa que se passou com a conjuntura económica em Portugal nos últimos anos. E houve muito esta discussão: faz sentido este aperto de cinto ou não faz sentido e temos que ser expansionistas?
E o Sporting tem de ser expansionista ou apertar o cinto?
Eu gosto de equilíbrio. E o que é o equilíbrio? É possível. Foi com isso que fiquei satisfeito quando cheguei ao Sporting. Quando cheguei, a equipa de futebol estava desenvolvida, mas tudo o que era extra futebol estava subdesenvolvido — e não por causa do capital humano. O capital humano é muito bom. É porque não houve um cêntimo investido naquelas áreas.
A partir do momento em que só entra um clube diretamente na Liga dos Campeões, que é o vencedor da Liga, e o segundo tem que passar duas eliminatórias, assumir que o Sporting vai entrar na Champions todos os anos é um pressuposto muito arriscado.
Para lhe dar uma ideia, um sportinguista, desde que sai de casa até que vai ver o jogo e volta a casa, tipicamente pouco mais consome que o bilhete do jogo, e nós somos uma marca gigante. Lá fora, qualquer empresa deste estilo tem um negócio extra futebol fortíssimo. Por exemplo, o Atlético de Madrid nos últimos dois anos cresceu cerca de 30 milhões de euros.
Pode garantir que o clube não tem salários em atraso?
Não, não tem salários em atraso. Posso garantir-lhe.
Uma presença na Liga dos Campeões seria fundamental para o equilíbrio financeiro?
A partir do momento em que só entra um clube diretamente na Liga dos Campeões, que é o vencedor da Liga, e o segundo tem que passar duas eliminatórias, assumir que o Sporting vai entrar na Champions todos os anos é um pressuposto muito arriscado. Nós não estamos a delinear a estratégia nessa base. Estamos a delinear a estratégia com o Sporting a entrar, no mínimo, na Liga Europa.
Essa é a perspetiva realista?
Para nós é realista entrar na Champions. Mas no sentido económico dos termos, sendo rigoroso — que nós somos –, o pressuposto tem que passar por aí.
Mas vai ter de apertar o orçamento?
Nós vamos ser muito mais inteligentes na forma como gerimos o futebol.
Mas essa é a resposta politicamente correta…
…Eu não fujo às perguntas. Nós podemos ser mais seletivos na aquisição de jogadores de futebol. Temos que comprar menos e melhor. Vou dar um exemplo: temos um plantel de quase 70 jogadores e, hoje em dia, temos que emprestar quase 40. Isto só para se perceber a dimensão do plantel que o Sporting tem. Se cortarmos significativamente a compra de jogadores e apostarmos mais nas escolas, sobretudo para equipas B , Sub-23, etc., conseguimos reduzir o orçamento significativamente.
Qual a redução de orçamento que antecipa, não para este ano, mas para o próximo?
Acho que conseguimos cortar entre cinco a dez milhões, mas isto também vai depender… Imagine que, agora, vamos à Champions… Conseguimos, sendo tanto ou mais competitivos, cortar entre cinco milhões a dez milhões ao orçamento atual, o que já nos aproxima do break even operacional.
Tem condições para fazer isso já no primeiro ano? Ou é difícil?
Este ano estamos altamente condicionados pelo pouco tempo que tivemos, mas para o próximo ano…
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Sporting vai encolher orçamento. “Em vez da Champions, pressuposto tem de ser a Liga Europa”
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