Da Bial à Mota, passando pela Paladin. 8 empresários, 8 formas de negociar com Angola
João Lourenço chega a Portugal com a intenção declarada de captar investimento nacional. Empresas estão recetivas a investir naquele mercado e a reforçar presença, desde que haja condições.
O Presidente de Angola aterrou esta quinta-feira em Lisboa, dando início a uma visita oficial de três dias. No bolso traz a normalização das relações de Portugal com Angola, ensombradas recentemente pelo caso judicial que envolve Manuel Vicente, mas também a missão de atrair investimento português para Angola.
Quem for para investir será bem-vindo, quem for para comercializar… assim a assim. Este parece ser o lema de João Lourenço depois de este fim de semana em entrevista ao Expresso ter afirmado: “Vamos procurar cativar os investimentos privados portugueses em todas as áreas onde for possível. Até onde os investidores portugueses entenderem que podem ganhar dinheiro e deixar bens e serviços, nós agradecemos”. Mas para que não restassem dúvidas acrescentou: “Estou a referir-me a investidores e não a comerciantes, não aqueles que queiram apenas vender coisas a Angola”.
Está dado o mote, que é como quem diz Angola tem as “portas abertas” a novos investimentos. De resto, tem sido notório o esforço do Governo angolano nesta matéria, tendo mesmo criado uma nova lei de investimento privado, de onde retirou a obrigatoriedade de parceria com sócios angolanos.
Ferreira de Oliveira, ex-presidente da Galp e atualmente à frente do fundo PetroAtlântico é um profundo conhecedor da economia angolana. Para o gestor não há dúvidas de que “o país está num processo de transformação e os sinais que nos chegam são todos positivos“. O gestor que é consultado por alguns dos maiores fundos mundiais, acrescenta: “Tenho oito fundos que me consultam com regularidade e o que posso dizer é que Angola está a ser muito estudada por toda a gente”.
Tenho oito fundos que me consultam com regularidade e o que posso dizer é que Angola está a ser muito estudada por toda a gente.
Ferreira de Oliveira recorda que, apesar de rica em recursos naturais, “Angola é um país pobre pelo que o que há a fazer é potenciar a sua riqueza”.
Sobre o novo ciclo impresso por João Lourenço, onde se inclui o combate à corrupção, o ex-presidente da Galp diz estar bem impressionado. “Tudo o que leio, vejo e ouço indicam que as palavras do Presidente coincidem com a realidade“, frisa. “Começo a sentir que está mesmo a acontecer. E que a economia angolana caminha no bom sentido, onde investe quem apresenta as melhores propostas”, refere.
Portugal parece ter vindo a perder importância na economia angolana. Dados do gabinete de estratégia e estudos, ligado do Ministério da Economia, dão conta de que as exportações portuguesas para Angola têm vindo a diminuir. Nos primeiros nove meses deste ano terão recuado 15% para os 199 milhões de euros. De resto, os dados revelam que Portugal é hoje o oitavo maior cliente de Angola, tendo caído quatro posições. A queda das vendas é acompanhada por uma diminuição do número de empresas exportadoras. Dados da Aicep e do INE apontam para uma queda de 8.821 empresas exportadoras, em 2012, para apenas 4.665 este ano. Na base desta queda está a dificuldade das empresas portuguesas repatriarem capitais. A que se junta ainda a dívida de cerca de 200 milhões, segundo declarações do ministro das Finanças, Archer Mangueira ao Público. O ministro diz ainda que estas dívidas dizem respeito a 24 empresas (construção e serviços). Em setembro, aquando da visita de Costa a Luanda, as dívidas em atraso totalizavam os 390 milhões de euros.
Bial disposta a investir em Angola… a seu tempo
A Bial está presente há muitos anos, 30 mais precisamente, em Angola, e podia ser uma das empresas visadas pelo Presidente angolano, não fosse a especificidade do seu negócio. A empresa, que não tem investimento no país de João Lourenço, exporta anualmente cinco milhões de euros em medicamentos para aquele destino.
“Não temos fábrica, não temos investimento direto, mas estamos em Angola há mais de 30 anos e temos estado sempre, nos bons e nos maus momentos”, precisa António Portela, presidente executivo do grupo farmacêutico.
Com uma estrutura de 15 pessoas que asseguram que os medicamentos com a marca Bial são bem distribuídos e chegam a todo o lado, Portela nota que “há um vontade de melhorar o setor da saúde, atacando alguns importantes problemas que o país tem como seja a saúde pública ou até mesmo a área da regulamentação”. No fundo, diz António Portela “têm sido dados alguns passos significativos”.
O presidente da Bial não tem dúvidas de que este é um mercado onde a empresa quer continuar a estar e não rejeita investimentos no futuro. Angola representa atualmente perto de 5 milhões de euros ao ano nas contas do grupo com sede na Maia.
Mas deixa uma alerta: “A nossa área é muito particular, até em termos de regulamentação que hoje não existem em Angola, não descartamos a possibilidade de investimentos futuros, mas isso depende das condições que existam no mercado ao nível da indústria do medicamento e isso tem que ser trabalhado em conjunto com as autoridades angolanas”. Portela acrescenta: “Não podemos sozinhos, como outros podem, resolver investi em Angola. É preciso interação com as autoridades”.
Quem interage com Angola também há muitos anos, é a Mota-Engil. António Mota, presidente da construtora diz mesmo que “apesar de portuguesa, a Mota-Engil é de génese angolana”.
António Mota não tem dúvidas da importância da visita de António Costa a Luanda, em setembro passado, e da visita do Presidente angolano a Portugal. “São visitas extremamente importantes e que formalizam um reatar de relações para que os dois mercados se abram”. Um reatar de relações que tem uma importância acrescida numa empresa que deve faturar este ano em Angola 400 milhões de euros.
Para António Mota, estes números são demonstrativos da importância de Angola para a Mota-Engil pelo que não restam dúvidas que o futuro da construtora passará sempre por Angola.
Outra das construtoras nacionais presentes no mercado angolano há mais de 20 anos é a Casais. A empresa, com sede em Braga, tem atualmente 280 pessoas naquele território com uma faturação que ronda os 130 milhões de euros.
António Rodrigues, presidente da Casais diz que os ventos que sopram de Angola “são indicativos de um novo rumo, diferente e que parece mais consensual e com mais futuro”. A aposta em áreas críticas para o desenvolvimento do país, são no entender, do presidente do grupo Casais, determinantes. Já sobre a ideia de Lourenço de captar investimento para o país, António Rodrigues não podia estar mais de acordo. “A base de sustentabilidade de qualquer país é ter capacidade de produção própria e se possível exportar”.
A base de sustentabilidade de qualquer país é ter capacidade de produção própria e se possível exportar.
Mas estas mudanças, alerta, “precisam de tempo, sobretudo porque estamos a falar de uma economia que sempre foi monoproduto. Mas tem condições naturais ótimas para que estas mudanças possam singrar nomeadamente consumo e população”. António Rodrigues diz, no entanto, que “só é possível atrair investidores se estes pressupostos vierem relacionados com um aumento de confiança no país”.
Dos vinhos, aos vinagres passando pelos colchões. Investimentos na calha.
As empresas portuguesas sempre tiveram grande apetência por Angola. E apesar de serem as construtoras que sempre tiveram mais peso naquele mercado, há outros interesses portugueses em Luanda.
Como é o caso da Lusovini. O grupo produtor de vinhos tem uma presença mais recente em Angola com uma empresa local para a distribuição de vinhos. Casimiro Gomes, presidente do grupo considera o mercado importante. Tão importante já este ano avançou com a produção de uvas de mesa em terras angolanas. “Numa fase inicial estamos a falar de um investimento de 500 mil euros, e numa segunda fase serão mais dois milhões de euros”, afirma.
Casimiro Gomes diz que o país tem grandes carências, mas nota-se, neste momento, “uma grande expectativa da população nestes mudanças políticas”. O grupo Lusovini exporta 75% do vinho que produz em Portugal, para mais de 42 países.
Na área agroalimentar, o grupo Mendes Gonçalves, detentor da marca de vinagre Paladin, e cuja faturação é de 30 milhões de euros, também avançou para Angola. Fez o caminho habitual nestas coisas. Primeiro exportou e depois criou de raiz uma fábrica em Angola. Hoje produz cinco milhões de litros de vinagre e fatura três milhões de euros.
Carlos Gonçalves, administrador do grupo adianta: “Há três anos, em plena crise, resolvemos avançar com o investimento, e criamos a nossa primeira fábrica em Angola”. O investimento de três milhões de euros foi feito em parceria com uma empresa libanesa, distribuidor do grupo em Angola.
O administrador do grupo português diz que estão “a fazer vinagre com a marca Peninsular”. “A partir do momento em que sintamos que existe apoio industrial avançaremos com um outro investimento de dez milhões de euros numa fábrica para molhos”, acrescentou. Carlos Gonçalves diz que a planta da fábrica “está pronta”, e esperam apenas que “haja algum plano industrial para avançar”.
Já nos colchões, a Colunex ainda não é investidora em Angola, mas fornece vários hotéis no país. Eugénio Santos, presidente da Colunex diz que está em Angola desde 2008 e admite poder “vir a intensificar a relação com o país”. A seu tempo, continua, podem “olhar com outra perspetiva”.
Na base deste novo olhar, estão os ventos que sopram de África. “A direção do vento está melhor, a vontade de navegar a bom porto acontece. Agora como em todas as viagens, é preciso tempo”, afirma Eugénio Santos. De resto, deixa o recado: “A Colunex está hoje, como sempre esteve disponível para ajudar o mercado angolano”.
Visão semelhante quanto ao ambiente económico tem Armindo Monteiro, presidente da Compta. Apesar de dizer que “está a navegar à bolina, porque há ventos favoráveis, mas também há uns que não correm de feição”. O presidente da Compta relembra que é preciso tempo. A empresa presta serviços a Angola, uma área que considera “fundamental”. Angola, defende Armindo Monteiro, “precisa de tecnologia e da prestação de serviços”.
Projetos que ficaram na gaveta
Ao longo dos anos foram vários os projetos de investimento que estiveram quase, quase a avançar, mas acabaram por ficar na gaveta. Os mais emblemáticos vêm do setor das bebidas, mais concretamente das cervejas. Central de Cervejas e Super Bock Group (ex-Unicer) tinham planos de investimento forte para Angola, naquele que era o principal mercado de exportação de ambas. Mas o aumento das taxas aduaneiras sobre as bebidas imposta por José Eduardo dos Santos deitou por terra as ambições das cervejeiras. E até mesmo ao nível das exportações, Angola tornou-se um mercado residual para ambas.
Atualmente a Central de Cervejas, que não quis comentar a situação, tem uma parceria com uma empresa local, a Sodiba, controlada por Isabel dos Santos, a quem dá apoio para que a qualidade da Sagres se mantenha inalterada. Em troca recebe os direitos de licenciamento da marca.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Da Bial à Mota, passando pela Paladin. 8 empresários, 8 formas de negociar com Angola
{{ noCommentsLabel }}