Rally nas bolsas? Depende dos presentes de Natal de Draghi e Powell
As bolsas estão a viver um ano negativo. Por isso, a chegada de dezembro é muito ansiada pelos investidores que esperam, pelo menos, atenuar as perdas. Mas, este ano, há vários fatores de incerteza.
Quando as ruas se enchem de luzes e as casas de presentes, as bolsas tendem — tradicionalmente — a beneficiar do sentimento natalício, impulsionadas pelo aumento dos gastos, fiscalidade e fecho das contas. Este ano, o vermelho chegou aos índices acionistas muito antes do próprio Pai Natal. Um rally natalício poderá ajudar a travar as quedas globais no acumulado do ano, mas irá depender de uma série de fatores, incluindo bancos centrais, Itália, Brexit, guerra comercial e até mesmo da evolução do preço do petróleo.
“Não é de descartar que ocorra um rally natalício, sobretudo porque as quedas acumuladas pelas bolsas este ano parecem-nos extremamente excessivas, para um mundo que não mudou assim tanto”, disse João Pisco, analista de mercados financeiros do Bankinter.
Da mesma forma, Steven Santos, head of trading and brokerage do BiG – Banco de Investimento Global aponta para a hipótese de uma correção técnica. “Diversas bolsas apresentam sinais de sobrevenda técnica, pelo que um ressalto dos mercados acionistas na reta final do ano não seria surpreendente“, afirma.
"Não é de descartar que ocorra um rally natalício, sobretudo porque as quedas acumuladas pelas bolsas este ano parecem-nos extremamente excessivas, para um mundo que não mudou assim tanto.”
Da Europa aos EUA, as bolsas estão negativas no acumulado do ano. O índice pan-europeu Stoxx 600 fechou a semana passada com uma perda de 8,14% em 2018, enquanto o alemão DAX recua 12,85%, o espanhol IBEX 35 cai 9,62% e o francês CAC 40 desvaloriza 5,81%. O português PSI-20 tem seguido a tendência europeia e acumula uma queda de 8,80%.
Em Wall Street, o vermelho surgiu momentaneamente em novembro, mas o fim do mês acabou ser de recuperação. Ainda assim, um ano — que ficou marcado por dois sell-offs — ainda não é garantido. O índice industrial Dow Jones avança apenas 3,31% desde o início do ano, o financeiro S&P 500 ganha 3,24% e o tecnológico Nasdaq valoriza 6,19%.
Lisboa com saldo negativo no ano
O impulso de um rally natalício era o que todos precisavam para dar algum fôlego antes de fechar as contas do ano e atenuar o impacto negativo. No entanto, “até ao Natal, haverá uma mão cheia de acontecimentos que poderão condicionar o sentimento dos investidores“, lembra Carlos Almeida, diretor de investimentos do banco Best.
Draghi pode antecipar o Natal para 13 de dezembro
Na Europa, um dos momentos mais importante das semanas que antecipam o Natal será a reunião do Banco Central Europeu (BCE) a 13 de dezembro. Será o último encontro antes do fim do programa de compra de ativos da Zona Euro, que foi implementado há cinco anos para fomentar a económica durante a crise e limitar a subida no custo de financiamento de países como Portugal.
O presidente do BCE, Mario Draghi, anunciou, em julho, que a aquisição de dívida pública e privada iria ser reduzida para metade (30 mil milhões de euros) no último trimestre do ano, face aos 60 mil milhões de euros de compras mensais ao longo do resto do ano.
Falta, no entanto, saber os pormenores, incluindo a política de reinvestimentos de juros e de títulos que atingem a maturidade, que será determinante para que o BCE se mantenha como grande investidor no mercado. Draghi poderá também sinalizar o timing para a primeira subida dos juros de referência na Zona Euro, que porá fim à era do dinheiro barato.
“Será uma importante reunião do BCE e na semana seguinte — a 19 de dezembro — será a vez da Reserva Federal norte-americana anunciar a sua decisão de evolução da política monetária, onde os investidores estarão atentos às mensagens de Mario Draghi e de Jerome Powell”, sublinhou Almeida.
A expectativa do mercado é que a Fed realize a quarta subida da taxa diretora em dezembro, para um intervalo entre 2,25% e 2,5%. A instituição liderada por Powell deverá manter a estratégia de normalização da política monetária, mas poderá travar o ritmo, ou pelo menos, foi essa a interpretação que os mercados fizeram de uma entrevista do presidente da Fed, na semana passada.
“Nas diversas dimensões, estes temas poderão ser clarificados nos próximos dias, coincidindo com as semanas do Natal. O discurso de Jerome Powell na semana passada, permitiu atenuar o cenário de subida das taxas de juro para um valor acima do considerado neutral pelo mercado. Em reação, os mercados de ações subiram, tendo os EUA registado a melhor sessão de bolsa desde março”, acrescentou o diretor de investimento do Best.
Itália e Brexit. Cattivo ou nice para as praças europeias?
Além dos bancos centrais, há ainda outros temas a condicionarem a performance dos mercados acionistas. Na Europa, os desenvolvimentos do acordo do Brexit e o braço de ferro entre Itália e a Comissão Europeia sobre o défice romano são os maiores fatores de incerteza. “Mais do que surgirem notícias positivas, o mais importante é que não surjam notícias negativas — no news is good news — e que os investidores façam uma melhor leitura do fluxo de notícias que vá surgindo, nomeadamente em torno da guerra comercial, do Brexit ou de Itália”, disse João Pisco, do Bankinter.
O analista do banco espanhol considera que, em outubro e novembro, os investidores reagiram muito mal às más notícias e de forma muito tímida às boas notícias, o que espoletou uma reação “desproporcional” dos mercados. Sublinha que o português PSI-20 deverá acompanhar uma eventual retoma das bolsas a nível global.
A banca é o setor mais exposto à incerteza em Itália e ao risco de subida das yields das dívidas europeias. O índice pan-europeu setorial Euro Stoxx Banks acumula uma perda de 25,77% nos primeiros 11 meses do ano. O índice de bancos italianos FTSE Italia Banche cai 24%, enquanto o único representante do setor no PSI-20, o BCP, recua 8%.
“É de realçar a elevada correlação do mercado português com o resto dos periféricos, sendo expectável que a sua evolução continue a depender do fluxo de notícias que vai chegando de Itália, nomeadamente em relação aos desentendimentos com a Comissão Europeia nos objetivos orçamentais. O BCP estará particularmente dependente do desenrolar dos acontecimentos em Itália e da consequente evolução dos prémios de risco dos periféricos. Um possível acordo entre Roma e Bruxelas em relação aos objetivos de défice poderá impulsionar as ações dos bancos da periferia, entre os quais o BCP”, afirmou Pisco.
Entre outros pesos-pesados da bolsa de Lisboa, as perspetivas são “menos promissoras” em relação à Galp Energia, que perde 6,5% no ano. Até ao final de novembro, o índice Euro Stoxx 600 Oil & Gas ganha 1,46%, mas o norte-americano Dow Jones U.S. Oil & Gas Index perde 9,05%. A performance das ações do setor petrolífero global irá variar consoante o que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) decidir na reunião desta semana.
As quedas no preço da matéria-prima, que chegou a negociar abaixo dos 50 dólares na semana passada depois de ter ultrapassado os 75 dólares em outubro, poderá pressionar o cartel a cortar novamente a produção, levando a uma nova subida dos preços e beneficiando as petrolíferas.
Guerra comercial pode ser presente envenenado nos EUA
Quanto a geografias, os analistas consultados pelo ECO estão especialmente otimistas em relação ao mercado norte-americano. Até porque as pesadas perdas de Wall Street em outubro e novembro dão maior espaço de recuperação. A ajudar está também o forte desempenho económico dos EUA, que contrasta com a desaceleração da economia europeia, “uma divergência que deverá continuar a ser refletida na evolução dos respetivos mercados”, defende Pisco.
No entanto, a guerra comercial é, no entanto, a maior incógnita. Este fim de semana, os presidentes dos EUA e da China estabeleceram uma trégua comercial, que vai adiar por 90 dias o aumento das taxas alfandegárias norte-americanas impostas sobre importações chinesas. Mas a situação tem sido imprevisível e uma nova escalada das tensões poderá penalizar o sentimento dos investidores a nível global.
Já em termos setoriais, o retalho é um dos setores que mais beneficia nesta época devido ao aumento do volume de negócio em dezembro (com as festas) e janeiro (com os saldos). As perspetivas são, por isso, otimistas a nível internacional, com destaque para gigantes como a Target, a Walmart ou a Macy’s.
Já em Portugal, as representantes do setor terão dificuldades de apagar as perdas no acumulado do ano. “Sendo o setor do retalho nacional constituído por apenas duas empresas, o fraco desempenho relativo face às congéneres deve-se mais a fatores específicos à Sonae SGPS e à Jerónimo Martins do que a implicações setoriais”, explicou Steven Santos, do BiG.
A dona do Continente desvaloriza 25,7% num ano em que já teve de abandonar a colocação em bolsa do negócio do retalho (Sonae MC) devido às condições de mercado. A dona do Pingo Doce tomba 34,9% devido à crise nos mercados emergentes.
“Caso se confirme a expectativa de um rally de fim de ano, os setores que mais deveriam subir são aqueles que foram mais castigados nos últimos meses, como por exemplo o setor automóvel ou tecnológico. Por outro lado, setores caracterizados por uma menor volatilidade e que geralmente são procurados pelo seu papel de ‘refúgio’, como o setor das telecomunicações ou utilities, deverão ficar para trás, perante um hipotético aumento do apetite por risco”, acrescentou Pisco.
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