Como ser uma empresa 4.0 ou quando se despede um robô
Algumas empresas dizem já estar no processo de transformação digital. Mas será que conhecem o nível em que estão? As respostas no primeiro encontro da VdA e do ECO sobre tecnologia e negócio.
Big data, cloud, blockchain, inteligência artificial ou machine learning são palavras que já entraram pelas portas das empresas há alguns anos. Algumas dizem até já estar dentro do processo de transformação digital — considerado a quarta revolução industrial — mas será que estão conscientes de que não basta pôr o email na cloud, por exemplo, para ser verdadeiramente digital? No primeiro encontro do Ciclo de Conversas, promovido pela VdA em parceria com o ECO, “Business powered by Technology”, sob o tema “Como as tecnologias estão a transformar a gestão”, os gestores Ângelo Ramalho e José Gonçalves respondem.
A primeira coisa a fazer perguntar: “Em que ponto ou em que etapa é que a minha empresa está?”, e responder sinceramente. Ângelo Ramalho, presidente executivo da EFACEC, ainda que confesse que é a resposta nem sempre é fácil, diz que a EFACEC ainda não pode ser considerada uma empresa da indústria 4.0.
Contudo, não desvaloriza o percurso que a empresa com quase 70 anos tem feito nos últimos tempos. “Fazemos muita coisa que tem a ver com o digital. Grande parte do que nós produzimos é, de facto, o digital”, disse, durante a sua intervenção no primeiro encontro deste ciclo “Business powered by Technology”. E, apesar de muitas pessoas ainda lembrarem a EFACEC pelos elevadores ou esquentadores, “atualmente, um quarto da atividade da empresa é negócio digital, que são mais de 100 milhões de euros”, acrescentou Ângelo Ramalho.
José Gonçalves, presidente da Accenture Portugal, considera que, de facto, o digital cria uma nova oportunidade muito importante: “o mundo passa a ser o nosso mercado”. Mas, na sua opinião, é preciso que as empresas — antes de tudo — entendem isso. E, se as startups e algumas pequenas e médias empresas (PME) têm esse mindset, as principais resistentes são as grandes empresas.
"Continua a haver algum ceticismo sobre o digital. Se não passa de mais uma moda ou se é, de facto, uma alavanca de valor para as empresas”
Porquê? Talvez o problema tenha origem nos quadros de topo. Se, antes, “a tecnologia era algo que estava no backoffice”, hoje me dia já “não é possível pensar negócios sem tecnologia”, explica José Gonçalves. É aqui que surgem as reticências dos gestores, que estão perante uma área que não é do seu conforto. “Continua a haver algum ceticismo sobre o digital. Se não passa de mais uma moda ou se é, de facto, uma alavanca de valor para as empresas”, considera.
Quem mais falha, mais tenta. E mais chances tem de ter sucesso
Mas há ainda outro motivo que, para o presidente da Accenture Portugal, é um entrave à inovação. E tem a ver com a cultura portuguesa, à semelhança da europeia, aliás. “Temos uma cultura em Portugal que é de não falhar. Somos pouco tolerantes ao falhanço. Enquanto, nos EUA, por exemplo, é completamente diferente. Falhar significa tentar e aprender para fazer melhor da próxima vez”.
A capacidade de inovar é, mais do que nunca, um fator diferenciador das empresas. Quem inovar mais rapidamente ganha. Mas, para isso, é preciso testar várias soluções e, claro, nem todas vão ter sucesso.
É por isso que o CEO da EFACEC considera que “a questão não está na tecnologia, mas sim nas pessoas”. Isto porque qualquer ser humano — apesar de uns mais do que outros — é relutante à mudança. “Todos temos vontade de mudar, desde que a mudança não tenha a ver comigo”, refere Ângelo Ramalho.
Enquanto, na EFACEC, o CEO diz que se mudou quase tudo, face às necessidades. Na Accenture, José Gonçalves diz que foi feita uma formação intensiva das pessoas que havia dentro de casa. E no recrutamento a lógica também mudou: são as empresas que têm de aproximar-se das academias, e não o contrário.
Mas, não é só dentro de casa que se procura talento. O presidente da consultora destaca, também, que é preciso pensar em talento que está, também, fora de casa. Pensar em freelancers, “pessoas que não querem ter um vínculo às empresas”. diz. “Sim, porque hoje os miúdos não querem a estabilidade de um emprego para a vida”. E mais. “Os miúdos que entram hoje nas nossas empresas, e querem ter uma carreia, esperam uma experiência de trabalho similar àquela que eles têm na sua vida pessoal”.
Também não é coerente, por exemplo, uma empresa dizer que é muito inovadora, quando, ao cruzar as suas portas, “a vontade é de fugir de lá de dentro”, acrescentou José Gonçalves.
"A transformação digital é como o sexo na adolescência. Fala-se muito, mas faz-se pouco.”
Mas, se tanto se fala de transformação digital, não deviam as empresas estar mais avançadas no que toca ao seu processo de digitalização? Fernando Resina da Silva, sócio da Vieira de Almeida (VdA), considera que “a transformação digital é como o sexo na adolescência. Fala-se muito, mas faz-se pouco. E, quando se faz, muitas vezes faz-se mal”.
Para Resina da Silva, é importante perceber qual o estado da nossa empresa e aproveitar o que o digital tem para oferecer. “Entrámos numa fase preditiva”, disse. “Nos anos 80 sabíamos o que aconteceu no passado. Em 2000 sabíamos o que está a acontecer agora, em direto. Agora sabemos o que vai acontecer no futuro”, explicou.
Na opinião do advogado, esta ferramenta preditiva pode ser utilizada nas empresas com muito sucesso. No setor da banca, por exemplo, pode criar mecanismo de prevenção da fraude ou de aconselhamento do cliente naquilo que são os seus investimentos. Já na área das vendas, faz com que seja possível prever o que o cliente vai querer.
Tanto a Accenture com a EFACEC já perceberam as vantagens do digital para os seus negócios. E, também, a alteração de paradigmas que aí vêm. “O digital vai rebentar com esta forma antiga de estar, paternalista e dirigista. É uma oportunidade muito boa”, referiu Ângelo Ramalho.
Já Fernando Resina da Silva prefere relembrar que há desafios que se impõem agora. A cibersegurança é um deles. “Hoje em dia, uma pequena falha de cibersegurança pode representar para a empresa um dano gravíssimo”. Por outro lado, as tensões entre o homem e a máquina — de que também tanto se fala — podem ser complicadas. “Algumas profissões vão desaparecer, outras vão ser criadas. Quanto ao saldo, não sei se é negativo ou não”, disse.
“Ainda no outro dia ouvi falar de uma nova profissão que era treinador de robôs”, relembrou. “Vão ser criadas novas profissões, que são um misto de homem com trabalho de máquina. Claro que outras vão desaparecer. Se o saldo é negativo ou não, não sei”.
Na experiência de Ângelo Ramalho, na EFACEC nunca se despediu um colaborador para um robô ocupar o seu posto de trabalho. Mas o contrário já aconteceu… “Já despedimos um robô. Nunca o contrário. O robô não estava a trabalhar bem”.
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