O líder da EY em Portugal falou com o ECO sobre os desafios da transformação digital e sobre o estado de preparação das empresas portuguesas. Defendeu, ainda, que uma estratégia sólida é crucial.
A transformação digital está a pôr as empresas à prova. E não se trata de um processo futuro, mas sim que já se está a sentir agora, a um ritmo muito acelerado e em todos os setores. Desde a ordem estratégica, passando pela operacional, até ao acesso ao talento, as dificuldades são a vários níveis — é certo –, mas o desejável é que as empresas ultrapassem esses obstáculos e tirem o máximo partido desta revolução.
No meio deste processo, a insegurança é normal. Aliás, como disse o professor Daniel Traça, dean da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), durante a conferência Beyond, promovida pela consultora Ernst & Young (EY), “as empresas que não se sentem perdidas é porque desconhecem o que está para vir”. E o líder da EY em Portugal, João Alves, não podia estar mais de acordo.
Equilibrar todos os interesses em jogo — desde empresas a cidadãos e decisores públicos — será, para João Alves, “um dos grandes desafios das próximas décadas”.
Recordando o evento Beyond, um espaço de debate sobre os impactos da revolução digital, e o estudo “Maturidade Digital das empresas portuguesas”, o diretor-geral da Ernst & Young em Portugal falou com o ECO sobre os desafios e obstáculos da transformação digital, sobre o estado de preparação das empresas portuguesas e a necessidade de uma estratégia sólida e alinhada para enfrentar, com sucesso, a revolução digital.
Em que ponto estamos? Numa escala de zero a dez, em que zero é nada preparados para a transformação digital e dez é muitíssimo preparados, onde está Portugal?
Esta é uma questão tão importante quanto difícil de responder. Diria que nesta altura não podemos assumir um grau de preparação superior a três ou quatro. É uma avaliação globalmente negativa que resulta de um misto de indiferença perante o problema de muitas empresas, da falta de uma abordagem estratégica por muitas outras e de um esforço normalmente superficial de aplicação de ferramentas digitais ao negócio existente. Felizmente, há honrosas exceções de empresas que têm um grau de preparação avançado, mas a média geral não deixa de ser negativa.
Considera que as empresas portuguesas estão conscientes da necessidade de mudança a que a transformação digital obriga?
Qualquer empresa ou cidadão que faça um acompanhamento minimamente sério da realidade mundial é confrontado praticamente todos os dias com novas aplicações de tecnologias suportadas no digital. Temos de assumir que a generalidade das empresas sabe que a revolução digital comporta ameaças. No entanto, não é claro que se esteja a agir em função deste conhecimento. Seja por indiferença, por se pensar que demorará muito tempo a afetar a nossa realidade local ou por se assumir impotência perante a dimensão do problema, não podemos dizer que a generalidade das empresas já tenha interiorizado a necessidade de mudança, e muito menos que já esteja a agir em conformidade.
Temos de assumir que a generalidade das empresas sabe que a revolução digital comporta ameaças. No entanto, não é claro que se esteja a agir em função deste conhecimento.
As redes sociais, o marketing digital, o big data e analytics, a cloud computing e a IoT são as tecnologias mais adotadas pelas empresas. Mas será que chegam?
Como qualquer outro investimento, a aposta no digital exige a definição de prioridades. Quando precedida de uma análise estratégica sobre o que significa o digital para o modelo de negócio da empresa, é perfeitamente razoável apostar primeiro na implementação de tecnologias mais maduras, que produzam efeitos mais depressa ou que estejam mais ao alcance das competências internas.
O que o nosso estudo alerta é que ser digital não significa apenas adotar algumas ferramentas digitais. Quando o investimento é oportunista e em silos, adotando algumas ferramentas digitais de forma desgarrada em diferentes áreas da organização, isso é claramente insuficiente para lidar com as ameaças do digital.
Por detrás desses investimentos no digital não está, portanto, uma estratégia sólida e alinhada?
O que as respostas ao estudo sobre a maturidade digital revelam é que não. Quando pedimos uma autoavaliação da dimensão de estratégia e liderança, apenas no setor da energia os resultados são claramente positivos. Nos restantes setores, apenas dez a 20% das respostas fazem uma avaliação muito elevada da sua estratégia, da forma como a liderança de topo a pratica e da forma como os processos de inovação permitem a seleção e implementação de novas ideias.
De acordo com o estudo, as empresas estão otimistas pois pensam estar bem preparadas para enfrentar a transformação digital. Trata-se de excesso de confiança?
Quando a maioria das empresas pensa que o seu grau de preparação está acima da média, isso pode ser um sintoma de que não conhecemos bem realidades distintas da nossa, levando-nos a sobreavaliar o que nos está mais próximo. Mas a conjugação deste dado com as restantes conclusões do relatório apontam para algum excesso de otimismo ou mesmo para alguma complacência.
Quando a maioria das empresas pensa que o seu grau de preparação está acima da média, isso pode ser um sintoma de que não conhecemos bem realidades distintas da nossa, levando-nos a sobreavaliar o que nos está mais próximo.
E os funcionários das empresas? Será que têm conhecimentos e competências suficientes para acompanhar a transformação digital?
Apesar das discussões em torno da forma como a revolução digital pode substituir humanos em algumas tarefas, o mundo vive atualmente uma situação de escassez de competências na área tecnológica e digital. Aliás, o estudo revela que o mesmo acontece em Portugal, com apenas 38% das empresas confiantes de que possuem as competências necessárias para suportar o seu processo de transformação digital.
Qual o setor que considera apresentar mais resistência à transformação digital?
O nosso estudo sobre maturidade digital mostra que o setor da distribuição é o que assume menor urgência na preparação para o digital, com cerca de 50% das empresas a dizerem que só agora, ou nos próximos dois anos, vão começar os seus processos de transformação digital. Atendendo às taxas de crescimento do comércio eletrónico a nível global, este resultado parece assumir, com uma confiança talvez excessiva, que os consumidores nacionais vão continuar a relacionar-se com o comércio num formato mais tradicional.
Apesar de a reduzida dimensão do mercado interno poder adiar as estratégias de entrada dos gigantes globais do setor, em Portugal há muitos exemplos de que existe um forte apetite por novidades tecnológicas. Isto leva-nos a pensar que logo que surja uma oferta que resolva de forma razoável o binómio entre qualidade e serviço ou conveniência de entrega, a adoção pelos consumidores nacionais será muito rápida.
Como é que a inteligência artificial e os robôs vão interferir com os postos de trabalhos ocupados por humanos?
Quando uma inovação não introduz vantagens ao nível da eficiência ou da menor utilização de recursos, por exemplo, não é adotada nem gera impactos significativos. Assim, e tal como acontece desde a invenção da roda, passando pelo motor a vapor e culminando nos computadores, muitas inovações acabam por se traduzir na eliminação de postos de trabalho. Por outro lado, alguém tem de produzir rodas, lubrificar motores ou programar computadores, o que cria outro tipo de emprego, tipicamente mais qualificado, exigindo menos esforço físico e envolvendo menor risco.
Três conselhos para as empresas enfrentarem a transformação digital com sucesso, tirando partido da mesma:
Estratégia, liderança e abertura ao exterior. É essencial que a transformação digital parta de um exercício de revisão da estratégia do negócio, que a transformação seja assumida e pilotada de forma próxima pela liderança e que exista, em cada momento, a humildade para reconhecer que nenhuma organização tem a resposta para todos os desafios do digital.
Sobre o Beyond 2018, que decorreu em outubro, qual o balanço que faz da conferência?
Este foi apenas o primeiro momento da edição deste ano do Beyond. Tínhamos como objetivo ter uma sessão marcante, em que se apresentassem as conclusões do Estudo de Maturidade Digital e em que se começasse o debate sobre os temas escolhidos para este ano: o futuro da saúde, do consumidor, das cidades e dos negócios.
Foi bom perceber que o dean da Nova SBE partilha muitas das preocupações que nos levam a organizar o Beyond e que até as empresas que escolhemos como exemplo de boas práticas de transformação digital sentem que ainda há muito por fazer. O feedback que tivemos foi muito positivo e estamos já a preparar os próximos eventos. O primeiro foi um think tank sobre a sustentabilidade na saúde.
Quais as principais conclusões que saíram da conferência?
A principal mensagem que resulta da conferência é de desconforto. Os exemplos práticos de implementação de novas tecnologias e os testemunhos de empresas em fase avançada de transformação digital dão um sinal claro de que não há margem para complacência: a revolução digital em curso exige ação. Contudo, só quando está claro para todos os intervenientes qual é o propósito da empresa, qual é a estratégia perseguida e quais os mercados em que quer concorrer é que se ganha clareza sobre o caminho a seguir em matéria de transformação digital.
A transformação é um assunto que nunca mais vai ter fim?
A transformação digital é um processo do qual, no mínimo, se pode dizer que ainda não tem um fim à vista. Em períodos anteriores de transformação tecnológica, o driver de mudança era normalmente uma tecnologia bem definida, com um espetro de aplicações razoavelmente antecipável. No caso do digital, temos assistido a vagas contínuas em que novas tecnologias criam novos mercados, que geram informação que alimenta o surgimento de outras tecnologias. Com o digital a acelerar processos de inovação empresarial e a quebrar barreiras que antes limitavam a cooperação entre as empresas e os ecossistemas que as rodeiam, assistimos a um loop contínuo que continua a alargar o âmbito de aplicações e de implicações das tecnologias digitais.
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“Não há margem para complacência, a revolução digital em curso exige ação”, alerta o líder da EY
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