Comboios param hoje. Governo enfrenta dezembro com oito greves
Da saúde à justiça, passando pelos bombeiros e pelos estivadores, o Governo enfrenta, pelo menos, oito greves, no último mês do ano. E já há paralisações marcadas para 2019.
Dezembro não está a ser um mês fácil para o Executivo de António Costa. Pouco mais de um mês depois da sua última greve, os trabalhadores da Infraestruturas de Portugal (IP) voltam a parar, esta sexta-feira. Desta vez, juntam-se a eles os trabalhadores da Comboios de Portugal (CP) e da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviários (EMEF). Além desta paralisação, o Governo deverá a enfrentar, só este mês, pelo menos mais sete. Da saúde à justiça. “É questão de cálculo racional por parte dos sindicatos”, explica ao ECO o politólogo João Cardoso Rosas.
A greve desta sexta-feira marca o nono dia em que os comboios estão parados, este ano. No final de outubro, os trabalhadores da IP marcaram um momento de protesto pela “defesa da negociação de um acordo coletivo de trabalho e de um regulamento de carreiras”. Na ocasião, foi suprimida a circulação de todos os comboios do serviço regional e de longo curso.
Pouco mais de um mês depois, os comboios voltam parar. Desta vez, os trabalhadores da CP e da EMEF juntam-se também ao protesto em defesa de melhores condições de trabalho. “Decidimos fazer esta greve no mesmo dia nas três empresas, porque o Governo continua a não dar resposta a uma reivindicação comum, que é a de negociar melhores condições para estes trabalhadores”, explicou o coordenador da Federação dos Sindicatos de Transporte e Comunicações (FECTRANS).
Face a esta paralisação, a CP já avisou os seus clientes de que são esperadas “fortes perturbações” na circulação. “Preveem-se supressões e atrasos na circulação de comboios a nível nacional em todos os serviços”, adianta a ferroviária, em comunicado, acrescentando que o Tribunal Arbitral não decretou a realização de serviços mínimos.
“É uma questão de cálculo racional”
Na opinião do politólogo João Cardoso Rosas, esta concentração considerável de greves é resultante apenas de uma “questão de cálculo racional por parte dos sindicatos”. “Um pouco antes do fim do ano, é costume haver maior pressão, por causa do Orçamento. E, por outro lado, há um aproximar do fim da legislatura, o que cria oportunidade“, conta ao ECO o professor.
“Os Orçamentos são sempre uma espécie de prova dos clusters que são satisfeitos. Depois, há determinados grupos setoriais que consideram não ter recibo o que lhes era devido”, corrobora José Adelino Maltez. O politólogo salienta que estas paralisações resultam de “processos muito longos” e da insatisfação de “algumas expectativas” com o plano orçamental aprovado pelo Parlamento a 29 de novembro.
Por outro lado, Cardoso Rosas nota que tal concentração de movimentos reivindicativos não significa necessariamente que o Governo não tem sido favorável à luta dos trabalhadores. “É uma lógica de oportunidade e contexto. Não é uma lógica que possa ser associada objetivamente [à posição do] Governo”, frisa, referindo que a melhoria do clima económico é um dos catalisadores destas greves.
O politólogo parece, assim, contrariar o argumento usado por Rui Rio esta quinta-feira. “Penso que ainda me chegam os dedos da mão para contar as greves dos últimos 15 dias, mas já estamos muito perto de não conseguir. Significa que, ao contrário do que o Governo tem vindo a diz, as coisas não estão bem”, disse o presidente do PSD, à saída da reunião com o Presidente da República, referindo que o país vive um momento de “descontentamento e falta de paz social”.
Quanto ao valor deste tipo de protesto enquanto ferramenta de negociação, Adelino Maltez afirma que a “greve é tão natural como o ar que se respira” e que é um “excelente” instrumento quando “é disciplinada”. “O problema é o imprevisto inorgânico”, enfatiza, mencionando o caso dos “coletes amarelos”, em Paris, cuja resolução acabou por exigir o envolvimento do próprio Presidente francês. “Continua a ser um dos instrumentos fundamentais para os sindicatos”, concorda Cardoso Rosas. Isto porque, sublinha o politólogo, este tipo de paralisações já está incorporado na lógica das negociações, sendo “difícil” evitá-lo.
Guardas prisionais, juízes e funcionários judiciais
Além dos trabalhadores ferroviários, também estão em greve os guardas prisionais. Estes profissionais iniciaram, na quarta-feira, uma paralisação que deverá durar 13 dias. De acordo com o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), a principal reivindicação é a conclusão da revisão do estatuto profissional, exigindo-se a retoma das negociações com o Ministério da Justiça, que foram suspensas em agosto.
A propósito, o Sindicato Independente do Corpo da Guarda Prisional (SICGP) anunciou a realização de mais uma greve, pelo mesmo motivo. A paralisação está marcada para 15 de dezembro e deverá durar até 6 de janeiro.
Em resposta a estes protestos, a ministra da Justiça considerou que, “do ponto de vista humano” esta não é a “altura ideal” para “encetar este tipo de luta”. Francisca Van Dubnem foi questionada sobre esta matéria pelos jornalistas, à saída de uma reunião no Parlamento, convocada pelo CDS-PP, sobre os motins nas prisões de Custóias e Lisboa (resultado das falhas nas visitas aos reclusos causadas pela greve em causa).
Dos guardas prisionais aos juízes, na quarta-feira, estes magistrados fizeram greve, o que levou ao adiamento de 203 julgamentos e diligências. De acordo com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), entre 77% e 100% dos juízes locais criminais aderiram. No caso dos juízos centrais criminais, a adesão foi de 72% a 100%, e no caso dos juízos centrais de competência mista, de 80% a 100%.
Esta paralisação surgiu contra a aprovação de um “estatuto incompleto”. Os juízos alegam que o documento não assegura as questões remuneratórias, o aprofundamento da independência judicial e os bloqueios na carreira. Por isso, convocaram um ciclo de greves, que começou a 20 de novembro e terminará em outubro do próximo ano, compreendendo 21 dias intercalares.
No mesmo setor, o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) agendou uma greve nacional de uma semana em janeiro. Em causa está a luta pela renegociação do estatuto profissional, por promoções e pelo pagamento do trabalho suplementar.
Enquanto o primeiro mês do próximo ano não chega, os funcionários judiciais fizeram greve parcial, esta quinta-feira, (das 09h00 às 11h00) e concentraram-se no Campus de Justiça, gritando: “Costa, escuta, os oficiais de justiça estão em luta”.
Enfermeiros em greve até ao final do ano
Da justiça à saúde, os técnicos de diagnóstico e terapêutica iniciaram às 00h00 da quarta-feira uma paralisação de dois dias, que foi acompanhada de protestos públicos contra o alegado desinvestimento que tem sido registado nos meios complementares de diagnóstico e terapêutica. A ministra da Saúde afirmou estar a trabalhar nesta matéria, mas notou que é preciso “escolher as prioridades certas” para o país.
Também os enfermeiros da área cirúrgica estão parados. O impasse nas conversações entre o Ministério e os sindicatos levou à greve os profissionais do Centro Hospitalar do Porto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Centro Hospitalar de Lisboa Norte e do Centro Hospitalar de Setúbal. A paralisação arrancou no dia 22 de novembro e deverá terminar a 31 de dezembro.
Entretanto, os administradores hospitalares alertaram para o panorama “extremamente grave” provocado por esta greve. “Existem várias situações de doentes que necessitam de forma urgente de uma cirurgia sem que seja contemplada pelos serviços mínimos, que, na prática, consideram doentes oncológicos e os que entram pela porta da urgência”, sublinhou o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares.
E se o Governo não avançar com a categoria de enfermeiro-especialista, os enfermeiros em causa já ameaçaram mesmo marcar uma greve de três meses, a começar já em janeiro.
Estivadores parados há um mês
Os estivadores do porto de Setúbal estão parados há um mês. Estes trabalhadores estão em protesto contra a precariedade laboral, que dizem verificar há mais de 20 anos. Desde 5 de novembro que 90 estivadores da Operestiva recusam trabalhar. Entretanto, mais algumas dezenas de colaboradores da Setulsete juntaram-se ao protesto, exigindo um contrato coletivo de trabalho.
Os estivadores eventuais (sem contrato de trabalho e sem quaisquer regalias) representam cerca de 90% da mão-de-obra disponível no porto de Setúbal. Esta greve inviabiliza, portanto, qualquer operação de movimentação de cargas.
Face a esta situação, a ministra do Mar avançou, em entrevista ao Público, que “se continuarmos por este caminho, o porto de Setúbal deixará de ser viável”. Ainda assim, a governante disse estar “confiante” num bom desfecho.
Bombeiros param por duas semanas
Além dos estivadores, também os bombeiros profissionais estão em protesto. Marcaram uma paralisação de duas semanas (a começar a 19 de dezembro) de luta contra a regulação do regime de aposentações (aprovada em outubro).
Ainda sem greve marcada, mas a registar um aumento das tensões, os professores não conseguiram chegar a acordo com o Governo sobre a contabilização do seu tempo de serviço. O Executivo acusou os sindicatos de manterem uma “posição de intransigência, não aceitando dialogar nada que não seja a recuperação integral de nove anos, quatro meses e dois dias”. Por sua vez, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) considerou a reunião uma “verdadeira anedota” e adiantou que irá recorrer ao Presidente da República.
Por agora, os professores ainda não agendaram qualquer paralisação para este mês, mas a julgar pelo que aconteceu em outubro, poderá estar para breve esse anúncio.
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