Novo projeto, ao lado das ex-instalações da Ricon, visa dar novas competências ao grupo. José Vilas Boas Ferreira diz que investimento será feito em parceria com outro grupo têxtil.
Criado em 2007, em plena crise, o grupo Valérius, liderado por José Manuel Vilas Boas Ferreira, é um caso de sucesso no têxtil. Com sede em Barcelos, a empresa saltou para a ribalta quando, no início de 2018, tentou adquirir as instalações da ex- Ricon, projeto que havia de perder para a vizinha Sonix. Agora está em vias de construir uma nova fábrica, em parceria com outra empresa do setor, para “fazer uma empresa similar à Ricon”. José Ferreira, em entrevista ao ECO, fala da sua empresa e do setor têxtil que, na sua avaliação, começou a viver tempos mais conturbados no segundo semestre do ano. A Valérius fechou 2018 com um volume de negócios de 32 milhões de euros, aquém dos 35 milhões projetados. Por isso, e porque a lira turca está a desvalorizar e a Europa vive tempos conturbados, José Ferreira cortou 20% no orçamento e nas previsões de crescimento para 2019.
José Manuel Vilas Boas Ferreira, é presidente da Valérius mas também acionista da Ambar, Camport (ex-campeão português) e de duas empresas que fabricam componentes para automóveis.
Que balanço faz de 2018?
O ano correu bem. De 1 a 10, dou nota sete. Mas 2017 foi muito bom para toda a fileira têxtil. Em 2018 começou a sentir-se alguma contração. No segundo semestre houve uma desvalorização das encomendas, primeiro devido à desvalorização da lira turca e não nos podemos esquecer que Portugal e Turquia estão de braços dados nesta competição pelo mercado europeu. Claro que o cliente mais premium, que compra pequenas quantidades, que tem alguma apetência para coisas diferentes continua cá. Mas quando falamos de algum volume, para manter a fileira têxtil mais equilibrada, a coisa já não é assim.
Mas para essa contração das encomendas contribuiu apenas a desvalorização da moeda turca ou o clima de incerteza que se vive na Europa também ajudou?
Isso é o segundo pilar, como costumo dizer um avião nunca cai por um motivo, cai sempre por dois ou três. A moeda associada a esta indefinição da Europa, é complexo… Temos aqui um caldeirão. É Espanha, é Itália, é França, é o Brexit… Mas a Valérius sempre soube viver na incerteza. Por incrível que pareça, tentamos sempre os nossos ajustamentos naturais porque somos um pouco um produto da crise.
A Valérius nasceu em 2007, em plena crise…
Nascemos e crescemos em plena crise, temos no nosso ADN uma capacidade de viver na incerteza.
Mas quando fez o orçamento para 2019 teve em conta estes factos?
Tenho, tenho em conta… A parte comercial e a parte emotiva previam crescimento, mas fiz um orçamento 20% abaixo de 2018, pode ser que não aconteça. Claro que temos de ser otimistas porque se o timoneiro começa a criar uma perspetiva negativa, isto espalha-se pela organização.
Em 2017, avisou numa conferência em Braga que se devia ter cuidado com a Turquia.
Avisei de facto que devíamos ter cuidado com a Turquia porque isto não é tão positivo como se diz. O primeiro trimestre deste ano correu mais ou menos para a indústria. No segundo — e isto não é politicamente correto — já há problemas em algumas fileiras do setor.
O primeiro trimestre deste ano correu mais ou menos para a industria. No segundo — e isto não é politicamente correto — já há problemas em algumas fileiras do setor.
Perante essas adversidades de que fala, quanto é que faturou em 2018?
Fechámos o ano com 32 milhões de euros, que comparam com os 31 e pouco que tínhamos faturado em 2017. Mas as nossas projeções apontavam para 35 milhões de euros, contudo, no segundo semestre, perdemos alguma força. Tivemos um crescimento muito residual.
Quais são as previsões de crescimento para 2019, agora que já fez o orçamento e que lhe pôs menos 20%?
Também cortei 20% na perspetiva de crescimento, por isso voltámos aos 30 milhões de euros.
Como está o processo de construção de uma nova fábrica em Famalicão, ao lado das instalações da ex-Ricon?
Isso é um projeto que em devido tempo iremos anunciar. Como foi público quando a Ricon esteve em processo de venda, demonstrámos o nosso interesse, mas a Sonix apresentou um projeto mais consistente ou mais credível que o nosso. E nós também sabemos ser perdedores.
Mesmo assim ficou com ex-trabalhadores da Ricon?
Ficámos com alguns trabalhadores da área… Estamos a tentar fazer uma empresa similar à Ricon, porque temos alguns clientes em comum e que continuam connosco. A par disso, tivemos alguns pedidos que eram feitos à Ricon e não tínhamos conhecimento nessa área e estamos a fazer em parceria com outra empresa do setor têxtil, uma alavancagem, mas não queria para já falar disso.
A Sonix apresentou um projeto mais consistente [para a Ricon] ou mais credível que o nosso. E nós também sabemos ser perdedores.
Mas porque é que não quer falar do tema?
Sabe que não gosto de trabalhar nas incertezas.
Quer criar umas instalações ao lado da ex-Ricon em parceria com outra empresa têxtil, é isso?
Já temos lá umas instalações, porque ficámos com a fábrica da Delcon, uma das unidades da Ricon, para ser o nosso centro de formação. O setor têxtil tem hoje cerca de 110 mil trabalhadores, mas há muitas pessoas que têm de ser requalificadas, porque a verdade é que o setor trabalhou muitos anos na dinâmica do preço e agora com esta dinâmica de aumento de salários, de melhores condições, é preciso requalificar os trabalhadores. Sei que os nossos trabalhadores [do setor têxtil] ganham mal. Não sou empresário de dizer que os trabalhadores devem viver mal, essa não é a nossa política. O nosso maior património são os nossos trabalhadores, mas isto nem sempre foi assim, porque houve uma altura que se pensava que a tecnologia devia estar à frente dos colaboradores e se desinvestiu no saber. O maior património das empresas, sobretudo num setor, em que a componente mão-de-obra vale 80% e o equipamento 20%, são as pessoas, logo é importante ter pessoas com saber. Agora, com esta nova lufada de têxteis que estão a vir para Portugal, exige-se mais conhecimento.
Voltemos à Ricon, comprou as instalações da Delcon, mas ainda não tem lá nada. É isso?
Exatamente.
E os funcionários que contratou da ex-Ricon?
Estão ainda em formação.
O projeto que tem em parceria com outra empresa não tem nada a ver com a Delcon?
Sim, as novas instalações, que iremos criar, são para fazer produtos que eram produzidos pela Ricon e para os quais não temos essa gama de conhecimento. No fundo, a Valérius faz produtos circulares e não faz produtos em tecidos.
Portanto, a nova fábrica vai dar-vos uma nova competência?
Sim, ganhar uma competência porque o cliente não quer perder tempo.
É por estar a pensar nesse novo projeto que não está interessado nas instalações da Ricon, que ficaram para a Sonix em regime de arrendamento, mas que estão à venda?
Nunca digo que não estou interessado, porque o nunca para mim não existe.
Mas, neste momento, não está a pensar nessas instalações?
Não. Acho que a Sonix tem um projeto que deve levar a bom termo. Na altura tínhamos um projeto englobado com outro parceiro e no fundo existiu aqui uma confusão enorme e que não foi agradável nem para nós, nem para a Sonix, nem para a TMG que também estava…
A TMG também estava na corrida?
Não digo na corrida, sou um homem de projetos e não faço pelo coração, mas a TMG estava envolvida connosco… Depois ficaram com parte do pessoal da Delcom…
E é com a TMG que vai fazer esse projeto?
Não, não é com a TMG. Mas não posso dizer com quem é. O tema está fechado, eles ficaram com os blusões, e nós ficámos um bocadinho descalços.
Como é que apareceu o seu interesse na Ricon?
Quando percebemos que o projeto da Ricon se estava a desfazer, e porque temos alguma experiência em recuperação de empresas, agendámos uma reunião com um dos administradores da empresa. Isto foi em dezembro de 2017, reunimos e dissemos: “Somos empresários do setor, sabemos o que é uma empresa entrar em default e sabemos que se isto não for controlado é um suicídio”. A Ricon tinha praticamente um só cliente e dissemos: “O que precisares que possamos ajudar, podemos aproveitar o conhecimento desta empresa para o mercado”. Depois disso ainda tivemos mais duas reuniões, até que em final de janeiro aquilo estourou. Ele não aceitou a nossa ajuda, fiz a minha parte. No fundo, poderia ter sido um incêndio menos descontrolado. Houve clientes que ficaram com o material lá dentro, mas a pressão era tão grande, que se mandou fechar a fábrica, e isto manchou a imagem de Portugal. Muitos desses clientes ainda hoje nos falam como foram empurrados para fora de Portugal. Mesmo no final do processo tentámos uma negociação, mas não foi possível. Depois pensámos que o melhor era entrar numa fase dois, que era a fase de contratar pessoas. Arranjámos uma equipa e fizemos uma abordagem aos clientes, um a um, para percebermos o que é que cada um precisava e estávamos nesta fase de credibilidade quando aparece a Sonix e dividiu a massa de conhecimento. Hoje as empresas são as pessoas, portanto dividiu-se o conhecimento e toda a gente perdeu.
Quando vai avançar o centro de formação?
Deverá arrancar agora em janeiro, e vamos avançar em várias áreas, é uma parceria com a Modatex e vamos fazer equipas de 25 pessoas, vamos tentar formar em várias áreas como por exemplo, nos colados, uma área que está a crescer muito em Portugal e que são as peças sem costura e onde se utiliza sistema de fitas de colagem. Portugal está pouco desenvolvido nessas áreas, que são importantes, porque são nichos de mercado. Queremos ter células autónomas, com saberes também autónomos para podermos dizer ao cliente: preocupe-se com a venda que nós preocupamo-nos com a produção.
Quanto é que a Valérius investe em média por ano?
Investimos bastante. Este ano devemos ter investido mais ou menos entre um e 1,5 milhões de euros. A que acresce, em 2019, o projeto 360 –projeto de reciclagem — que ronda os 20 milhões de euros.
O que é o projeto 360?
O “co-creating the future Valérius 360”, é o nome do projeto do grupo que quer aplicar de forma perfeita os princípios da economia circular. Este projeto nasceu no final do ano 2017, e o que propomos aos nossos clientes é reconverter stocks de marcas e empresas nossas parceiras, juntando-os aos nossos desperdícios para gerar uma nova gama de fios e novo vestuário. Ou seja, peças novas, feitas das velhas coleções.
Quando é que arranca a obra?
Este investimento vai ser feito no concelho de Vila do Conde, porque em Barcelos não temos áreas grandes, e estamos a falar de fiações e de equipamentos de grande dimensão. O pavilhão já está montado e a nossa perspetiva é que no final de 2019 já estaremos a produzir…. já estamos em testes e depois temos uma equipa já dedicada a este projeto.
Este é um projeto inovador?
No passado, estas peças já eram trituradas, mas não se criava valor acrescentado. O que se fazia dessas peças eram esfregonas e carpetes, agora o nosso objetivo é que quando o cliente olhar para a peça reciclada veja uma peça nova. Começámos a fazer ensaios para ver se era possível, as primeiras t-shirts que fizemos pareciam vassouras. Ninguém comprava aquilo, nem dado. E começámos a fazer um estudo e várias competências e chegámos à conclusão que toda a gente fala em economia circular, mas, na verdade, ninguém liga estas pontas todas. Aquilo tem de ser um processo de triturar peças, fazer novas fibras, depois fazer nova malha e fazer as peças. Se ninguém dos intervenientes nestes processos fala uns com os outros…
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“Estamos a tentar fazer uma empresa similar à Ricon”, diz o CEO da Valérius
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