Startup Angra: a incubadora é uma ilha. E há muita vida nesta

Na ilha Terceira, nos Açores, há projetos que veem a luz do dia graças à incubadora inaugurada em 2017. A Startup Angra avalia, acelera e ajuda a validar ideias de negócio. Da ilha para o mundo.

Etapa 10: Para chegar a Angra do Heroísmo há que apanhar o avião. É na cidade açoriana da ilha Terceira que começa a segunda série da Volta a Portugal em incubadoras e termina a décima etapa da prova. Pedalamos oceano Atlântico fora para chegar à Casa do Capitão Donatário, edifício histórico da cidade que, em 2017, foi transformado na primeira incubadora da ilha. Mas nem só ali nascem startups: a Terceira é uma incubadora em si.

“Se te fechas, tu acabas do tamanho do sítio onde estás. Há ilhas tão ou mais pequenas no interior do país. Não é o espaço. Há pessoas que vivem em ilhas no continente”, explica Mário Mendes, sentado no lugar do condutor da sua carrinha, enquanto conduz no caminho até ao monte Brasil, uma das vistas mais bonitas da ilha Terceira. A Terceira Tours, empresa que acaba de lançar, é uma das cerca de 50 startups já incubadas da Startup Angra, incubadora terceirense inaugurada em meados de 2017.

Mário Mendes decidiu criar um negócio de tours na ilha Terceira. Acompanha grupos que queiram conhecer bem o sítio onde viveu a maior parte da sua vida.Mariana de Araújo Barbosa/ECO

Inspirada no trabalho feito por outras incubadoras no continente, a Startup da Terceira ocupou, a partir dessa altura, o edifício pintado de azul que já serviu de Casa do Capitão Donatário, autoridade máxima na capitania local. Os degraus altos de madeira fazem lembrar o caminho íngreme para o Monte Brasil, mas levam também aos espaços ocupados por algumas das incubadas. Outras, virtualmente, estão espalhadas um pouco por toda a ilha.

Tibério Barbeito, 30 anos, é um dos incubados virtuais da Startup Angra. No armazém branco, longe da casa azul, continua a fazer experiências: com o alemão Leon Biermann está a ponto de lançar a Bananika, cerveja açoriana feita à base de banana. “Tinha tantas ideias e lembrei-me da banana por causa dos excedentes. Já tinha feito bolo de banana, banana desidratada, gelado de banana, já não sabia o que havia de fazer. Decidi fazer cerveja de banana, e fiz, mas deixei lá engarrafado”. Um dia, decidiu abrir as garrafas arrumadas no armazém para dá-las a provar a alguns amigos. A reação foi tão boa que Tibério e Leon decidiram fazer da experiência, negócio. Concorreram a um concurso e ganharam. “Temos estado a trabalhar, a afinar receitas e fazer ensaios mas aquilo é um processo único, é tudo novo”, conta, ao ECO.

Tibério Barbeito, 30 anos, está ainda em processo de criação da fórmula da Bananika, uma cerveja feita de banana.Mariana de Araújo Barbosa/ECO

Mas a Bananika vai muito além de ter uma cerveja — com base de banana, é certo — produzida na ilha. “A ideia era criar uma estrutura que absorvia banana excedente e criar um produto para oferecer ao turista e que gerasse rendimentos aos agricultores porque, de outra maneira, aquilo ia para o lixo”, explica Tibério. Em suma, fazer de uma cerveja de banana um produto de economia circular. Só que este não é o único projeto em que Tibério está envolvido. O empreendedor é, entre outras coisas, também sócio de Tiago Silva, 39 anos. Juntos estão a desenvolver o projeto da Casa das Conservas, que tenta retirar o maior partido do peixe da região, transformando-o por um lado, em conservas como patés e, por outro, em peixe fumado.

“A minha família, no Algarve, já fazia coisas fumadas”, conta Tiago. “O mercado do peixe fresco e marisco está a cair, por isso decidimos investir em coisas novas. Começámos a fazer experiências em casa e, há dois anos, decidimos experimentar com o atum”, detalha. No processo, estão agora a mais de meio caminho: a Casa das Conservas trabalha, neste momento, na uniformização de procedimentos internos, ao mesmo tempo que amplia a carteira de clientes.

Do fumeiro para a mesa

Salga mista, salga seca, filetes e vácuo. O vocabulário de Tiago e Tibério não podia ter vindo em melhor altura para Daniela Silveira. As 32 anos, contam-se pelos dedos de uma mão os projetos que já criou desde que, em 2012, voltou à Terceira depois de alguns anos a viver “no continente”. Estudou direito mas “desgostou-se” da área. “Quando regressei não tinha trabalho e senti necessidade de fazer algo. Sempre gostei de projetos novos e comecei um festival de Jazz, que acontece ainda até hoje, já na oitava edição”. Com o tempo, foi encontrando trabalhos mas percebeu que do que gostava mesmo era de trabalhar por conta própria, “à tarefa e por objetivos”, conta.

Com André Castro Parreira, 38, decidiu começar a explorar a Casa Maria Luísa, casa de família da avó do namorado que era ocupada poucas vezes por ano, durante as férias da família. Mas a este negócio, já voltamos. É que Daniela parece não conseguir estar parada. E, em meados de janeiro decidiu aproveitar o peixe fumado de Tiago e Tibério para ajudar a desenvolver a sua marca de sushi com entrega ao domicílio, sem concorrência na ilha. “Vi aqui uma oportunidade de negócio, porque só existe um restaurante e que está quase sempre cheio”. Juntou alguma experiência e formação que fez na escola de sushi do Porto, a única no país, e começou a trabalhar com um grande cliente em perspetiva: a cafetaria do hospital de Angra, onde passam cerca de 2.000 pessoas por dia. “A parceria arrancou logo, achei que ia ser um fator diferenciador usar o peixe fumado e introduzir chicharro — que não é um peixe habitualmente usado no sushi”, conta. Claro que, diz, vai usar salmão nas receitas mas a empresa quer dar primazia ao peixe de Tiago.

O negócio do sushi vai ser coordenado com a casa de família. Com cinco quartos, um enorme jardim e uma piscina, a Casa Maria Luísa traz à memória o cheiro da casa dos avós com o conforto da nossa casa. André, engenheiro agrícola, percebeu que a economia do setor na ilha estava com dificuldades e decidiu desafiar a família — que já tinha tentado desenvolver um negócio de turismo rural na casa — a voltar a abrir as portas ao público e aos turistas. Em fevereiro de 2018 e de fachada pintada de fresco, a Casa Maria Luísa reabriu ao público com a ideia de ter turismo de habitação, alojamento local e também um negócio mais direcionado para eventos como casamentos, batizados e aniversários. Tudo, explica André, como uma espécie de projeto-piloto para o que aí vem: o casal espera, ainda este ano, inaugurar um outro projeto, uma Eco Village, no Porto Martins, noutra parte da ilha.

“Neste projeto, como a casa já estava montada, a ajuda da Startup serviu para dar o pontapé de saída. No Porto Martins, como é um projeto mais de fundo, é preciso trabalhar mais de início. É com este tipo de comunidades que as ideias vão surgindo e as coisas vão acontecendo, em vez de a pessoa fechada no seu casulo, com esta abertura de redes as coisas acontecem mais rápido”, diz André.

Negócio local… na ilha?

Com cerca de 54 mil habitantes, o concelho de Angra conta com mais de metade, perto de 35 mil. O aeroporto está a 20 minutos de carro do centro mas, nem por isso, mais perto do mundo. Só que isso, claro, depende da perspetiva. “Estar aqui nos Açores é conveniente, estou ao pé da família e dos amigos, é tudo perto”, diz Daniela. “O inconveniente é a distância dos produtos, essa é a única desvantagem: as mercadorias chegarem cá e, sobretudo, em que condições chegam. De resto só há benefícios”, diz, acrescentando: “Acho que o mundo empresarial açoriano está a seguir uma linha que acho muito correta, utilizar cada vez mais os nossos produtos, seguir o conceito do biológico”.

É difícil empreender aqui na ilha, há muitos obstáculos“, conta Tibério. Por exemplo, para montar a fábrica pequena que tem e que serve de “incubadora” à Bananika, ao peixe fumado e ainda a um espumante de morango que Tibério também tem em testes, “a legislação e as exigências são quase as de uma fábrica grande em que os custos fixos diluem”, lamenta. Mas não só.

Entre as principais dificuldades estão, por exemplo, o transporte de e para a ilha — que dificulta a transação de matérias-primas e condiciona as entregas, assim como encarece a deslocação dos empreendedores locais a eventos fora da… ilha.

A vacórnio, uma vaca-unicórnio que serve de mascote à incubadora local.Mariana de Araújo Barbosa/ECO

“Em 2013 não existia praticamente nada de empreendedorismo nos Açores. Existiam alguns programas de apoio do governo regional, criado para incidir no empreendedorismo nas escolas, que surgiu nos Açores bastante cedo mas, a nível local, não existia propriamente uma noção ou uma estratégia para o desenvolvimento de incubadoras, estruturas de suporte ao crescimento de novas empresas. Estávamos numa fase muito complicada a nível económico, com desemprego acima dos 20%, e a cidade, todo o concelho, toda a ilha, a passar por uma fase muito má depois do downsizing da Base das Lajes”, recorda Guido Teles, vereador da câmara municipal de Angra do Heroísmo. “Com tudo junto, a ilha estava moribunda”, avalia. “Estávamos numa fase em que era necessário fazer alguma coisa pela economia, e havia uma decisão a tomar: continuar a investir e a direcionar todas as energias para os setores económicos tradicionais — agricultura e pescas, porque o turismo ainda não estava com grande força, era um pequeno segmento — ou começar a investir em novos setores”.

Nessa altura, em estratégia conjugada com o Governo, houve um investimento muito maior no setor turístico, “essencial para garantir um crescimento económico muito grande em toda a região e na Terceira em particular, com chegada das low cost em 2015″, o que acabou por desenvolver todos os negócios ligados: rent-a-car, restauração e outros ligados ao setor turístico. Mas, conta Guido, notou-se a necessidade de começar a trabalhar na área do empreendedorismo. “Os Açores como o resto do país sempre tiveram uma mentalidade muito conservadora em relação ao início de novos negócios. E, portanto, todas as pessoas que arriscavam e, por acaso, falhavam, ficavam carimbadas com isso até ao final da vida e dificilmente abriam um outro negócio. Sentíamos que havia a necessidade de criar estrutura de suporte que, mais do que um edifício, fosse sobretudo uma equipa de trabalho e uma série de recursos disponíveis para quem quisesse começar um novo negócio. Começámos por aí”, conta, em entrevista ao ECO.

É um desafio para quem lá vive. Mas a Terceira quer atrair empreendedores para se fixarem na ilha.

Agora, com quase dois anos de existência, a Startup Angra — que arrancou o trabalho numa sala do Centro Cultural da cidade, é uma entidade conhecida localmente e tem participado — e possibilitado a participação de incubados — em programas de aceleração, a nível nacional, como o Tourism Explorers.

“Arrendámos um espaço na rua da Sé, a principal rua da cidade, para onde passámos a Startup Angra porque já não tínhamos espaço e, enquanto reconstruíamos a Casa do Capitão Donatário, onde ficou instalada a incubadora. No meio disto tudo, surge o projeto do Parque de Ciência e Tecnologia que, em si, prevê também uma incubadora de empresas. E na Praia da Vitória também surge uma incubadora, a Praia Links. Às vezes parece muito mas a verdade é que, pelo menos na nossa realidade, o que se tem verificado é que apareceu uma dinâmica económica maior do que esperávamos”, diz Guido.

É que, se os objetivos “ambiciosos” a que se propunha a incubadora de Angra incluíam a criação de dez empresas e cinco postos de trabalho qualificados no concelho, a verdade é que, neste momento, a pegada na ilha é muito maior. “Tivemos na incubadora mais de 40 projetos, neste momento temos talvez perto de 20 empresas constituídas, e algumas já estão a trabalhar fora da incubadora. Isto em menos de dois anos. (…) Acontece por uma razão que nos orgulha muito e que tem a ver com, num espaço curto de tempo e com pouca população, conseguires gerar uma dinâmica de formação de novos negócios que não é normal”, conta.

Às vezes parece muito mas a verdade é que, pelo menos na nossa realidade, o que se tem verificado é que apareceu uma dinâmica económica maior do que esperávamos.

Guido Teles

Câmara municipal de Angra do Heroísmo

Da agricultura à tecnologia

Duarte Pimentel sabe de cor os cantos à casa ainda que, para quem entra no Terinov pela primeira vez, a orientação seja complicada. As salas, impecavelmente pintadas e ainda a cheirar a tinta, estão vazias, à espera dos primeiros moradores da casa. O Parque de Ciência e Tecnologia da ilha está a ultimar os retoques até à abertura. As salas, muito idênticas, dão nova vida ao edifício que já foi a antiga universidade dos Açores mas que, muito antes disso, foi o hospital militar da II Grande Guerra. A estrutura do edifício, a que chamam “árvore”, data dessa época: vários corpos ligados por um tronco comum que dão a noção de continuidade e de tudo fazer parte de um sistema comum.

De visita ao espaço, passa-se por laboratórios, bancadas, sistemas de ar comprimido. “A vantagem dos projetos virem para cá neste momento é que queremos constituir-nos como uma host institution, sobretudo projetos de I+D em contexto empresarial”, explica Duarte, de regresso a casa depois de 14 anos, dos quais seis meses em Macau.

“A ideia é esta, cinco laboratórios de cada lado, e o laboratório de produtos. Estamos a falar de 5.000 metros quadrados de área bruta construída, 3.500 metros quadrados de área útil. Vamos ter valências, nas áreas agro, não só de oferecer laboratorial e administrativa e também parcelas de cultivo. Uma forma muito interessante de as pessoas experimentarem o produto. Vamos ter um laboratório de inovação em produtos lácteos: a ideia é que recebas o leite deste lado do edifício e daquele possam sair gelados, manteigas, queijo, o que quer que seja. Da outra porta, vais ter uma cadeia de valor do produto. Tens a parte de recolha, laboratórios, câmaras de cura, a sala para embalamento onde esperamos que os criativos estejam envolvidos. O que está previsto é que seja explorado pela parte da universidade e que tenha uma tradução nos serviços prestados a partir daqui, são as tais câmaras de cura”, explica.

O nosso desafio é criar condições atrativas para as empresas virem para cá. E que passem por cá como quem passa pela maternidade e pela creche, e que possam mais tarde fazer parte do tecido empresarial real, que venham já como empresas âncora.

Duarte Pimentel

Terinov

Ao piso térreo do Terinov juntam-se, no andar de cima, os gabinetes administrativos. A ideia é que, deste projeto — que implicou um investimento de cerca de 9,5 milhões de euros — se reforce a colaboração com a Universidade, inclusivamente nas áreas que têm mais valências para os Açores como a das ciências agrárias. Mas a ambição não fica por aqui: Duarte quer também abrir os contactos a outras universidades, como o ISPA, para saber mais sobre o comportamento do consumidor, por exemplo. “Pode ser útil para os nossos incubados e para as indústrias criativas”, afirma. Com inauguração prevista para abril, o grande objetivo vem depois, assume o responsável pelo projeto.

O Terinov implicou um investimento de 9,5 milhões de euros. O edifício original era um hospital militar da II Guerra Mundial.Mariana de Araújo Barbosa/ECO

“O nosso desafio é criar condições atrativas para as empresas virem para cá. E que passem por cá como quem passa pela maternidade e pela creche, e que possam mais tarde fazer parte do tecido empresarial real, que venham já como empresas âncora. Obviamente, olear bem este ecossistema e este sistema ins and outs. Temos aqui uma infraestrutura brutal para o desenvolvimento científico e empresarial dos Açores. Temos um gap: o produto dos Açores é bom, tem de ter uma melhoria ao nível do que é a utilidade tecnológica de coisas que vão sendo aqui desenvolvidas e que, muitas vezes ficam na gaveta. Temos de tornar aquilo que é o investimento e investigação em produtos economicamente rentáveis, e também trabalhar a valorização do produto pela imagem e por aquilo que é a valorização do próprio produto. A qualidade está lá: falta todo o resto e os processos de melhoria”, diz.

Nos planos do Terinov está também um programa de incubação, com a Startup Angra como parceira. Porque, sobretudo na ilha, ninguém é uma ilha. “Há incubadas na Startup Angra que se calhar faz mais sentido estarem aqui, há outras empresas que, pelas características que têm e pelo tipo de produto que comercializam, faz mais sentido estarem no centro da cidade. Não vamos tirar lugar a ninguém. Somos mais uma peça do ecossistema no qual a Startup Angra também é um player“, assinala Duarte.

Guido explica melhor. “Quisemos sempre uma incubadora de base local, nunca teve uma limitação de segmento. Nunca foi esse o objetivo porque, à partida, a nossa dificuldade era conseguir enchê-la. E até porque não faz sentido: quanto mais conhecemos sobre o mundo do empreendedorismo e a realidade nesta área, tudo o que é uma incubadora de base local e criada no centro de uma cidade, sobretudo numa cidade com a dimensão da nossa, tem de ser mais um espaço de apoio de alavancagem de novos negócios, sejam eles locais ou escaláveis, mas sobretudo um espaço que esteja aberto a tudo o que possa gerar dinâmica”. Por isso, quando surgiu a oportunidade de apostar no Parque de Ciência e Tecnologia, o projeto veio com outro tipo de objetivos e, acaba também por ter outro tipo de recursos envolvidos. “Este parque tem essas áreas prioritárias — biotecnologia, agroalimentar”, dá como exemplo.

“O desafio do momento”, continua, “é conseguir dar dinâmica a este parque, neste momento ativos e que a nossa perspetiva é que continue esta procura que tem aparecido na Startup Angra, e que acabe por ser transferido um pouco para o Parque. E depois que acabem por surgir projetos que sejam realmente mais-valias para a ilha. Porque aqui, de facto, há essa capacidade”.

Do futuro à vida real

Nascido de duas experiências prévias, As Nossas Quintas é uma empresa de inserção social, pertencente à Cáritas da ilha Terceira, que dá apoio à integração de jovens ou outros trabalhadores com algum grau de vulnerabilidade. Como? É isso que explica César Medeiros, 39 anos, enquanto caminha pela estufa e vai nomeando todas as espécies de “baby leaves”, a especialidade da casa.

“Temos uma prestação de serviços à cooperativa, fazemos o embalamento, acondicionamento, para que possam vender em superfícies comerciais. E temos a produção, a nossa vegetal, hortícola e frutícola, toda em modo biológico”, conta. Para desenvolver o trabalho, o engenheiro conta com uma equipa de jovens cuja média de idades é de 22 anos. E muitos planos para concretizar. “O objetivo principal da empresa de reinserção social é ganhar autonomia financeira com os nossos jovens, porque esses jovens têm pouca experiência e pouca competência no saber fazer. O nosso objetivo é dar-lhes ferramentas para que sejam mais competitivos no mercado de trabalho, e por outro lado, garantindo à empresa a sustentabilidade económica”.

Além da agricultura, As Nossas Quintas decidiu apostar também nas áreas de doçaria e pastelaria e começar a trabalhar a área dos caterings em coffee breaks para seminários, conferências e outros eventos. “Aproveitamos os produtos que tínhamos aqui para fazer desde logo rissóis, compotas, e outros produtos sempre com uma ligação à empresa. Estamos a falar de uma pequena empresa que é um exemplo naquilo que deve ser o mercado de preparação de jovens com baixa escolaridade, com elevado risco de entrada no mercado de trabalho, para prepará-los para os desafios que o mercado exige”. E, como se mede esse impacto? “O perfil do jovem que entra é determinado: os jovens não mudam, os jovens evoluem. E medir os números é não valorizar o percurso individual de cada um. Em termos de números não se responde, são pessoas. Às vezes vamos ao ponto de trabalhar a gestão financeira desses jovens, de ver o que eles fazem com o ordenado que recebem. Preparamos os jovens para saber responder a uma entrevista, isto tudo não se mede em números”, afirma.

César Medeiros é responsável pelo projeto As Nossas Quintas, que junta a agricultura à economia social.

Com dois hectares de terra em produção, nos planos d’As Nossas Quintas está uma horta de aromáticas, com tudo o que isso implica. “O acesso à terra nos Açores é limitado, não dá para crescer para o mar”, brinca César. Mas, o primeiro trabalho está feito: além da cooperativa, cliente regular da IPSS, As Nossas Quintas fornecem ainda três restaurantes locais e vendem produtos online diretamente ao consumidor final. “É o cuidado com a questão económica sem perder a sustentabilidade e as pessoas. Um dos próximo desafios é ter um dos nossos produtos transformados num sítio de venda nacional que privilegie produtos de economia social. E escalar, sem ser demasiado grande porque se formos demasiado grandes vamos esquecer-nos dos jovens. O negócio é só uma consequência, nós somos formadores de pessoas”, diz César.

E há sempre espaço para mais um. Ao lado do escritório de César, Liane Costa, 26 anos, mostra o mais recente produto lançado pela Veggazores, empresa que incubou na Startup Angra e que a levou a conseguir ocupar uma das cozinhas da Cáritas. A ideia de começar um negócio de produtos vegan surgiu por necessidade própria e de mercado. “Tornei-me responsável pelas compras lá de casa, fui juntando matérias-primas, surgiu a ideia de apresentar o projeto no Jovem Investe, da câmara municipal, e decidi arriscar”, conta. Da ideia à prática, Liane conta que “não foi muito difícil”. “Pensava que ia ser difícil, temos de ter o à-vontade porque, se ficarmos em casa, não acontece nada. Estava desempregada e nunca imaginei neste momento ser dona da minha empresa”, revela.

“Quem está na Terceira, quer viver cá”

Fábio Santos diz que se mudou por amor. A mulher foi colocada na ilha e ele não tinha como fugir à insularidade. Encontrou na Startup Angra o projeto menos insular da Terceira, e a oportunidade de construir pontes transatlânticas, literalmente. É ele que, todos os dias, está na incubadora e, sempre que se fala com um empreendedor da ilha, o nome de Fábio vem à baila. É ele um dos maiores catalisadores do ecossistema. Mas não é o único.

Luís Godinho, 35 anos, vinha sozinho mas acabou por trazer consigo, de tempos a tempos, mais 30 para a incubadora. É na sede da Startup Angra que o açoriano reúne os elementos que fazem parte da DAR – Dreams are real, lançada em maio de 2017. A ideia de fundar uma associação surgiu quando Luís propôs à AMI ir como fotógrafo voluntário numa missão ao Senegal. A experiência foi tão intensa que serviu de gatilho à vontade antiga de Luís de abandonar o trabalho como engenheiro do Ambiente do Governo dos Açores e dedicar-se à fotografia a tempo inteiro. E claro, ter impacto com isso. “Fiz uma exposição com as fotografias, e ganhei um prémio com uma fotografia. Mas achei que era pouco e decidi fundar uma associação que pudesse usar as artes e a cultura. Através das artes, podíamos fazer com que os miúdos se interessassem mais pela escola”, conta. Aproveitou a solidariedade dos terceirenses para fazer o resto. E explica. “Somos oito ilhas e um parque de diversões, a ilha Terceira. E muitas vezes, na grande maioria das festas, são feitos peditórios para as festas. A forma como as pessoas encaram é interessante. Nos Açores as pessoas são muito solidárias, só nós sabemos o que sofremos por ser tão insulares“. Entretanto, a DAR recuperou, no ano passado, uma ludoteca em Nampula, no norte de Moçambique e, este ano, prepara-se para fazer o mesmo.

“Tem sido interessante porque todos os projetos surgidos têm sempre uma marca diferenciadora, é esse o trabalho que o Fábio muitas vezes acaba por fazer”, assinala Guido Teles.

Da terra para o mundo

O ecossistema empreendedor na Terceira não tem, no entanto, só crescido em volta de negócios locais baseados na tradicional indústria dos laticínios ou na agricultura. “O grande potencial — e a aposta tem de ser cada vez mais essa — é que os empreendedores estão cada vez mais atentos às novas tecnologias. Tudo o que é imaterial, a partir da Terceira ou de qualquer ilha dos Açores, tem muito mais facilidade de crescer do que um produto perecível ou material. Se tudo o que não envolver transportes, tudo o que não envolva transportes de mercadoria será um negócio com muito maior potencial de escalabilidade”, detalha Guido Teles. Por isso, não são de espantar casos como o de João Gonçalves, da Eyecon Software, uma startup que trabalha na área de smart sensing, ou o de Frederico Duarte, 38 anos, regressado aos Açores depois de muitos anos a viver nos Estados Unidos e fundador da Netspin. Ou ainda o de Marco Bettencourt, 40 anos, nascido na Terceira mas emigrado no Brasil até aos 16 anos e CEO da RedCatPig Studio, dedicada à indústria do gaming.

“A vantagem de estar na Startup Angra? Essencialmente, o ambiente que se cria em termos de networking e resolução de problemas. Há problemas que, ou estão fora da minha área ou, devido ao número reduzido de pessoas não conseguimos chegar. E termos pessoas com quem podemos colaborar, esse networking é fundamental para nós neste momento”, explica João.

É que, como num ecossistema onde as pessoas gostam de estar, Frederico acredita que aqui, ali, onde eles estão, só está quem quer. E isso traz fibra, e vontade de fazer acontecer. “Quem está na Terceira quer viver cá. A Terceira e os Açores em geral são um lugar muito calmo para se viver, que apela muito à criatividade”, conta.

Startup Angra foi inaugurada em 2017 e já incubou cerca de 50 projetos.Ana Raquel Moreira/ECO

O ECO viajou a convite da Startup Angra.

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