Cinco frases da comissão do Novo Banco que deixaram os deputados “perplexos”
O que dizem os membros da comissão que tem de fiscalizar os pedidos de fundos públicos do Novo Banco? Muito... e pouco, mas deixaram os deputados "perplexos".
Nenhum deputado ficou indiferente às explicações que José Rodrigues de Jesus deu no Parlamento a propósito do trabalho da comissão que fiscaliza os pedidos de fundos públicos do Novo Banco ao Fundo de Resolução, e que já estão no limiar dos dois mil milhões de euros. De um total de 3,89 mil milhões de garantia pública.
Paulo Sá, deputado do PCP, manifestou “perplexidade” com os esclarecimentos que ouviu do presidente da comissão de acompanhamento do contrato de venda do banco aos americanos e, se tinha dúvidas, aquela audição conseguiu desfazê-las: “O banco deveria ter sido nacionalizado”. Cecília Meireles, do CDS, disse mesmo estar “incrédula” com o “surrealismo” que estava a presenciar. Duarte Pacheco, do PSD, foi mais longe: falou em “fraude” e considerou-se “enganado” por pensar que havia uma entidade que estaria a proteger os interesses do Estado. “Isto parece conversa de café”, desabafou o deputado social-democrata.
Afinal, o que disse José Rodrigues de Jesus que deixou o Parlamento desconfiado em relação ao papel daquele órgão de fiscalização?
1. “Costumo perguntar se não são imparidades a mais. Há 15 dias, três semanas, perguntava isso à EY que disse: ‘Não, ainda há aqui mais imparidades que estamos a estudar registar'”
Confrontado pelos deputados sobre a possibilidade de o Novo Banco estar a registar mais imparidades do que precisa, o que tem explicado a dimensão dos prejuízos (1.412 milhões) e o recurso “expressivo” ao dinheiro do Fundo de Resolução através do mecanismo de capital contingente (1.115 milhões), José Rodrigues de Jesus tentou tranquilizar os deputados que fez exatamente essa pergunta aos auditores do banco.
“No ano passado questionámos a PwC sobre o modo como se fez o conjunto de imparidades que foram registadas em 2017, se houve alguma descontinuidade no tratamento dessas imparidades”, começou por explicar. “É normal uma pessoa como eu perguntar se estão todas as imparidades, mas neste caso costumo perguntar se não são imparidades a mais. Há 15 dias, três semanas, perguntava isso à EY [atual auditor] que disse: ‘Não, ainda há aqui umas [imparidades] que estamos a estudar registar”, explicou o responsável.
Mas “os critérios das provisões são os critérios dos auditores, do banco, e é usual perguntar se nas contas estão todas as imparidades, mas neste caso perguntei se não há imparidades a mais”. “Não tenho mais nada para lhe dizer a não ser esta objetividade”, sublinhou Rodrigues de Jesus.
Face a estas respostas, Mariana Mortágua disse que, sendo assim, não era preciso o trabalho de uma comissão de acompanhamento dado que os auditores já dão os seus pareceres nos relatórios e contas dos bancos. Duarte Pacheco diz apenas que a comissão não pode “simplesmente comer o que os auditores dizem” e lembrou o que diziam os auditores do BPN e BES.
2. “Há casos muito maus. Mesmo muito maus e tendem a piorar, estão a degradar-se. (…) Há casos em que é preciso ter coragem para os resolver”
José Rodrigues da Jesus revelou que grande parte dos prejuízos do Novo Banco vieram de imparidades que tiveram de ser registadas face aos ativos tóxicos do banco que estão no perímetro do Mecanismo de Capital Contingente. E não tiveram tanto a ver com vendas de carteiras de malparado e imobiliário.
Os deputados quiseram saber que tipo de ativos problemáticos ainda restavam no Novo Banco e porque razão não foram resolvidos antes. Encolhendo os ombros, o presidente da comissão de acompanhamento diz que também fez essas perguntas, revelando que há no banco casos “muito maus”, “mesmo muito maus”, que estão a degradar-se de dia para dia e que mais tarde ou mais cedo terão de ser resolvidos.
Estes “casos um dia terão de ser tratados” e “vai ser preciso coragem para tratar de alguns”. Porquê? “São casos que deviam estar resolvidos, que estão resolvidos, mas por serem mediáticos…”, disse.
Falou mesmo em “nomes de estimação” de grandes devedores que eram do BES e também são do Novo Banco, mas recusou-se a identificá-los, dizendo apenas que são comuns à Caixa Geral de Depósitos (CGD) e BCP — Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, ainda lançou alguns nomes como Joe Berardo ou grupo Lena. “Tenho de deixar algum enigma nisso”, respondeu o presidente da comissão de acompanhamento perante a insistência dos deputados.
3. “Eu não sei quem é o beneficiário efetivo. Em última instância, também eu posso ser sócio do Lone Star. Estou a brincar, mas no domínio do possível, podia ser. Mas podia estar a mentir neste momento”
José Rodrigues de Jesus tentava explicar aos deputados que a comissão de acompanhamento da venda do Novo Banco ao Lone Star não podia garantir a 100% a identidade dos compradores dos ativos problemáticos.
O argumento dos deputados era mais ou menos este. O Novo Banco poderia vender ativos ao desbarato a eventuais investidores com ligações ao Lone Star, que assim ganhava dinheiro de duas formas: primeiro, porque comprava ativos baratos que podia rentabilizar; e depois porque, detendo 75% do banco, recuperava o dinheiro da perda na venda porque o Fundo de Resolução era chamado a compensar. Segundo, o contrato de venda, o fundo Lone Star não pode comprar ativos ao Novo Banco.
“Estes contratos passam sempre pelo departamento de compliance do banco, que é muito rigoroso para analisar a questão do branqueamento de capitais. É preciso cuidado com os fundos que aparecem por aqui, mas também com as pessoas ligadas ao Lone Star. É uma preocupação nossa”, disse José Rodrigues de Jesus.
Já depois de o presidente ter brincado com o facto de ele próprio poder ser sócio do Lone Star — os deputados não acharam muita piada à brincadeira –, o vice-presidente José Bracinha Vieira demonstrou que esse tema era tão sensível que a comissão chegou a pensar em contratar uma equipa de detetives. “Foi dito que já havia sido contratada uma firma, mas não houve efeitos práticos”, revelou Bracinha Vieira, que também estava na mesma audição no Parlamento.
4. “Alguém vai ganhar dinheiro com isto”
Foi outro dos apontamentos que deixou os deputados em sobressalto. No meio das vendas de ativos tóxicos, “alguém vai ganhar dinheiro com isto”, disse José Rodrigues de Jesus.
Não foi preciso esperar muito pela resposta do deputado comunista Paulo Sá: “Podemos ter dúvidas sobre quem vai ganhar, mas sabemos quem já está a perder dinheiro: os contribuintes”.
Os outros deputados insistiram junto do presidente da comissão de acompanhamento sobre o que queria realmente dizer com aquela afirmação. José Rodrigues de Jesus tentou ser mais didático e esforçou-se por contextualizar: o Novo Banco não tem grande margem para valorizar o que tem no seu balanço, ao contrário dos investidores que compram estes ativos.
E deu o seguinte exemplo: “Vamos supor que eu tenho uma empresa em dificuldades. Não tenho mais hipótese de gerir, ninguém me financia, o meu banco já não financia. Muitos destes empreendimentos, muitas destas situações só se resolvem quando vem alguém de fora comprar”, contextualizou.
Por outro lado, lembrou que quem compra esses créditos, assume o risco, dificilmente recuperará o valor nominal do crédito. “Mas está vocacionada para isso, é esse o seu negócio. Essas entidades andam a telefonar à noite a tentar apanhar os devedores“, revelou.
5. “Sabia para o que vinha, sabia que era mau, não tinha ideia que fosse tão mau”
José Rodrigues de Jesus tentou transmitir a mensagem de que os deputados podem confiar no trabalho da comissão de acompanhamento da venda do Novo Banco. Garantiu mesmo que, apesar daquele órgão de fiscalização estar incompleto devido à saída de Athayde Marques por incompatibilidades, “nós chegámos para isto”. Mas já perto do final da audição, que durou cerca de três horas, deixou um desabafo: “Sabia para o que vinha, sabia que era mau, mas não tinha a ideia que fosse tão mau”.
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